Seguidores

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A MORTE DE “BATISTÃO”

Por Sálvio Siqueira

(Pedro Baptista Rufino de Almeida, o “Batistão”, pai de Manoel Batista de Moraes, o futuro chefe cangaceiro Antônio Silvino)

Naquele tempo, época do ainda desbravamento do sertão nordestino em determinadas partes, as leis quase que não existiam nas poucas povoações existentes. E quando existiam, eram ‘feitas’ por aqueles que detinham um poder maior financeiramente perante a população. Se estivesse com ‘eles’, estariam protegidos. Não estando, a coisa pendia para um rumo cruel, sangrento e devastador.

Alguns que se destacavam pelo poder territorial passavam a serem procurados por algumas pessoas, moradoras destes e vizinhos de propriedades, para que resolvessem questões diversas. Essas questões eram sobre marcos em limites das propriedades, questões de ‘moças bulidas’, meias e terças de cereais, bebedouros d’água para seus animais e etc...

Cruz Cruzeiro no acesso à Fazenda Colônia

O dono da fazenda Colônia, sr. Pedro Baptista Rufino de Almeida, casado com a senhora Balbina Pereira de Moraes, foram pais de vários filhos de ambos os sexos. A fazenda Colônia está localizada no município de Carnaíba, próximo ao Distrito de Ibitiranga. Mesmo estando muito perto da divisa e cidade de Afogados da Ingazeira, o histórico acervo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, nos revela que jamais pertencera a essa cidade, tão pouco a cidade de Ingazeira. Ingazeira foi sede por vários anos e Afogados da Ingazeira foi povoado e Distrito. Com o desenvolvimento de Afogados da Ingazeira este passou a ser sede e aquele distrito. Hoje são dois municípios distintos.

Como sempre acontecia no sertão, os filhos seguiam os pais, desde tenra idade, nas obrigações diárias do dia a dia, assim como as filhas eram mais aprendizes na labuta diária como dona de casa.

Os filhos de Pedro Baptista eram Francisco, Manoel e Zeferino Baptista de Moraes. Francisco logo se casou e fez família a parte, já os outros dois continuaram a ajudar o pai nos afazeres da fazenda.

O sertão nordestino sempre foi acometido por fenômenos naturais cruéis, duros, secos e que trazem flagelos junto à comunidade. Alguns estudiosos referem que muito do banditismo rural surgira exatamente devido a essas grandes secas que de tempos em temos recaem sobre aquela região. Por ser uma microrregião com clima semiárido, os reservatórios das águas das chuvas temporárias sempre se fizeram necessário. Ou se faziam as barragens, os açudes, ou não se tinha condições de criar reses, animais e criações. Ao longo dos rios e riachos temporários aqui acolá se forma e ficam algumas poças d’água, cacimbas, que ajudavam, porém, de porte pequeno, não tinham condições de segurarem e acabarem com a sede dos animais de toda região circunvizinha nas estações de estiagem.

Pesquisador/poeta Edinaldo Leite em frente à sede da fazenda Colônia

A ordem e a lei na pequena Afogados da Ingazeira, naquele tempo, era regida a base de punho forte, obrigatória e temerosa sob o comando do coronel Luiz Antônio Chaves Campos. O coronel Chaves procurava manter toda a população da região submetida as suas determinações. Quando encontrava alguém que não queria submeter-se, ‘arrumava’ um jeito de dobrar aquele adversário, ameaçando-o, incriminando-o, mandando dar-lhe uma pisa ou mesmo mandando mata-lo. Sempre encontrava um jeito, maneira, de acabar com aquela adversidade. O pior é que não fora só o coronel Chaves nem tão pouco Afogados da Ingazeira que sofreram esse tipo de imposição à força, mas todo o interior da Região Nordeste, não deixando de ser, também, o Vale do Pajeú das Flores. Pois bem, o coronel Chaves encontrou em Pedro Baptista, que tinha a alcunha de “Batistão”, um adversário valente, destemido e que jamais passou a cumprir com suas ‘ordens’, principalmente as políticas e o pior, tinha uma propriedade que se limitava com a fazenda Colônia, de ‘Batistão”.

Ao passar do tempo, gerou-se grande inimizade entre os dois devido, exatamente, a um bebedouro situado no limite das duas propriedades. Gustavo Barroso, em seu livro “Almas de Lama e de Aço”, assim nos descreve o início da contenda, desentendimento, gerida entre os dois:

“Tendo discutido com Chaves, que possuía uma fazenda encostada à sua, por causa do assentamento de um bebedouro para o gado, encarregaram-se as intrigas de envenenar essa pequena e naturalíssima divergência entre vizinhos, numa região onde as terras são mal determinadas, havendo sempre dúvidas quanto a sua posse e limites. A política se intrometeu no caso e azedou os ânimos. O bebedouro era imprescindível para Batistão, pois no sertão ressequido as boas águas são difíceis. Se o seu gado não pudesse beber no lugar que escolhera, somente encontraria uma aguada dali a duas léguas. Insistiu, portanto, em manter o bebedouro. O Dr. Chaves mandou desmanchá-lo. Declarou-se a guerra.”

A partir daquele momento, o coronel Chaves passou a procurar uma maneira de desmoralizar seu desafeto, prende-lo ou mesmo mata-lo.

Outro vizinho da fazenda Colônia, o sr. José Ramos da Silva, também tinha desavenças com Pedro Baptista. José Ramos tinha um filho chamado Desidério Ramos que, ao ficar sabendo do desentendimento entre o coronel e Batistão, procurou o primeiro e ofereceu seus serviços os quais o manda chuva de Afogados da Ingazeira aceitou prontamente.
Sérgio Dantas, em seu livro “Antônio Silvino – O cangaceiro, O Homem, O Mito”, assim nos mostra como Desidério ofereceu seu ‘trabalho’ ao coronel Luiz Antônio Chaves Campos de Afogados da Ingazeira:

“Desidério Ramos – filho de José Ramos da Silva, também figadal inimigo de Batistão – procurou o coronel e ofereceu-lhe graciosamente seus serviços.

Em pouco, abjeto plano foi traçado por Desidério, José Ramos e o próprio Antônio Chaves. A ordem deste último não deixava margem a dúvidas: “- Se Batistão reagir, é para atirar e matar!”.”

Sálvio Siqueira em frente àsede da Fazenda Colônia

Coragem não faltava a Desidério e outros da região, porém, havia o empecilho do ‘comandante da região’ de como reagiria ao concluírem o fato de matar o inimigo. Com a desavença entre o coronel Chaves e Pedro Batista, para “os Ramos”, foi mesmo que a mosca cair no mel. Nada mais natural do que prestar esse tipo de ‘serviço’ estando protegido pelo todo-poderoso local. Seriam dois coelhos mortos com um só tiro: resolveriam o seu problema particular e, ao mesmo tempo, o do coronel que lhes davam proteção. Então, mãos a obra...

Sabedores de que Batistão vinha todas as feiras livres em Afogados da Ingazeira, sempre andava sozinho, era desassombrado, não tinha medo de nada, inclusive escapou de várias emboscadas feitas por seus inimigos, o plano seria de que, encontrando-o no meio da multidão de feirantes, dando-lhe voz de prisão, seria mais difícil uma reação por parte dele.


O dia 3 de janeiro de 1897 foi o escolhido para colocar o plano em ação, devido tratar-se de um dia de feira em Afogados da Ingazeira. Manoel Ramos, irmão de Desidérios Ramos, era, na ocasião, Delegado de Polícia e, juntamente com Desidério e alguns militares, vão à feira procurar por Pedro Baptista Rufino de Almeida e prende-lo. Devido à estatura do procurado não foi difícil localizar aonde se encontrava. Chegaram o cercaram e lhe deram voz de prisão.

Ao ouvir a ordem dada, Batistão, sem assombro algum, pergunta aos militares de que estava sendo acusado. Não obteve resposta, mesmo por que não houve tempo. Desídério, sem medo nenhum do inimigo a sua frente, parte para pegá-lo e amarra-lo. Também não chega a prender o mesmo, pois, nesse momento vão as armas e um tiroteio se forma rapidamente aonde o dono da Fazenda Colônia cai sem vida no solo empoeirado daquela cidade.

O autor Sergio Augusto de Souza Dantas, na obra referida, descreveu:

“À sombra de toldas de chita ou de brim grosso, mercadorias restaram abandonadas. Estivas, carnes, cereais e peças de couro atiradas ao chão. Em pouco, curiosos cercaram o cadáver, desde logo reconhecido. Parecia mentira, porém “Batistão” estava morto. O corpanzil caído, envolto em grotesca nódoa de sangue misturado ao barro. Da boca aberta vertia tênue filete rubro.”

Alguém corre a fazenda Colônia e leva a triste notícia aos filhos de Pedro Baptista. Seus filhos Francisco, Manoel e Zeferino correm até a cidade e não se conformam com seu genitor morto. Cumprem o doloroso compromisso de transportar o corpo do pai e velá-lo na fazenda, enterrando-o no dia 4 de janeiro daquele ano.

A dor cortante, as lágrimas teimando em cair dos olhos, a família arrasada pelo assassinato do genitor, marido e patrão. Porém, dor maior daqui a pouco viria para abrasar mais ainda o fogo do desgosto que queimava dentro do corpo dos filhos.

Na noite do dia 4 de janeiro de 1897, algumas pessoas da família Ramos, embriagados e tomando muita aguardente, invadem as terras da fazenda Colônia, adentram no cemitério e começam a profanar a cova recém-fechada onde estava o corpo de Pedro Baptista. Aquela afronta, aquela desconsideração, aquela profanação era maior do que saber quem era o assassino do pai. “À noite, membros da família Ramos romperam as cercas da Colônia e se dirigiram à necrópole familiar. Realizaram uma “festa” em cima da cova de Batistão. Um deles gritava em direção à casa da fazenda:

- “Aqui se plantou uma semente tão ruim que jamais vai nascer!”.” (SD. 2012)

Aí não tem passividade que não acabe. Não tem raiva nem valentia que não aflore, mesmo porque todo ser humano as possui dentro de si. E foi o que aconteceu com Manoel Baptista de Moraes. A ira veio à tona e ele pegou um rifle municiado e um bornal com farta munição, chegou próximo aos ‘baderneiros de túmulo’ e abriu fogo. Sozinho, porém, com uma valentia imensa, maneja a alavanca do 44 com destreza, rapidez e boa pontaria, ponto fim a vida de três pessoas daquelas que estavam festejar sobre o túmulo de seu pai. Os restantes correm de mata adentro mesmo sendo noite fechada. Em pouco tempo a lua surge no horizonte, dando para identificar dois dos três mortos. “A luta cessou em pouco. No terreno do cemitério, os três cadáveres de João Rosa, Manoel Cabeceira e um terceiro não identificado, todos ligados a Desidério Ramos.” (MOURA, 1979, P. 136/137).

Daí pra frente o jovem Manoel Baptista entra na trilha escura e sangrenta do cangaço. Mas, será um outro fato histórico que contaremos em outra oportunidade.

Fonte:

“Antônio Silvino – O Cangaceiro, O Homem, O Mito” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 2ª edição, 2012.
“Almas de Lama e de Aço” – BARROSO, Gustavo. 1930.
“História de Frei Miguelino: O Bandoleiro, A Fonte e o Frade” – MOURA, Severino Rodrigues de. 1983.
Fotos
Sálvio Siqueira
“Antônio Silvino – O Cangaceiro, O Homem, O Mito” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 2ª edição, 2012.


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário