*Rangel Alves da Costa
Foi à padaria e quase esbraveja pelo que encontrou. De um dia para o outro e aumentou o leite, aumentou a broa, aumentou o pão. Comprou a metade de tudo a comprar. E lhe faltou dinheiro para comprar cigarro.
Ligou a televisão para se acalmar. Então veio o jornal televisivo com a mesma notícia. Mais roubo, mais ladroeira, mais corrupção. Prova disso e daquilo, delação premiada. Puxou o botão da TV e jogou ao longe. Quase vomita pelo nojento poder.
Abriu a garrafa e trouxe um copo. Cerveja era cara e acostumava na pinga. Despejou uma dose e virou goela abaixo. Mordeu o limão depois do queimor. Seus olhos brilharam num vermelho esquisito. Depois outra dose e mais outra e mais outra.
Já na quinta dose escutou um esbravejo. A esposa dizia que coisa bonita, um marido de pinga e sem comida na mesa, um cachaceiro que se esquecia do lar. Então ele aprontou para o pão sobre a mesa, a manteiga e a metade de mortadela. Era assim todo dia e não havia do que reclamar.
Mas ela reclamou e partiu para o grito. Queria por que queria uma mobília nova, um freezer espaçoso, uma cama redonda. Queria um sofá de veludo e um jogo de cama, um mesa antiga para sala-de-estar. Tudo muito caro, mas que queria agora. Ou ele comprava ou ela já sabia o que ia fazer dali em diante.
E disse na cara. Vou arrumar outro que não beba cachaça, que me dê uma mansão e me chame de princesa. E para passar o dia sem nada fazer, a não ser servida dos pés à cabeça, com baby-doll dourado e unhas de seda. Uma vida que ela não tinha tido até aquele momento.
Então ele, já entremeado de raiva e bebida, puxou a gaveta e derramou sobre a mesa uma papelada. Contas e mais contas, boletos e boletos, faturas e faturas, tudo atrasado. E depois chamou a esposa para que visse aquilo e sentisse ela mesma a situação. Todo dinheiro que tinha não dava a metade para pagar as contas que ela mesma fazia.
E no caderno mais contas estranhas. Um sapato de salto alto sem uso algum. Um casaco de pele de onça num lugar onde só faz calor. Uma camisa masculina que ele nunca recebeu. Um relógio dourado desde muito sumido. Uma agenda de bolso que só vivia escondida.
Mas ela insistia em querer tudo novo, pois não suportava aquela vida de pobre. Disse que nunca mais mortadela, nunca mais pão nem manteiga da ruim. Nunca mais carne pouca, nunca mais a mesmice. Nem comida ia mais fazer. Ou uma empregada ou comida do melhor restaurante que houvesse por perto.
Ele lançou mão da garrafa e tomou outra dose. Uma dupla para aliviar. Mas o fogo subiu e que dizer besteira, achando melhor o silêncio forçado. Abriu a geladeira e mostrou comida, abriu o freezer e mostrou comida. E disse que não roubava para ter mais que aquilo e que ela se quisesse fosse ser princesa aonde quisesse.
Ela começou a cantar enquanto ele saía. Já saindo na porta ainda ouviu o deboche: Só volte aqui com o que lhe pedi, do contrário faça do bar sua casa e da cachaça a esposa. E já vai tarde mesmo, pois preciso tomar banho e me perfumar para dar uma voltinha.
Num banco de praça ele chorou e sorriu. Lamentou a sorte e gracejou sem motivo. Depois foi para um bar e pediu uma pinga. Voltou tarde da noite já bêbado e exausto, mas a chave de casa não estava no bolso. Chamou e chamou, bateu e bateu, mas nada de a porta ser aberta.
Dormiu na calçada o sono dos aflitos. Acordou com um cachorro lambendo sua boca. Deu um pulo assustado para logo encontrar, bem diante de si e bem sorridente, a mulher com a primeira palavra do dia: Entre cachorro, deixe ele aí.
Escritor
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