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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

OS FERREIRAS DEIXAM O SERTÃO DO PAJEÚ

Por Luiz Lorena

Trecho da palestra pronunciada sobre Virgulino Ferreira da Silva pelo Sr. Luiz Conrado de Lorena e Sá, em 26 de junho de 1988.

Como a política interfere em todas as coisas da vida no sertão, os Ferreiras acompanhavam na política os membros da família Pereira e José Saturnino era ligado aos adversários, a família Carvalho. Os Pereiras não estavam em estado de graça perante o Governador. Como costumamos dizer; estavam "de baixo" na política, e não tiveram condições de dar boa cobertura a José Ferreira e aos filhos em Vila Bela. Os Ferreiras tiveram que se deslocar para Nazaré. Os adversários deles foram a Nazaré fazer uma viagem qualquer, que os Ferreiras consideraram mera provocação. Na saída, o inimigo princioal foi emboscado e correu. Sofreu, segundo ele próprio me disse, a maior desonra do mundo: na carreira, para não enganchar os pés no estribo, deixou as alpergatas, que nunca mais pode reavê-las. Quando Virgulino voltou da emboscada trazia as alpercatas de José Saturnino penduradas no dedo, como troféu.

Como os nazarenos, de Floresta não queriam desavenças com ninguém e com José Saturnino, especialmente menos com a família Nogueira, a qual José Saturnino estava vinculado, pediram para que os Ferreiras saíssem de Nazaré.

Houve uma série de problemas, que nós não vamos descer a detalhes. Mas, afinal, atendendo ao chefe político de Floresta, Antônio Ferraz ou Antônio Boiadeiro, os Ferreiras resolveram transferir-se para o estado de Alagoas.

Assim o fizeram, deixando tudo para trás. De solidão, ele perdeu logo a própria mãe, e na terra dos marechais, o pai de Virgulino Ferreira estava debulhando milho para o almoço do dia seguinte, foi atingindo estúpida e covardemente por comandante de volantes da polícia estadual. Incrível, saiu de Serra Talhada, deixou de ser tropeiro, veio para o fim do mundo. Naquela época, sair do Pajeú para Alagoas era como se estivesse fazendo uma viagem à lua.

Com a morte de José Ferreira, rompeu-se o elo da sociedade, familiar, porque nós sabemos que a família é constituída por pai, filho e o espírito de Deus que a igreja católica chama de Espírito Santo. Naquela família, esta sociedade era autêntica; o respeito dos filhos aos pais era condição incontestável, não merecia dúvida. A morte do patriarca fez desencadear desde as forças do mal até à quase loucura.

Os filhos, notadamente Virgulino, decidiram abraçar a vida nômade de cangaceiro. O amor - espírito de Deus foi banido para dar lugar ao que poderíamos chamar o reverso da moeda, o ódio. O que antes era só amor, só fraternidade, só união, passou a ser só ódio, só desejo de desgraça.

Muitas vezes me pergunto, agora nesse fim de século, como sertanejo que sou: será que se me acontecesse o que aconteceu a Virgulino, eu teria de fazer a mesma coisa? Só respondendo que não, porque talvez não tivesse a coragem que ele teve.

As consequencias desses fatos nem seria de se enunciar aqui e agora, porquanto o código de honra do sertanejo desconhece inteiramente da tolerância à pulsilanimidade. Tenho certeza de que não sou um pulsilânime, mas tenho dúvida de que teria eu a coragem de Virgulino e dos irmãos.

Do livro: Serra Talhada 250 anos de história - 150 anos de emancipação politica.

De: Luiz Lorena


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