Material do acervo do pesquisador do cangaço Raul Meneleu escritor pelo padre Frederico Marciel
Quando Lampião
à Bahia chegou, com muito dinheiro, iniciou negócios com o coronel
Petro, forte fazendeiro baiano que possuía mais de trinta fazendas na região e
era chefe absoluto da política local e em entrevista arranjada pelo padre
Emílio Moura Ferreira pároco da cidade de Glória, ficou muito satisfeito com
Lampião e colocou à disposição dele sua fazenda Três Barras, perto de Patamuté,
município de Curaçá, para passar o tempo que quisesse. Quase quatro meses de
intensa atividade desenvolveu Lampião nessa fazenda.
Ali Lampião
conquistou os habitantes das caatingas, fazendeiros e moradores, vaqueiros e
agricultores, através do dom de sua simpatia, fala maneirosa, fineza de trato,
cavalheirismo, "extrema bondade" — politica essa, inteligente e
sagaz, de conquista da população, objetivo-base de sua Grande Guerra de guerrilhas.
Prodigalizou
caridade para com os desafortunados e humildes, não lhes deixando faltar comida
e ajudas pecuniárias. A todos atendia, com prontidão e solicitude, em casos de
saúde: partos, estrepadas, mordidas de cobra... aplicando seus conhecimentos de
medicina rústica e à base de raízes. Bom vaqueiro que tinha sido, era procurado
para curar bicheira, pisadura no lombo, mal triste; extrair bezerro entalado...
e por aí em diante, usando a medicina popular do sertanejo.
Dizia o
vigário de Glória, padre Emílio Ferreira: — "Lampião era melhor
conselheiro do que muitos vigários!" Recomposição de casais desajustados,
desfazimento de inimizades, respeito e obediência dos filhos... uma infinidade
de casos assim, que ele, atenta e pacientemente, ouvia e depois dava o conselho
"certo e com toda a clareza e segurança". Não somente de
“vigário-conselheiro” mas também de juiz que fazia as vezes. Todos os litígios
lhe traziam, confiantes na certeza do julgamento sereno e da decisão justa:
limites duvidosos de terras, traçados de cercados e travessões, direito às
cacimbas de beber e de gado, uso comum de caldeirões, acordos entro parceiros
para construção de barreiros e açudecos; indenização dos prejuízos nos roçados
ocasionados pela miunça destruidora, prisão e expulsão dos ladrões de bode,
solução das desonras pelo casamento imediato, repreessão aos trajes femininos
coontrários aos padrões da época, pagamento dos fiados nas lojas, bodegas e
botequins, remuneração de salários justos aos trabalhadores
alugados... - Tudo isso confirmado pelo cangaceiro Zé Sereno,
testemunha de tantos fatos: "Certo rapaz se queixou a Lampião que o
dono da fazenda não queria pagar aos homens do eito. Lampião foi
à reuniu os trabalhadores e obrigou o fazendeiro a pagar. Na saída,
disse-lhe Lampião que não queria saber que algum dos trabalhadores fosse
mandado embora..."
Era assim.
Lampião "Gostava das coisas justas e respeitava quem merecia
respeito", testemunhou o cangaceiro Zé Sereno.
Via-se em
Lampião o homem de muita fé, e religioso fervoroso. Todas as noites, antes das
festanças, promovia rezas e novenas a vários santos. Não perdia sentinela de
defunto, na qual exigia respeito. Suas frases prediletas e constantemente
repetidas: "Querendo Deus!" e "Confie em Deus!".
Tomou-se a
fazenda "centro de eternas festas". Inculcava Lampião a alegria de
viver. Dizia: "A vida é curta. A gente precisa de distração boa!"
Cocos, xaxados, baiões... Danças: quadrilhas, maxixe, e principalmente o
xote... Contradanças: valsa, polca...
Desafios,
repentes, violeiros, cantadores... Tudo isso dentro do respeito. Os
contraventores eram advertidos ou expulsos. Pelo que, todo o mundo participava
das festanças: coronéis, vaqueiros, roceiros, os rapazes e a meninada e as
famílias...
Nas
vaquejadas, e principalmente na pega de boi, revelava-se ele o vaqueiro exímio
e famoso do Pajeú, tornando-se inigualável nos tabuleiros baianos.
"Como O
HOMEM, não tem aqui, na Bahia, quem corra no mato. Só vendo para
crer", dizia-se, a miúdo, naquela época: "Quem quiser dançar
xaxado, Valsa lenta ou baião, Corra, venha apressado Pras festas de
Lampião".
Sim, seu nome
próprio, "Virgulino", e seu apelido de guerra, "Lampião",
desapareceram diante das manifestações inequívocas de sua bondade e
benemerências.
Ficou
conhecido apenas como "O HOMEM!" E a palavra "homem" para o
sertanejo sempre significou o máximo do elogio. Assim, todos proclamavam
convictos e reconhecidos: — "O HOMEM é um justiceiro!" E até
popularmente era canonizado:
- "O
HOMEM' é um santo!"
A voz
consagrante do povo era propalada pelos cantadores ao pinicar das violas bem
ponteadas:
— "O
SANTO LAMPIÃO Era um home bem devoto. O SANTO LAMPIÃO Era um home bem
querido".
Apenas com
diferença de área geográfica, tornou-se para toda aquela gente dos sertões
baianos O MESMO QUE FORA O PADRE CÍCERO, no Juazeiro, para seus crentes. E qual
o segredo desse fascínio irresistível e poder de conquista que Lampião possuía?
— “Só porque
LAMPIÃO ERA BOM!" afirmou Manuel Gonçalves de Azevedo, cidadão probo,
agente corretor aposentado da Companhia de Seguros São Paulo, e que conheceu
pessoalmente Lampião.
Ainda, segundo
ele, Lampião, "não era aquele de quem se dizia com exagero: mau,
sanguinário..." Com a simpatia assim diplomaticamente conquistada dos
sertanejos, foi fácil ao sagacíssimo Lampião a eficiente e perfeita organização
da rede de coiteiros.
Era assim
Lampião, de personalidade contraditória. Ao mesmo tempo, valente e covarde,
frio e sentimental, calculista e violento. Comportava-se com excepcional
bravura para, às vezes, depois de vencer e dominar o inimigo, sangrá-lo
friamente.
Certa vez
brigou com um cangaceiro do bando chamado Alazão e o expulsou do bando. O
costume quando expulsava alguém do bando, era retirar-lhe os "arreios do
cangaço" ou seja, armas, cartucheiras, munições e os enfeites que
carregavam. Chamavam isso de "quebrar o orgulho do cabra".
Quando a ordem
foi dada, Alazão dirigiu-se diretamente a Lampião dizendo: "Venha quebrar
você mesmo se é homem, "seu" covarde!"
Um dos cabras,
apontando-lhe a arma para lhe dar um tiro olhou para Lampião, aguardando um
sinal para mata-lo e sem se alterar Lampião calmo ordenou ao cabra: "Baixe
a arma! Deixe ele ir com "orgulho" e tudo. Um cabra como esse não se
mata. Fica no mundo pra tirar raça de macho."
Era assim
Virgulino Ferreira da Silva. Tinha rasgos de herói e saídas de poltrão.
Inteligente e astucioso, era um homem de vocação perdida.
Já escrevi
por aqui, se aquele talento cru fosse devidamente aproveitado,
Lampião poderia ter sido, não simplesmente um bravo vaqueiro do Pajeú ou um
amaldiçoado chefe de cangaço, mas poderia ter sido um poeta, músico e artista,
qualidades que revelou em seus versos, tocando sanfona, confeccionando belos e
artísticos objetos de couro.
Poderia ter
sido um bispo católico, ou quem sabe um general brasileiro, pois em seus
combates que travou, demonstrou acentuada capacidade de estrategista. Não foram
poucas vezes em que empregou planos bem arquitetados e bem executados para
enfrentar e desestruturar seus inimigos. Possuía tato e qualidades de comando.
Era na verdade um estrategista nato.
Fontes:
Lampião e seus cabras - Luiz Luna
Lampião, seu tempo e seu reinado - Frederico Bezerra Maciel
http://meneleu.blogspot.com.br/2014/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário