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quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

CARTINHA A DONA CLOTILDE

Por Rangel Alves da Costa

Boa tarde, boa noite, como vai Dona Clotilde? Como vai a saúde, sei que tem andado meio adoentada, mas já está reconquistando as forças necessárias na estrada? Sei muito bem que jamais irá, por conta própria, abrir essa cartinha e catar as letras miúdas perante o olhar. Mas escrevo assim mesmo, apenas como desabafo dessa sofreguidão que me prende e me atormenta por dentro.
Essa cartinha, custosa a sair pela letra trêmula por causa de minhas ingratidões e arrependimentos, é como se fosse minha voz na beirada de sua calçada ou na saleta da frente de sua casinha ali na esquina da Praça de Eventos. A mesma saleta onde eu sempre encontrava minha saudosa amiga Neném para um proseado. E também onde eu fiz questão de levar à parede um retrato bonito de um encontro entre amigos. Na moldura, a senhora e sua filha Neném sentadas juntinhas no sofá da sala. Ou era apenas eu e Neném, agora não recordo bem. Mas continua aí como viva recordação.
Pois bem, Dona Clotilde, depois da partida de Neném e o tempo passado, forçosamente reconheço-me como um ingrato amigo. E quanto desprezo, Dona Clotilde, quanto desprezo. Passo por aí, ando por aí, vou e volto, e sempre sem chegar à sua porta para uma visitinha. Nunca fui assim. O que está acontecendo comigo? Contudo, compreenda-me.
Sei que nada justifica a distância constante dos grandes amigos, nada serve como desculpa para não visitar aqueles que tanto gostamos. Mas se, de um lado, é erro imperdoável de minha parte, de outro também é fuga das lembranças e das saudades. Não consigo avistá-la sem que esteja vendo Neném bem ao lado. Não consigo entrar na sala sem recordar sua filha bem sentadinha ali, na pouca palavra, no sorriso tímido, no seu jeito meigo de ser. Ela era assim.
Porém já retornei outras vezes. Poucas palavras, visita rápida, brevidades apenas. Mas não posso agir assim. Eu não posso me distanciar dos velhos amigos de Poço Redondo. Ando desprezando demais quem eu amo, quem admiro, quem eu guardo profundo apreço. Veja que coisa! Já faz um bom tempo que eu não renovo uma visita a Neném de Anita. Será que ando me esquecendo de Seu João Capoeira? Não posso esquecer. Brasilino, como vai você? Mariá, minha amiga Mariá, devo uma visitinha viu?! Já faz tempo que não visito Dona Prazerinha e Mané Anjo.
Já prometi a Dona Ceição de Laura que passaria com ela uma tarde inteira, ouvindo suas histórias, tecendo um proseando encantador. Somente de vez em quando - e casualmente - eu encontro Cenira, Irlade e outras amigas. Minha amiga Ciene anda doente e eu não tenho nem coragem de ir lá. Não por esquecimento, pois bem sei o que ela e sua família representam na minha vida, mas por uma angústia terrível em saber o que ela está passando. E dói demais saber do seu sofrimento.
Perdoa-me. Ou perdoem-me. Eu sei muito bem da importância de uma simples visita, de um abraço, de uma demonstração de afeto e respeito. Erro meu - e tão grave erro meu - ao avistar pessoas ao longe e apenas acenar. Eu tenho que ir até lá, eu tenho que ir abraçar, eu tenho que sentir junto a mim cada presença. E sabe o que sinto quando de repente uma dessas pessoas esquecida se aproxima para um abraço apertado?
Choro por dentro e por fora. E não posso simplesmente esquecê-las de jeito nenhum. Tenho de ir, tenho de estar presente, pois nada se sabe sobre o amanhã e nunca é bom recordar apenas com angustiada saudade. Tenho que visitar mais as calçadas ao entardecer. Tenho que visitar mais os amigos enfermos e solitários. Tenho que chegar pertinho de cada um e perguntar: “Como vai?”.
E daí deixar que as palavras encontrem por si mesmas as mais doces e melhores recordações. Bem assim mesmo, Dona Clotilde. Juro não fazer mais assim. Juro bater à porta, juro chamar à janela. E levar a cada um o presente maior que eu tenho a dar: o meu respeito e o meu mais sincero afeto!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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