Por Sálvio Siqueira
(Pedro
Baptista Rufino de Almeida, o “Batistão”, pai de Manoel Batista de Moraes, o
futuro chefe cangaceiro Antônio Silvino)
Naquele tempo,
época do ainda desbravamento do sertão nordestino em determinadas partes, as
leis quase que não existiam nas poucas povoações existentes. E quando existiam,
eram ‘feitas’ por aqueles que detinham um poder maior financeiramente perante a
população. Se estivesse com ‘eles’, estariam protegidos. Não estando, a coisa
pendia para um rumo cruel, sangrento e devastador.
Alguns que se
destacavam pelo poder territorial passavam a serem procurados por algumas
pessoas, moradoras destes e vizinhos de propriedades, para que resolvessem
questões diversas. Essas questões eram sobre marcos em limites das
propriedades, questões de ‘moças bulidas’, meias e terças de cereais,
bebedouros d’água para seus animais e etc...
Cruz Cruzeiro no acesso à Fazenda Colônia
O dono da
fazenda Colônia, sr. Pedro Baptista Rufino de Almeida, casado com a senhora
Balbina Pereira de Moraes, foram pais de vários filhos de ambos os sexos. A
fazenda Colônia está localizada no município de Carnaíba, próximo ao Distrito
de Ibitiranga. Mesmo estando muito perto da divisa e cidade de Afogados da
Ingazeira, o histórico acervo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, IBGE, nos revela que jamais pertencera a essa cidade, tão pouco a
cidade de Ingazeira. Ingazeira foi sede por vários anos e Afogados da Ingazeira
foi povoado e Distrito. Com o desenvolvimento de Afogados da Ingazeira este
passou a ser sede e aquele distrito. Hoje são dois municípios distintos.
Como sempre
acontecia no sertão, os filhos seguiam os pais, desde tenra idade, nas
obrigações diárias do dia a dia, assim como as filhas eram mais aprendizes na
labuta diária como dona de casa.
Os filhos de
Pedro Baptista eram Francisco, Manoel e Zeferino Baptista de Moraes. Francisco
logo se casou e fez família a parte, já os outros dois continuaram a ajudar o
pai nos afazeres da fazenda.
O sertão
nordestino sempre foi acometido por fenômenos naturais cruéis, duros, secos e
que trazem flagelos junto à comunidade. Alguns estudiosos referem que muito do
banditismo rural surgira exatamente devido a essas grandes secas que de tempos
em temos recaem sobre aquela região. Por ser uma microrregião com clima
semiárido, os reservatórios das águas das chuvas temporárias sempre se fizeram
necessário. Ou se faziam as barragens, os açudes, ou não se tinha condições de
criar reses, animais e criações. Ao longo dos rios e riachos temporários aqui
acolá se forma e ficam algumas poças d’água, cacimbas, que ajudavam, porém, de
porte pequeno, não tinham condições de segurarem e acabarem com a sede dos
animais de toda região circunvizinha nas estações de estiagem.
Pesquisador/poeta Edinaldo Leite em frente à sede da fazenda Colônia
A ordem e a
lei na pequena Afogados da Ingazeira, naquele tempo, era regida a base de punho
forte, obrigatória e temerosa sob o comando do coronel Luiz Antônio Chaves
Campos. O coronel Chaves procurava manter toda a população da região submetida
as suas determinações. Quando encontrava alguém que não queria submeter-se,
‘arrumava’ um jeito de dobrar aquele adversário, ameaçando-o, incriminando-o,
mandando dar-lhe uma pisa ou mesmo mandando mata-lo. Sempre encontrava um
jeito, maneira, de acabar com aquela adversidade. O pior é que não fora só o
coronel Chaves nem tão pouco Afogados da Ingazeira que sofreram esse tipo de
imposição à força, mas todo o interior da Região Nordeste, não deixando de ser,
também, o Vale do Pajeú das Flores. Pois bem, o coronel Chaves encontrou em
Pedro Baptista, que tinha a alcunha de “Batistão”, um adversário valente,
destemido e que jamais passou a cumprir com suas ‘ordens’, principalmente as
políticas e o pior, tinha uma propriedade que se limitava com a fazenda
Colônia, de ‘Batistão”.
Ao passar do
tempo, gerou-se grande inimizade entre os dois devido, exatamente, a um
bebedouro situado no limite das duas propriedades. Gustavo Barroso, em seu
livro “Almas de Lama e de Aço”, assim nos descreve o início da contenda,
desentendimento, gerida entre os dois:
“Tendo
discutido com Chaves, que possuía uma fazenda encostada à sua, por causa do
assentamento de um bebedouro para o gado, encarregaram-se as intrigas de
envenenar essa pequena e naturalíssima divergência entre vizinhos, numa região
onde as terras são mal determinadas, havendo sempre dúvidas quanto a sua posse
e limites. A política se intrometeu no caso e azedou os ânimos. O bebedouro era
imprescindível para Batistão, pois no sertão ressequido as boas águas são difíceis.
Se o seu gado não pudesse beber no lugar que escolhera, somente encontraria uma
aguada dali a duas léguas. Insistiu, portanto, em manter o bebedouro. O Dr.
Chaves mandou desmanchá-lo. Declarou-se a guerra.”
A partir
daquele momento, o coronel Chaves passou a procurar uma maneira de desmoralizar
seu desafeto, prende-lo ou mesmo mata-lo.
Outro vizinho
da fazenda Colônia, o sr. José Ramos da Silva, também tinha desavenças com
Pedro Baptista. José Ramos tinha um filho chamado Desidério Ramos que, ao ficar
sabendo do desentendimento entre o coronel e Batistão, procurou o primeiro e
ofereceu seus serviços os quais o manda chuva de Afogados da Ingazeira aceitou
prontamente.
Sérgio Dantas,
em seu livro “Antônio Silvino – O cangaceiro, O Homem, O Mito”, assim nos
mostra como Desidério ofereceu seu ‘trabalho’ ao coronel Luiz Antônio Chaves
Campos de Afogados da Ingazeira:
“Desidério
Ramos – filho de José Ramos da Silva, também figadal inimigo de Batistão –
procurou o coronel e ofereceu-lhe graciosamente seus serviços.
Em pouco,
abjeto plano foi traçado por Desidério, José Ramos e o próprio Antônio Chaves.
A ordem deste último não deixava margem a dúvidas: “- Se Batistão reagir, é
para atirar e matar!”.”
Sálvio Siqueira em frente àsede da Fazenda Colônia
Coragem não
faltava a Desidério e outros da região, porém, havia o empecilho do ‘comandante
da região’ de como reagiria ao concluírem o fato de matar o inimigo. Com a
desavença entre o coronel Chaves e Pedro Batista, para “os Ramos”, foi mesmo
que a mosca cair no mel. Nada mais natural do que prestar esse tipo de
‘serviço’ estando protegido pelo todo-poderoso local. Seriam dois coelhos
mortos com um só tiro: resolveriam o seu problema particular e, ao mesmo tempo,
o do coronel que lhes davam proteção. Então, mãos a obra...
Sabedores de
que Batistão vinha todas as feiras livres em Afogados da Ingazeira, sempre
andava sozinho, era desassombrado, não tinha medo de nada, inclusive escapou de
várias emboscadas feitas por seus inimigos, o plano seria de que, encontrando-o
no meio da multidão de feirantes, dando-lhe voz de prisão, seria mais difícil
uma reação por parte dele.
O dia 3 de
janeiro de 1897 foi o escolhido para colocar o plano em ação, devido tratar-se
de um dia de feira em Afogados da Ingazeira. Manoel Ramos, irmão de Desidérios
Ramos, era, na ocasião, Delegado de Polícia e, juntamente com Desidério e
alguns militares, vão à feira procurar por Pedro Baptista Rufino de Almeida e
prende-lo. Devido à estatura do procurado não foi difícil localizar aonde se
encontrava. Chegaram o cercaram e lhe deram voz de prisão.
Ao ouvir a
ordem dada, Batistão, sem assombro algum, pergunta aos militares de que estava
sendo acusado. Não obteve resposta, mesmo por que não houve tempo. Desídério,
sem medo nenhum do inimigo a sua frente, parte para pegá-lo e amarra-lo. Também
não chega a prender o mesmo, pois, nesse momento vão as armas e um tiroteio se
forma rapidamente aonde o dono da Fazenda Colônia cai sem vida no solo
empoeirado daquela cidade.
O autor Sergio
Augusto de Souza Dantas, na obra referida, descreveu:
“À sombra de
toldas de chita ou de brim grosso, mercadorias restaram abandonadas. Estivas,
carnes, cereais e peças de couro atiradas ao chão. Em pouco, curiosos cercaram
o cadáver, desde logo reconhecido. Parecia mentira, porém “Batistão” estava
morto. O corpanzil caído, envolto em grotesca nódoa de sangue misturado ao
barro. Da boca aberta vertia tênue filete rubro.”
Alguém corre a
fazenda Colônia e leva a triste notícia aos filhos de Pedro Baptista. Seus
filhos Francisco, Manoel e Zeferino correm até a cidade e não se conformam com
seu genitor morto. Cumprem o doloroso compromisso de transportar o corpo do pai
e velá-lo na fazenda, enterrando-o no dia 4 de janeiro daquele ano.
A dor
cortante, as lágrimas teimando em cair dos olhos, a família arrasada pelo
assassinato do genitor, marido e patrão. Porém, dor maior daqui a pouco viria
para abrasar mais ainda o fogo do desgosto que queimava dentro do corpo dos
filhos.
Na noite do
dia 4 de janeiro de 1897, algumas pessoas da família Ramos, embriagados e
tomando muita aguardente, invadem as terras da fazenda Colônia, adentram no
cemitério e começam a profanar a cova recém-fechada onde estava o corpo de
Pedro Baptista. Aquela afronta, aquela desconsideração, aquela profanação era
maior do que saber quem era o assassino do pai. “À noite, membros da família
Ramos romperam as cercas da Colônia e se dirigiram à necrópole familiar.
Realizaram uma “festa” em cima da cova de Batistão. Um deles gritava em direção
à casa da fazenda:
- “Aqui se
plantou uma semente tão ruim que jamais vai nascer!”.” (SD. 2012)
Aí não tem
passividade que não acabe. Não tem raiva nem valentia que não aflore, mesmo
porque todo ser humano as possui dentro de si. E foi o que aconteceu com Manoel
Baptista de Moraes. A ira veio à tona e ele pegou um rifle municiado e um
bornal com farta munição, chegou próximo aos ‘baderneiros de túmulo’ e abriu
fogo. Sozinho, porém, com uma valentia imensa, maneja a alavanca do 44 com
destreza, rapidez e boa pontaria, ponto fim a vida de três pessoas daquelas que
estavam festejar sobre o túmulo de seu pai. Os restantes correm de mata adentro
mesmo sendo noite fechada. Em pouco tempo a lua surge no horizonte, dando para
identificar dois dos três mortos. “A luta cessou em pouco. No terreno do
cemitério, os três cadáveres de João Rosa, Manoel Cabeceira e um terceiro não
identificado, todos ligados a Desidério Ramos.” (MOURA, 1979, P. 136/137).
Daí pra frente
o jovem Manoel Baptista entra na trilha escura e sangrenta do cangaço. Mas,
será um outro fato histórico que contaremos em outra oportunidade.
Fonte:
“Antônio
Silvino – O Cangaceiro, O Homem, O Mito” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 2ª
edição, 2012.
“Almas de Lama
e de Aço” – BARROSO, Gustavo. 1930.
“História de
Frei Miguelino: O Bandoleiro, A Fonte e o Frade” – MOURA, Severino Rodrigues
de. 1983.
Fotos
Sálvio
Siqueira
“Antônio
Silvino – O Cangaceiro, O Homem, O Mito” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 2ª
edição, 2012.
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