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quinta-feira, 21 de novembro de 2019

VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA E O SEU INIMIGO Nº. 1 ZÉ SATURNINO

Por José Mendes Pereira

Sem citar nomes de famílias valentes e nem das cidades que passaram por isso, aqui bem perto de Mossoró, no Rio Grande do Norte, em municípios diferentes, 4 famílias muito se desentenderam  e a intranquilidade reinou por muitos anos, quando família matava membro da outra família. E o mais interessante, de geração a geração, vingando a morte de pessoas do seu rebanho que outra tinha matado. Mas elas não chegaram nem a metade do que fizeram os Ferreiras.

Um dia no sertão do velho e sofrido nordeste brasileiro lá em Vila Bella (nos dias de hoje, Serra Talhada) no Estado de Pernambuco, duas famílias vizinhas e amigas se tornaram inimigas. De um lado o proprietário da Fazenda Pedreira José Alves de Barros o famoso José Saturnino, homem que não gostava de baixar a cabeça para ninguém, e no seu entender, não tinha motivos para isso, porque alegava a desavença criada pela outra família. Do outro lado os vingativos irmãos Ferreiras: Antonio, Livino e principalmente a velha raposa Virgolino Ferreira da Silva um rapaz jovem dono de uma timidez e de comportamento excepcional, mas de repente mudou o pensamento adverso contrariando os camponeses da época que não acreditavam no que o Virgolino vinha mostrando a sua coragem.

Virgolino ainda não era alcunhado de Lampião porque isso começou no ano de 1916, e ele só passou a ser Lampião a partir do ano de 1922, e 4 anos depois se tornou capitão Lampião, patente recebida no Juazeiro do Norte no Estado do Ceará, em março de 1926, entregue pelo padre Cícero Romão Batista a mando do deputado federal Floro Bartolomeu.

Os Ferreiras eram filhos de um homem de boa conduta e amável à tranquilidade, principalmente a liberdade, isso sim, era o seu desejo, viver harmoniosamente com os seus vizinhos de propriedades, compadres e amigos. Andar despreocupado de dia e de noite sem ser perseguido, incomodado, amado e respeitado por  todos. Mas os filhos não quiseram que o velho pai vivesse na tranquilidade e criaram um mundo infernal e difícil, marcharam em busca do desassossego, tanto para eles como para os pais e irmãos.

Existe um comentário na literatura lampiônica que o ódio e a valentia dos Ferreiras vinham da mãe dona Maria Sulena da Purificação, porque, enquanto o José Ferreira desarmava os seus filhos na porta da frente ela os armava na porta de traz, e ainda dizia publicamente que não tinha tido filho para ser desmoralizado, e nem para ficar no caritó.

“O que é ficar no caritó: Expressão popular usada para a moça quando não casa. O mesmo que ¨ficar na prateleira¨ ou ¨ficar pra titia ... “.

Os irmãos Ferreiras se tornaram feras a partir de 1916, quando o sumiço de bodes do seu rebanho começou, e passaram a ser espiões para descobrirem quem estava subtraindo os seus animais.

Certo dia, Virgolino e o Livino entraram na casa de um morador do Zé Saturnino na Fazenda Pedreira, e vendo peles de bodes por lar, e ao conferirem as marcas nas orelhas, perceberam que se tratava dos animais que vinham desaparecendo da fazenda do pai, e resolveram participar ao fazendeiro o que o seu morador estava praticando em sua propriedade. E assim fizeram. Falaram com o Zé Saturnino pedindo providências sobre o que estava acontecendo em sua fazenda, afirmando que o morador escondia peles dos animais do seu chiqueiro. 

Zé Saturnino não aceitou as acusações contra o morador e não sendo apoiados por ele os manos  se transformaram em feras humanas e difíceis de serem dominadas, e a partir daí, as portas do inferno foram abertas para as duas famílias se reunirem no seu tribunal. O furto de bodes deixou duas famílias de salto alto, cada uma se sentindo como a verdadeira vítima, quando as duas eram cúmplices uma da outra.

Não tenho autoridade para com o cangaço e muito menos sobre o José Saturnino, mas se através dos Ferreiras ele tomou conhecimento que um dos seus moradores vinha praticando roubos de criações do seu morador, como também ele seria desonesto com os animais do outro fazendeiro.

Segundo o que tenho lido o roubo de bodes feito pelo morador do Zé Saturnino foi comprovado por um inspetor de quarteirão que era bastante violento e autoritário, sendo este compadre e amicíssimo do José Ferreira, que não se sentiu seguro em prender o ladrão, apenas delegou impiedosos castigos. Mas a partir daí, tudo se transformou em conflitos nas duas famílias.

O Zé Saturnino e o José Ferreira eram amigos e se davam muito bem, eram compadres, respeitavam-se entre si, bons e pacíficos vizinhos. Mas os filhos não obedeceram o que ensinara o pai, e como não suportaram os roubos dos seus animais e nem Zé Saturnino aceitou a acusação apontada pelos manos, e de repente, as duas famílias criaram uma intriga.  Agora seria muito difícil de ser resolvida, porque nenhuma estava apta a baixar a cabeça para a outra e pedir desculpas. Cada família tinha no peito  o ódio e vontade de vingança, e não demorou muito para ser iniciado tiroteios e emboscadas, manchando de sangue escarlate a pequena região que os viu nascerem naquele sertão desprotegido de autoridade governamental.

Sentindo-se desmoralizado e decepcionado com os Ferreiras pela acusação que lhe era apontada, e como vingança, Zé Saturnino passou a mutilar os seus animais que na sua propriedade entravam para ruminarem, cortando os tendões das suas patas, e assim, os viventes não tinham mais condições de se desloc, e o resultado era a morte. E vendo as suas criações mutiladas os Ferreiras não tiveram outra solução, e passaram a agredir o velho fazendeiro em sua própria residência com ataques violentos usando o poder das armas. Os Ferreira achavam que se de lá pra cá vinham 4 pedras jogadas pelo fazendeiro Zé Saturnino, daqui pra lá não podia ir menos do que oito, isto é, respondiam ao velho ao dobro, e eles achavam que era isso o que o fazendeiro merecia. 

Lampião não era qualquer um, era um homem de gênio forte não só forte como fortíssimo, e aquele que tentasse vencê-lo seria impossível sair vitorioso, porque no seu “eu” reinava a maldade, a vontade de matar, de vencer os seus desafetos, de estrangular, de derramar sangue, só assim servia de exemplo para outros que poderiam se juntar ao grupo do Zé Saturnino e tentarem vencer os Ferreiras, e não temia de forma alguma o que os seus inimigos preparavam para ele.

Lampião era um homem destemido. Quando não gostava de alguém era fácil transformar o seu ódio em forte desavença, e não era preciso que o sujeito fosse o principal causador da desavença, porque ele mesmo passava a cutucá-lo, até que a ira do outro nascesse. Uma intriga de alguém com ele só o fazia ficar mais famoso, assim achava ele, e isso era o que mais queria. 

A fama para Virgolino era como se estivesse recebendo um valioso e cobiçado troféu, queria ser o rei, ou sendo uma autoridade qualquer, vista pelos sertanejos de sua jurisdição e reconhecido como um homem valente. Era o seu orgulho, e que todos aqueles que, acanhadamente o viam, apertavam-lhe a sua mão, mas com cuidado para não machucar alguns calos do futuro rei e capitão do cangaço, porque, poderia surgir um ódio, e desse ódio, uma morte sem demora e sem motivo, uma surra de chicote com três pernas, ou ainda uma punhalada enfiada na clavícula rasgando coração e fígado do indivíduo até o lugar que o punhal alcançasse.

Lampião era o Lampião de Vila Bella, das queimadas em currais, das mortes de gado e criações miúdas, das destruições de casas e roçados... Lampião não era um homem que o sujeito pudesse confiar. Rir alto diante dele, gargalhando, ele poderia interpretar aquele gargalho como uma maneira de criticá-lo. Aí a coisa pegava mesmo.

Que todos tivessem cuidado com o Lampião. Quem gosta de cheirar todo tipo de flor geralmente se atrapalha, recebe o que não espera. Cuidado com o amigo Lampião.

Após o surgimento destas rixas o mundo de Virgolino ficou do jeito que ele queria. Ser famoso, conhecido como um homem sem medo, perseguidor, amado, odiado, sanguinário perverso, cobrador de justiça quando ele mesmo errava mais do que o que acertava. 

A partir disto Virgolino Ferreira da Silva criou o seu próprio personagem com o nome de Lampião, capitão ou ainda o rei do cangaço.

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