Por Bruno Yacub
“Mundinho”, um
Cangaceiro brejo-santense.
Entre os
cangaceiros que se encontravam na cadeia pública da capital cearense, presos
pela polícia, depois que o Dr. Mozart Catunda Gondim assumiu a direção da
Secretaria da Polícia e Segurança Pública, figura Raimundo Maximiano de Morais,
vulgo Mundinho, que contava 28 anos de idade, de cor morena, baixo, natural de
Brejo dos Santos (atual Brejo Santo). Gabava-se Mundinho de ter vivido doze
anos na espingarda no meio dos mais temíveis e importantes companheiros de
luta, a exemplo de Sebastião (Sinhô) Pereira, Luiz Padre, Lampião e Gitirana e
a relação de importantes figurões da política cearense, paraibana e pernambucana,
como o major José Inácio, do Barro; o coronel José Pereira, de Princesa Isabel;
Yoyô Maroto (Crispim Pereira de Araújo), de São José do Belmonte; dentre
outros.
Viveu em Brejo
dos Santos até 1914, em companhia de seu pai, José Maximiano de Morais, a quem
ajudava numa loja de que o mesmo era proprietário. No fim daquele ano, quando
contava apenas 14 anos de idade, abandonou a casa do seu pai a fim de ganhar a
vida sozinho, passando a trabalhar para o coronel Francisco Pereira de Lucena (Chico
Chicote), político influente, que poucos dias depois o convidou a tomar parte
do assalto armado a Porteiras.
Com extraordinária
satisfação, Mundinho aceitou o convite e seguiu no meio de numeroso grupo para
o ataque àquela Vila, que caiu em poder de Chico Chicote. Durante a luta,
Mundinho portou-se com tal valentia, que passou a ser alvo de elogios do chefe
do bando e dos seus companheiros, o que encheu de orgulho e o animou a
prosseguir na vida do cangaço.
Pouco depois
dessa façanha, quando se encontrava no sitio Guaribas (Porteiras), de
propriedade de Chico Chicote, tomou, por duas vezes, parte na defesa daquela
propriedade, atacada por forças do governo.
Em janeiro de
1915, coligavam-se contra o coronel Raimundo Cardoso dos Santos, de Porteiras,
Mousinho Cardoso, Chico Chicote e José Inácio, chefes influentes de Brejo dos
Santos e Milagres. Os coligados mandaram assaltar, à mão armada, a propriedade
de Raimundo Cardoso e, a seguir, expediram telegramas à imprensa de Fortaleza e
do Rio de Janeiro e ao Presidente da República, clamando por providencias, já
que não confiavam no Governo do Estado do Ceará.
Em abril de
1915, as populações de Porteiras, Brejo dos Santos e Milagres reclamavam
providências contra assaltos iminentes por parte dos bandos armados estimulados
pela baixa politicagem. Enviava o Governo destacamentos comandados por oficiais
com o fim de manterem a ordem publica.
Tomadas essas
medidas preliminares, finalmente, no dia 13 de junho de 1915, os colegiados à
frente de cerca de 300 homens, atacavam a vila de Porteiras, defendida pelo
Tenente Artur Inácio, com uma força estadual composta de 40 praças e 02
oficiais. Após 11 horas de fogo, seu último reduto foi o cemitério de onde se
retraiu com o chefe deposto. Esgotadas as munições, a força estadual abandonava
a Vila, que ficava entregue à sanha dos vencedores.
Serenadas as
coisas em Guaribas, foram dispensados os serviços de todos os cabras, tendo
Mundinho seguido com diversos deles com destino a Brejo dos Santos, onde foram
cercados por uma numerosa força policial, que conseguiu capturar um. Mundinho conseguiu
não ser apanhado e fugiu para São José de Piranhas, Paraíba, onde, não sendo
conhecido, pôde empregar-se como lavrador no sítio Picadas, de propriedade do major
Andrade. Passou seis meses trabalhando naquele sítio, mas tinha saudade da vida
do cangaço, e, por isso, voltou a Brejo dos Santos, sendo, logo após a sua
chegada ali, cercado por uma força policial.
Graças ao auxilio que lhe prestou um seu irmão, pôde fugir, indo ter ao
sítio Barro, de propriedade do coronel José Inácio, homem rico, de Milagres.
Durante um ano, pouco mais ou menos, esteve trabalhando como agricultor naquele
sitio, mas, em certo dia, José Inácio chamou-o, dando-lhe um rifle e farta
munição para, em companhia de outros “rapazes”, ir fazer um serviço.
Tratava-se
nada mais, nada menos, de liquidar João Flandeiro, inimigo de José Inácio. O grupo era chefiado por Sinhô Pereira e,
entre outros cangaceiros, contava Tiburtino Inácio (filho
de José Inácio), Ponto Fino, Deodato, Patrício, João de Genoveva e José Pedro.
Cerca de 5 horas da manhã, o grupo cercou o sítio Pitombeiras, distante uma
légua de Barro, propriedade e residência de João Flandeiro, começando, então,
violento tiroteio, que durou até às 9 horas da manhã, quando a família do
atacado, obteve permissão para sair de casa. João Flandeiro, apesar de ferido,
resistiu ainda 15 minutos de fogo, mas, afinal, abriu a porta para entregar-se,
sendo crivado de balas. Imediatamente, os assaltantes atearam fogo na propriedade.
Terminado o “serviço”, o grupo voltou ao sítio Barro, ficando José Inácio muito
satisfeito quando soube que o seu inimigo tinha morrido e que a sua propriedade
fora incendiada.
Dois meses
mais tarde, fazendo parte de um grupo de 12 homens, em que figuravam Luiz Padre,
Sinhô Pereira, Mourão, Gitirana, José Dedé, João Dedé, Vicente Marinho, José
Marinho e Cambirimba, dirigiu-se Mundinho para o Pajeú, em Pernambuco, onde
morava uma filha de José Inácio. Ali, no
povoado Queixadas (atual Mirandiba), mataram, depois de sangrenta luta, o Antônio
da Umburana, que havia assassinado Manoel Pereira (Dadú), irmão de Sinhô Pereira.
Cometido esse crime e sendo perseguido pela polícia pernambucana, o grupo
voltou para o sitio Barro, fazendo, em caminho, vários saques.
Depois de alguns
meses de repouso, Mundinho entrou num grupo de 45 homens, organizado por José Inácio
e do qual fazia parte Lampião, para atacar o padre Lacerda, na vila do Coité,
em Mauriti. Pelas 9 horas da manhã o numeroso bando, que se encontrava bem
armado e municiado, atacou a vila de Coité, ocupando, no primeiro embate, três
casas. A população ofereceu heroica resistência, que durou de 9 horas da manhã
a 6 e meia da tarde, quando os assaltantes foram obrigados a recuar, indo até a
fazenda Araticum, do coronel Antônio Cartaxo, também em Mauriti, o qual,
sabendo da aproximação dos bandoleiros, abandonou a sua propriedade, que foi
saqueada e depredada.
De acordo com
as recomendações de José Inácio, o grupo, ao retirar-se de Coité, deveria
atacar Milagres, mas achando-se essa localidade bem guarnecida, Lampião tentou
atrair a atenção da força policial para fora daquele município, para o que
fingiu atacar a fazenda Queimadas, próximo a Mauriti. No momento em que
efetuava o assalto a Queimadas, o bando foi surpreendido por uma força de 12
praças, comandada pelo sargento Gouveia, que recuou três vezes. No último
ataque do sargento Gouveia, o grupo decidiu retira-se em direção a Conceição de
Piancó. Durante a luta, morreram dois soldados e os cangaceiros perderam
“Pitombeira”, ficando ferido o bandido “Lavandeira”, que foi levado para a casa
do velho “Batista dos Valões”, tio de Sinhô Pereira e de Luiz Padre. De
Conceição do Piancó, os bandoleiros dirigiram-se para o povoado Cristóvão, do
município de São José do Belmonte, em Pernambuco, onde foram homiziados por
Yoyô Maroto, que lhes forneceu munição.
Após esses
acontecimentos, voltaram todos ao “Barro”, de José Inácio, que mostrou a
Mundinho um telegrama que lhe fora enviado pelo deputado federal Floro Bartolomeu,
aconselhando-o a abandonar a vida de cangaço, visto como pretendia fazê-lo Deputado
Estadual. Em virtude deste conselho, José Inácio resolveu dispensar o grupo,
mandando-o para o Pajeú das Flores (atual Flores).
Os bandoleiros
não quiseram ir para aquela localidade pernambucana, e rumaram a fazenda Patos
(em Princesa Isabel) e dali a Vila Bela, onde se acoitaram no sitio Abóboras,
de propriedade do coronel Marçal Diniz.
Numa dessas viagens, o grupo dividiu-se e seis homens dirigiram-se a
Olho D’água, tendo um encontro com a força cearense comandada pelo capitão José
de Santos Carneiro. Os seis cangaceiros perderam as montarias e refugiaram-se
em Patos, onde se encontrava Lampião.
Desse encontro
nasceu o receio de que a força cearense atacasse Patos, razão porque o Dr.
Marcolino Diniz, que protegia os bandoleiros, pediu auxílio do coronel José
Pereira, de Princesa Isabel, que lhe remeteu mais de 100 homens armados.
Enquanto enviava esse reforço de cabras, o coronel José Pereira foi ao encontro
da força cearense, avistando-se com a mesma nas proximidades de Patos. O coronel José Pereira procurou convencer
ao capitão Carneiro que não havia cangaceiros naquele município, mas o aludido
oficial, com cerca de 80 praças, foi até Patos, não encontrando, ali, nenhum
bandoleiro, pois, de acordo com os planos do coronel José Pereira, foram
escondidos todos os “rapazes”. Isso foi
uma felicidade para a força cearense, porquanto estava combinado se tentasse a
mesma efetuar qualquer prisão seria repelida pelos cangaceiros, em número,
então, superior a 200. No dia imediato, o capitão Carneiro se retirou de Patos.
Lampião, à frente de 30 homens, dirigiu-se para o Pajeú das Flores, não sendo
acompanhado de Mundinho que, com dois bandoleiros, voltou ao Ceará.
Durante dois
anos, Mundinho viveu como bodegueiro, mas, vez por outra, realizava,
“expedições” de cangaço por conta própria.
Numa dessas “expedições”, chefiou um grupo composto de Antônio Padeiro,
Lavandeira e dos Mateus, com os quais atacou José Amaro, no município de
Aurora, saqueando totalmente a casa deste. Esta façanha custou-lhe nova
perseguição da polícia, o que determinou sua fuga para o Pajeú, onde encontrou
a proteção de Yoyô Maroto. Este, poucos meses depois, recebia Lampião em sua
fazenda, passando Mundinho a “agir”, juntamente com o temível chefe bandoleiro.
Retirando-se
Lampião, Mundinho não o quis seguir, e, com Lavandeira, passou a roubar entre
Cristóvão, São José do Belmonte e Poço do Pau (Brejo dos Santos). Depois de várias peripécias, Mundinho foi
acusado da morte de Vicente Quilarino, pelo que teve de fugir, vindo para
Gameleiras, no Ceará, onde foi contratado para, em companhia dos Marcelinos,
perseguir Horácio Novaes. Demorou em Gameleira, mas, ali, se viu perseguido por
Júlio Pereira, por não querer trabalhar com ele em furtos de gado. Júlio
Pereira, com diversos homens, atacou-o no dia 12 de maio de 1926, mas não
conseguiu matá-lo.
Mundinho foi
para Olho D’água do Santo, em Brejo dos Santos, onde pediu a proteção do
coronel Joaquim Inácio de Lucena, conhecido por Quinco Chicote, prefeito
municipal, que prometeu acoitá-lo, dando-lhe uma casa. Depois de poucos dias,
em maio de 1926, o mesmo coronel Quinco Chicote mandou mata-lo por um grupo de
12 civis, que faziam parte João Chicote (João Gomes Sobrinho), filho do coronel
Manoel Inácio de Lucena (Manoel Chicote), então prefeito de Milagres, Antônio e
Pedro Gomes Granjeiro, Manoel Salgueiro e Ferrugem. Mundinho entrincheirou-se em casa e resistiu
ao ataque desde 10 horas da noite até 8 e meia da manhã seguinte, quando recebeu
duas balas na perna direita.
Além desses
ferimentos, a sua munição acabou-se, não podendo mais resistir. O primeiro a
entrar em sua casa foi o Manoel Salgueiro, a quem Mundinho comunicou que estava
ferido.
Minutos depois,
penetravam na casa mais três homens que queriam matar Mundinho, que apelou para
Manoel Salgueiro, mostrando que era covardia assassinar um homem ferido e sem
armas. Manoel Salgueiro ficou ao lado de Mundinho, não consentido que lhe
tirassem a vida. Ferrugem e os outros insistiram em dar cabo do ferido, mas Manoel
Salgueiro botou bala na agulha do rifle e tomou posição, disposto a defender a
vida do homem, que tinha ido matar. Ferrugem
e os outros homens não quiseram entrar em luta com Manoel Salgueiro, retirando-se
da casa resmungando.
Conduzido à
cidade, onde foi alvo da curiosidade dos antigos companheiros de infância, o
bandoleiro submeteu-se a uma dura operação efetuada por Dr. Caminha, que lhe
amputou a perna com facas e serrote de açougue. Após aquele martírio, Mundinho
solicitou um confessor. Padre Raimundo Nonato Pita ouviu-lhe por mais de uma
hora. Passados alguns meses, Mundinho foi posto em liberdade, seguindo para
Missão Velha, onde encontrou a proteção de Isaias Arruda, que lhe deu cama e
mesa. Passou a viver tranquilamente em
Missão Velha, mas, em agosto de 1928, quando menos esperava, foi preso e
removido para a Capital.
Já na Capital,
após ceder uma entrevista ao jornal “O Ceará” Mundinho fez um pedido, afirmando
ter muitos inimigos na Paraíba que desejavam sua remoção para aquele Estado, a
fim de assassiná-lo, e por esse motivo queria que intercessão junto ao Dr.
Secretário da Polícia e Segurança Pública a fim de conservá-lo preso no Ceará,
onde teria de responder por diversos crimes, inclusive a morte de João
Flandeiro, em Milagres, a mandado de José Inácio, e a morte de dois soldados da
polícia cearense.
Antes de
morrer, Mundinho concordou em narrar episódios de sua vida pregressa. Em dado
momento, quando se referia ao seu batismo de fogo no grupo de Sinhô Pereira
(combate da Carnaúba-Pajeú) o ex-bandido expandiu-se num pranto convulsivo sem
mais poder pronunciar uma só palavra.
De resto, sozinho
e alcoólatra inveterado, Raimundo Maximiano de Morais, veio a falecer na mais
negra miséria em 1955.
Bruno Yacub
Sampaio Cabral
A Munganga
Promoção Cultural
O Brejo é
Isso!
Fonte
bibliográfica:
Edição do jornal
“O Ceará”, 1° de setembro de 1928, págs. 6 e 7;
Esboço
Histórico do Município de Brejo Santo, Otacílio Anselmo e Silva, pág. 220,
revista Itaytera, Instituto Cultural do Cariri, N° 2, 1956;
Livro
Fanáticos e Cangaceiros, Abelardo Fernando Montenegro, edição 2011, pág. 355;
Informações do
pesquisador Sousa Neto, escritor do livro José Inácio do Barro e o Cangaço,
2011;
http://cariricangaco.blogspot.com/2018/12/a-explosiva-e-elucidativa-entrevista-do.html.
Enviado pelo autor Bruno Yacub
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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