Por José Mendes Pereira
Sem citar nomes
de famílias valentes e nem das cidades que passaram por isso, aqui bem perto de
Mossoró, no Rio Grande do Norte, em municípios diferentes, 4 famílias muito se desentenderam
e a intranquilidade reinou por muitos
anos, quando família matava membro da outra família. E o mais interessante, de
geração a geração, vingando a morte de pessoas do seu rebanho que outra tinha
matado. Mas elas não chegaram nem a metade do que fizeram os Ferreiras.
Um dia no
sertão do velho e sofrido nordeste brasileiro lá em Vila Bella (nos dias de
hoje, Serra Talhada) no Estado de Pernambuco, duas famílias vizinhas e amigas
se tornaram inimigas. De um lado o proprietário da Fazenda Pedreira José Alves
de Barros o famoso José Saturnino, homem que não gostava de baixar a cabeça
para ninguém, e no seu entender, não tinha motivos para isso, porque alegava a
desavença criada pela outra família. Do outro lado os vingativos irmãos Ferreiras:
Antonio, Livino e principalmente a velha raposa Virgolino Ferreira da Silva um rapaz jovem dono de uma timidez e de
comportamento excepcional, mas de repente mudou o pensamento adverso contrariando
os camponeses da época que não acreditavam no que o Virgolino vinha mostrando a
sua coragem.
Virgolino ainda
não era alcunhado de Lampião porque isso começou no ano de 1916, e ele só
passou a ser Lampião a partir do ano de 1922, e 4 anos depois se tornou capitão
Lampião, patente recebida no Juazeiro do Norte no Estado do Ceará, em março de 1926, entregue
pelo padre Cícero Romão Batista a mando do deputado federal Floro Bartolomeu.
Os Ferreiras eram
filhos de um homem de boa conduta e amável à tranquilidade, principalmente a
liberdade, isso sim, era o seu desejo, viver harmoniosamente com os seus
vizinhos de propriedades, compadres e amigos. Andar despreocupado de dia e de
noite sem ser perseguido, incomodado, amado e respeitado por todos. Mas os filhos não
quiseram que o velho pai vivesse na tranquilidade e criaram um mundo infernal e
difícil, marcharam em busca do desassossego, tanto para eles como para os
pais e irmãos.
Existe um
comentário na literatura lampiônica que o ódio e a valentia dos Ferreiras vinham
da mãe dona Maria Sulena da Purificação, porque, enquanto o José Ferreira desarmava os seus filhos na porta da frente ela os armava na porta de traz, e ainda dizia publicamente que não tinha tido filho para ser desmoralizado,
e nem para ficar no caritó.
“O que é ficar
no caritó: Expressão popular usada para a moça quando não casa. O mesmo
que ¨ficar na prateleira¨ ou ¨ficar pra titia ... “.
Os irmãos
Ferreiras se tornaram feras a partir de 1916, quando o sumiço de bodes do seu rebanho
começou, e passaram a ser espiões para descobrirem quem estava subtraindo os
seus animais.
Certo dia, Virgolino
e o Livino entraram na casa de um morador do Zé Saturnino na Fazenda Pedreira, e
vendo peles de bodes por lar, e ao conferirem as marcas nas orelhas, perceberam
que se tratava dos animais que vinham desaparecendo da fazenda do pai, e
resolveram participar ao fazendeiro o que o seu morador estava praticando em
sua propriedade. E assim fizeram. Falaram com o Zé Saturnino pedindo
providências sobre o que estava acontecendo em sua fazenda, afirmando que o morador
escondia peles dos animais do seu chiqueiro.
Zé Saturnino não aceitou as
acusações contra o morador e não sendo apoiados por ele os manos se transformaram em feras humanas e difíceis
de serem dominadas, e a partir daí, as portas do inferno foram abertas para as
duas famílias se reunirem no seu tribunal. O furto de bodes deixou duas
famílias de salto alto, cada uma se sentindo como a verdadeira vítima, quando
as duas eram cúmplices uma da outra.
Não tenho autoridade
para com o cangaço e muito menos sobre o José Saturnino, mas se através dos
Ferreiras ele tomou conhecimento que um dos seus moradores vinha praticando
roubos de criações do seu morador, como também ele seria desonesto com os animais
do outro fazendeiro.
Segundo o que
tenho lido o roubo de bodes feito pelo morador do Zé Saturnino foi comprovado
por um inspetor de quarteirão que era bastante violento e autoritário, sendo este compadre e amicíssimo do José Ferreira, que não se sentiu seguro
em prender o ladrão, apenas delegou impiedosos castigos. Mas a partir daí, tudo
se transformou em conflitos nas duas famílias.
O Zé Saturnino
e o José Ferreira eram amigos e se davam muito bem, eram compadres, respeitavam-se
entre si, bons e pacíficos vizinhos. Mas os filhos não obedeceram o que
ensinara o pai, e como não suportaram os roubos dos seus animais e nem Zé
Saturnino aceitou a acusação apontada pelos manos, e de repente, as duas
famílias criaram uma intriga. Agora
seria muito difícil de ser resolvida, porque nenhuma estava apta a baixar a
cabeça para a outra e pedir desculpas. Cada família tinha no peito o ódio e vontade de vingança, e não demorou
muito para ser iniciado tiroteios e emboscadas, manchando de sangue escarlate a
pequena região que os viu nascerem naquele sertão desprotegido de autoridade governamental.
Sentindo-se
desmoralizado e decepcionado com os Ferreiras pela acusação que lhe era apontada, e como
vingança, Zé Saturnino passou a mutilar os seus animais que na sua propriedade
entravam para ruminarem, cortando os tendões das suas patas, e assim, os viventes
não tinham mais condições de se desloc, e o resultado era a morte. E vendo as suas
criações mutiladas os Ferreiras não tiveram outra solução, e passaram a agredir
o velho fazendeiro em sua própria residência com ataques violentos usando o
poder das armas. Os Ferreira
achavam que se de lá pra cá vinham 4 pedras jogadas pelo fazendeiro Zé
Saturnino, daqui pra lá não podia ir menos do que oito, isto é, respondiam ao
velho ao dobro, e eles achavam que era isso o que o fazendeiro merecia.
Lampião não era
qualquer um, era um homem de gênio forte não só forte como fortíssimo, e aquele
que tentasse vencê-lo seria impossível sair vitorioso, porque no seu “eu”
reinava a maldade, a vontade de matar, de vencer os seus desafetos, de
estrangular, de derramar sangue, só assim servia de exemplo para outros que
poderiam se juntar ao grupo do Zé Saturnino e tentarem vencer os Ferreiras, e
não temia de forma alguma o que os seus inimigos preparavam para ele.
Lampião era um
homem destemido. Quando não gostava de alguém era fácil transformar o seu ódio
em forte desavença, e não era preciso que o sujeito fosse o principal causador
da desavença, porque ele mesmo passava a cutucá-lo, até que a ira do outro nascesse.
Uma intriga de alguém com ele só o fazia ficar mais famoso, assim achava ele, e
isso era o que mais queria.
A fama para Virgolino era como se estivesse
recebendo um valioso e cobiçado troféu, queria ser o rei, ou sendo uma
autoridade qualquer, vista pelos sertanejos de sua jurisdição e reconhecido
como um homem valente. Era o seu orgulho, e que todos aqueles que,
acanhadamente o viam, apertavam-lhe a sua mão, mas com cuidado para não machucar
alguns calos do futuro rei e capitão do cangaço, porque, poderia surgir um
ódio, e desse ódio, uma morte sem demora e sem motivo, uma surra de chicote com
três pernas, ou ainda uma punhalada enfiada na clavícula rasgando coração e
fígado do indivíduo até o lugar que o punhal alcançasse.
Lampião era o
Lampião de Vila Bella, das queimadas em currais, das mortes de gado e criações
miúdas, das destruições de casas e roçados... Lampião não era um homem que o
sujeito pudesse confiar. Rir alto diante dele, gargalhando, ele poderia
interpretar aquele gargalho como uma maneira de criticá-lo. Aí a coisa pegava mesmo.
Que todos tivessem
cuidado com o Lampião. Quem gosta de cheirar todo tipo de flor geralmente se
atrapalha, recebe o que não espera. Cuidado com o amigo Lampião.
Após o surgimento destas rixas o mundo de Virgolino ficou do jeito que ele queria. Ser famoso, conhecido como um homem sem medo, perseguidor, amado, odiado, sanguinário perverso, cobrador de justiça quando ele mesmo errava mais do que o que acertava.
A partir disto Virgolino Ferreira da Silva criou o seu próprio personagem com o nome de Lampião, capitão ou ainda o rei do cangaço.
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