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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

AINDA SOBRE O MEU AMIGO MONSTRO

Por Rangel Alves da Costa

Já contei essa história por aqui. E aqui novamente está por que me pediram para acrescentar algumas coisas sobre esse monstro amigo. E tal monstro, na verdade, pode e deve ser interpretado segundo o desejo de cada um. Monstro mesmo ou monstro interior. Mas vamos ao contexto.
Eu tenho um amigo monstro. Acreditem, pois monstro mesmo. Ele tem feição indefinida, às vezes aparece peludo, mais alto ou mais baixo, todo feio e desengonçado, coisa de espantar qualquer um que não fosse eu. Mas já estou acostumado com ele, tanto que se tornou meu amigo.
Qualquer outra pessoa teria muito medo desse monstro. E por ser um monstro mesmo. Bichão esquisito, assustador de arrepiar. Certamente faria correr quem o aviste inesperadamente. Os monstros povoam os pensamentos como a dizer que nos labirintos da existência existem coisas que nunca queremos encontrar, mas que de repente podemos avistar.
Sobre o meu amigo monstro, esclarecendo melhor. Tudo nasceu há muito tempo, durante a minha criancice e infância, quando diziam que se eu não dormisse o bicho-papão iria me pegar. Cantavam música falando do bicho-papão, a todo instante ameaçavam com a presença do tal bicho se eu deixasse de fazer isso ou aquilo.
Mas nunca tive medo daquele bicho-papão que tanto me lançavam como verdade. Muitas vezes, eu ficava acordado a noite inteira esperando sua aparição. E nada. Então fui criando um bicho-papão na minha imaginação. Com ele eu toda noite conversava, sorria e chorava, compartilhava minhas dúvidas da idade.
Fui crescendo e nunca mais me desapartei do bicho-papão. Eu sempre sentia a necessidade de sua presença, pois confiando nele muito mais que nas pessoas ao meu redor. E depois, já adulto, o bicho-papão foi se transformando noutro bicho, que achei por bem chamá-lo de monstro.
Então ainda hoje o monstro é meu cordial e sincero amigo. Entro no quarto, fecho a porta e logo o procuro. Ele me aconselha por que diz que me acompanha aonde eu vou e vê o que faço certo ou errado. Acho interessante essa preocupação, pois sei que muitos humanos e que se dizem amigos não estão nem aí. Mas com o monstro é diferente.
Outro dia, encontrei-o de olhos entristecidos, chorosos. Perguntei o que tinha acontecido e ele, cabisbaixo, respondeu: “Um dia já não estarei com você. E temo pelos outros monstros que estejam ao seu redor!”. Algo como um presságio, como uma despedida, mas a verdade é que no dia seguinte não o encontrei mais. Nunca mais retornou. Até que sonhei com ele me dando adeus e dizendo que tivesse muito cuidado.
Passei a ter mais cuidado sim, e por isso mesmo jamais o esquecerei. Sei que na vida existem muitos outros monstros. E monstros humanos de verdade. Mas ainda assim nem os detesto nem os temo. Aprendi com o meu amigo que nada deve ser acreditado apenas pela aparência ou pelo que dizem.
Meu amigo monstro era tão feio e desengonçado, tão amedrontador e temeroso, mas tão singelo e afetivo. Com ele aprendi que o monstro é aquilo que criamos em nossas mentes e aspirações. E que monstros realmente não existem na forma e no jeito que os demais apregoam, mas simplesmente na ideal de mal que tanto desejam que acreditemos.
Então criamos monstros e temos monstros por todo lugar. E a realidade não é bem assim. Existe outro lado que precisamos conhecer antes que espalhemos suas existências. Como num jardim não existem somente espinhos, bem assim na vida humana e seus labirintos.
Verdade é que nunca podemos fugir dos monstros. Monstros fantasiosos, ilusórios ou mesmo reis. Criamos monstros dentro de nós, convivemos com monstros a cada passo. Talvez até mesmo sejamos o monstro que tanto tememos. Não aceitamos o monstro, mas domando a nós mesmos, percebendo que tudo pode ser menos apavorante do que imaginamos, então será possível que passemos a nos gostar muito mais.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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