Por José Romero
Araújo Cardoso
Personagem polêmico da História recente do Nordeste Brasileiro, Padre Cícero
Romão Batista começou a angariar respeito logo após sua ordenação, quando foi
designado pelos seus superiores, na década de 70 do século XIX, para ser o
vigário de erma localidade perdida nos confins da chapada do Araripe cearense,
conhecida por Joazeiro, antigo ponto de parada de tropeiros que iam e vinham da
longínqua e desenvolvida cidade do Aracati, ponto de comercialização da
produção sertaneja de outrora.
As terras pertenciam a outro Padre de nome Pedro Ribeiro, havendo igreja
dedicada a Nossa Senhora das Dores, ao redor da qual estavam erguidas cerca de
setenta e duas casinhas de taipa, habitadas por gente de índole pouco
recomendável. Em pouco tempo, Padre Cícero conseguiu converter bandidos,
prostitutas, malandros, vigaristas e toda ordem de pessoas desvirtuadas,
granjeando fama nos arredores devido às façanhas conquistadas. Quando da grande
seca de 1877-1879, apiedado da situação dos sertanejos, passou a proferir
sermões na igreja de Nossa Senhora das Dores com apelo para que os deserdados
da terrível estiagem se dirigissem às distantes plagas do Norte, onde começava
a se dinamizar a extração da borracha de seringueira para atender as exigências
da nascente indústria automobilística.
Em março de 1889, protagonizou com a beata Maria de Araújo o “milagre da
hóstia”. Ao receber a comunhão, a humilde sertaneja espantou as pessoas
presentes, pois esta se transformou em sangue e depois tomou o formato de
coração.
O afluxo de gente em direção ao Joazeiro, após o “milagre da hóstia”, passou a
ser contínuo, cada vez mais intenso, despertando a atenção dos seus superiores
em Fortaleza, os quais enviaram a primeira comissão episcopal para analisar o fenômeno.
O veredicto determinou a fraude do “milagre da hóstia”, mas interesses maiores
fizeram com que outra investigação fosse realizada, a qual se definiu favorável
aos episódios ocorridos no Joazeiro. Chamado a Roma para se explicar, Padre
Cícero desafiou a estrutura suprema da igreja católica, negando que o “milagre
da hóstia” tivesse sido um embuste. Então foi definida sua suspensão das ordens
sacerdotais e sua excomunhão.
Para o povo sertanejo que esperava seu regresso nada disso importava, pois já o
tinha como “Padim protetor”, aquele que era a garantia melhores dias, materiais
e espirituais, verdadeiro Messias à imagem do Padre Ibiapina e do Frei Vitale.
Padre Cícero promoveu verdadeira revolução, pois evitava que àquelas pessoas
simples e humildes que chegavam diariamente ao Joazeiro engrossassem as
fileiras do cangaço, fazendo-as beatos e beatos, as quais passaram a
rezar contritas e irresolutas, realizando trabalhos espirituais ao invés de
estarem empunhando rifles e punhais assassinos.
Apesar do intenso trabalho sócio-religioso que realizou, Padre Cícero
contribuiu bastante para o fortalecimento da violência do mandonismo quando deu
poderes ilimitados ao médico baiano Floro Bartholomeu da Costa, responsável
pela inserção política do movimento do Joazeiro, antes eminentemente religioso.
Vinculado ao Acciolismo, Padre Cícero deu carta branca para que Floro e o
exército de romeiros-jagunços avançassem até Fortaleza, intuindo depor, quando
da “revolução” de 1914, o governo de Franco Rabelo, cujo fato se evidenciou de
forma notável.
Apesar do acolhimento espiritual e material a sertanejos oriundos de todos os
recantos, principalmente do Estado de Alagoas, Padre Cícero se firmou na
história nordestina e brasileira como um dos mais discutidos personagem de
todos os tempos.
José Romero
Araújo Cardoso. Geógrafo (UFPB). Professor-Adjunto IV do Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografai e Gestão Territorial
(UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (PRODEMA - UERN). Escritor. Membro da Sociedade Brasileira de Estudos
do Cangaço (SBEC), do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP) e da
Associação dos Escritores Mossoroenses (ASCRIM).
* Crônica não
classificada no I Concurso Homenagem ao Padre do Juazeiro, promovido pelo
Parque Cultural "O Rei do Baião" e Caldeirão Político.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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