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sábado, 15 de agosto de 2020

ANTONIO CORRÊA SOBRINHO



AMIGOS

Em março 2018, eu trouxe ao Facebook a interessante e intrigante reportagem do "Diário de Pernambuco", publicada na edição de 24 de maio de 1936, intitulada CHEGOU AO RECIFE UMA DAS VÍTIMAS DE LAMPIÃO, onde nela, o nome MARIA BONITA como a cangaceira mulher de Lampião, é grafado, salvo melhor informação, pela primeira vez na imprensa nacional, antes do ano de 1938, quando de sua morte em Angicos.

Eis o trecho da reportagem:


“MARIA BONITA E O GRUPO - Diz um morador de Malhada que o grupo de Virgínio é composto de 7 homens e duas mulheres. Os nove se dividem em três, sendo que as mulheres ficam com Virgínio. Cada grupo anda distanciando do outro quinhentos metros. Os “cabras” esperam sempre pelo chefe para decidir qualquer questão. Maria Bonita, a amasia do chefe do grupo, usa calça culote, dois parabéluns à cinta e cartucheira.”

O que levou a baiana Maria de Deia, a Maria de Lampião, a ser chamada, quase num átimo, e para sempre, de MARIA BONITA, passa, como sabemos, pelo grande sucesso da literatura brasileira, o romance "MARIA BONITA", de 1914, a obra-prima do famoso escritor baiano, Afrânio Peixoto (1876-1947), que, conforme leio, “um romance simbólico, que aproveita o mito de Helena, cuja beleza é fonte, ao mesmo tempo, de amor e morte. A personagem central é uma mulher de sentimentos puros, mas cuja extraordinária beleza só serve para espalhar a desgraça em torno. Sua culpa única é ser bonita, daí a cobiça que desperta nos homens, levando todos à tragédia, pela fatalidade que vive dentro dela”. A história de uma sertaneja bela e sofrida. Um livro muito lido, e elogiado pela crítica especializada, o "MARIA BONITA" de Afrânio Peixoto.

Mas, mais ainda, penso eu, tem a MARIA BONITA de Lampião a ver com o filme "MARIA BONITA", baseado nesta obra de Afrânio Peixoto, cujas filmagens se iniciaram justamente em 1936, no ano que veio a lume a matéria acima referida, do glorioso jornal pernambucano, produção cinematográfica amplamente divulgada pelos jornais do Sul, e que veio a cartaz em 1937; coincidentemente, no mesmo ano que Abraão Boto exibiu e viu, depois, apreendido o seu extraordinário documentário sobre Lampião, a sua Maria e o bando de cangaceiros, na caatinga nordestina.

Esta reportagem, que trago a seguir, logo após esta minha ousada participação, onde, de forma inédita, o nome MARIA BONITA é apresentado com o da mulher de Lampião, ou expressou verdadeiramente a informação que chegara à redação deste Jornal, ou o MARIA BONITA da mulher de Lampião foi nasceu na redação deste Jornal; digo isto, considerando o fato de ter sido esta a única menção que temos, pelo menos nos principais jornais e revistas do país, ao nome MARIA BONITA relacionado ao cangaço, antes de 1938, que eu saiba.

Fato é que o MARIA BONITA da mulher de Lampião ofuscou completamente o "MARIA BONITA", livro e filme, da obra ficcional de Afrânio Peixoto. Nunca mais os jornais se referiram a estes como e quanto dizem da cangaceira de Paulo Afonso.
Sobre esta reportagem do "Diário de Pernambuco", conheço apenas um trabalho, assinado pelo escritor ilustre Frederico Pernambucano de Mello, acessível na internet.
“Diário de Pernambuco” – 24/05/1936

CHEGOU AO RECIFE UMA DAS VÍTIMAS DE LAMPIÃO

Manoel Bezerra relata à reportagem do DIÁRIO DE PERNAMBUCO sua dolorosa história – Novas atrocidades do famigerado bando pelos sertões – Receio dos coiteiros – O roteiro da malta sinistra.

Foi divulgada pelo "DIÁRIO DE PERNAMBUCO" a notícia de que uma das vítimas de Lampião viajaria para esta capital no trem do horário que vem de Rio Branco. O pobre homem, que fora barbaramente emasculado pelo facínora, quando visitou a fazenda Catimbau, nos arredores de Buíque, vinha internar-se num dos hospitais daqui e submeter-se a um tratamento que lhe conservasse a vida. Sua jornada dolorosa do alto sertão até aqui, viajando sem o mínimo conforto durante o dia inteiro num carro de segunda classe, foi alvo de atração da reportagem desta folha, que resolveu, também, ouvir dos próprios lábios de Manoel Bezerra, o relato da dolorosa atrocidade.

Neste intuito um representante do "DIÁRIO DE PERNAMBUCO" viajou para Vitória a fim de (...) passagem no mesmo trem em que viajava o ferido e acompanha-lo até o Recife. Essa medida foi motivada principalmente pelo receio de que o pobre homem, dados seu estado de gravidade e a prolongada viagem, aqui chegasse agonizante, impossibilitado de relatar-nos o ocorrido.

EM VITÓRIA

Chegamos a Vitória com bastante antecedência. Percorremos ligeiramente a cidade e á hora do trem, já aguardávamos na estação há longo tempo sua chegada.

À aproximação do comboio divisamos a plataforma do carro de segunda classe um soldado de polícia. Logo que os carros pararam, a ele nos dirigimos e, à nossa pergunta, o militar levou-nos ao interior do vagão onde, efetivamente, prostrado ao longo de um dos bancos, estava Manoel Bezerra num estado de lamentável penúria. Vestia camiseta branca e calça de brim comum. Aparentava ter uns 22 anos de idade. Seu rosto moreno de vez em quando se contraia num rictos de dor.

Ao dar sinal de partida o trem e afastarem-se os curiosos para saltar, pois na maioria eram da cidade, aproximamo-nos dele, que estava de olhos fechados. A essa altura, o comboio iniciava sua marcha e o pronunciado mal cheiro que se sentia no interior do carro, com o deslocamento do ar tornou-se menos intenso, permitindo respirar-se melhor. O condutor aparece para marcar as passagens. Ao receber a nossa, diz espantado:

- “Mas essa passagem é de primeira classe... A primeira é no carro da frente...”

Explicamos nossa função de repórter, ao que ele pilheria: Enquanto muitos compram de segunda e querem ir para a primeira com o senhor deu-se o contrário: comprou de primeira e veio para a segunda...”

Um passageiro atalha:

- “Ele veio ouvir as desgraças deste pobre homem para contá-la a toda gente... Pode ser que assim tenham pena do sertanejo e resolvam acabar com Lampião...”

A TRISTE HISTÓRIA

Manoel Bezerra recostava, agora, a cabeça na mão. Aproveitando um momento em que descerrou os olhos, pedimos que nos contasse tudo como se dera. Ele, num esforço, começou a murmurar e depois a falar mais alto. A cada momento interrompe a narrativa para gemer.

Contou que era solteiro, noivo, e possuía pequena propriedade. Na terça-feira passada voltava da roça para a sua casa quando, ao entrar na sala, ouviu vozes num falatório que vinha da vizinhança. Ali residia seu amigo Pedro Firmino Cavalcanti e, receando tratar-se de alguma anormalidade contra ele, decidiu verificar o que havia. Ao sair de casa, divisou uma aglomeração de pessoas. Destacou-se do grupo um homem que lhe acenou com a mão. Uma vez que o chamavam, não suspeitando tratar-se de bandidos, foi verificar o que queriam de sua pessoa.

Ao chegar mais perto, o malfeitor gritou:

- “Venha cá!”

Continuou ele:

- Quando cheguei lá vi que a casa estava cercada. Oito homens e duas mulheres estavam armados até os dentes. Tinham todos a cara de assassinos. Uma delas, a quem chamaram de Maria Bonita, me deu logo duas chibatadas. Um homem dos olhos vermelhos chegou para perto de mim e disse: ‘Vá buscar meu cavalo ali’. Esse homem era Virgínio, cunhado de Lampião. Fui buscar o animal que estava a uns trinta metros e quando o entreguei ao tal Virgínio, ele, então, sem me deixar fugir, realizou seu intento.”

Relatou-nos, então, Manoel, que por mais que implorasse, o bandido não o atendeu. Disse-lhe: “Não tem santo que lhe acuda”, e utilizando um trinche-te que pedira a um cabra, mutilou-o desalmadamente. Depois de emasculá-lo, mandou que pusesse pimenta, sal e cinza na ferida e fosse para casa.

Manoel, que perdera muito sangue, se cansava na sua narrativa. Calou-se, fechou os olhos e continuou deitado.

OUVINDO UM SOLDADO

Deixamos o enfermo e fomos em busca de outras informações.

O soldado Manoel Basílio, que acompanhava o doente, informou-nos que o grupo de bandidos, após a sangrenta pousada em Catimbau, saiu pela estrada de Buíque e, à distância de uma légua, entrou pela cerca de arame de propriedade do senhor P. França.

Virgínio atirou o trinche-te dentro do canavial.

– “Mais adiante – continua o soldado – os bandidos prenderam um parente deste rapaz.”

Manoel Bezerra abriu os olhos e perguntou de que se falava. Ciente da narração do soldado, acrescentou:

– “Virgínio prendeu o meu primo legítimo Firmino Salvador e por ele mandou procurar o trinchete, dizendo que ‘se encontrasse algum macaco (policial), morresse mas não lhe entregasse o seu instrumento.’

Meu primo foi e correu até Buíque, entregando o trinche-te ao delegado de polícia. De Firmino eles levaram três cavalos. Depois é que foram a Catimbau.”

Deixamos o emasculado e o soldado, e fomos ouvir o condutor do trem, que nos prometera algo.

ATERRORIZADOS

O condutor levou-nos a um passageiro. Este se reuniu a outros e cercaram o repórter. Contaram-nos outras atividades de Lampião. Como indagássemos os nomes dos nossos interlocutores, eles, como que estivessem unidos pelo mesmo terror, negaram-se a decliná-los, alegando “precisar viver”; que “ se dissessem os nomes lá no sertão havia alguns “coiteiros’ que forneceria a lista aos bandidos, e que pagariam caro.

- “Saindo de Buíque, os cangaceiros estiveram em Malhada – informou-nos um passageiro. No caminho encontraram o sr. Agenor Tenório, que viajava em companhia de outro. Procediam da fazenda França (...). Os cabras de Virgínio perguntaram logo si tinham dinheiro e como responderam negativamente, os bandidos pediram que desmontassem e levaram seus cavalos, deixando-os a pé.

QUASE ATACADOS PELA POLÍCIA

– “Quinta-feira, pela madrugada – continua o nosso informante – o grupo deixou Malhada, a 9 quilômetros de campo de aviação de Rio Branco. Atravessou a linha de ferro entre as estações de Tigre e Pinto Ribeiro e foram à fazenda Estrela D’ Alva de propriedade da Cia Pastoril do São Francisco. Deixaram ali uma carta para o gerente, dr. Gumercindo pedindo 10 contos. A carta tinha a assinatura: Virgínio, cunhado de Lampião.

Saquearam a cidade e chegaram até mesmo a levar alianças do dedo de algumas pessoas. Os facínoras deixaram os cavalos em que viajavam e escolheram outros para prosseguir a viagem.”

Um outro passageiro nos diz:

- “Às 16 horas do mesmo dia entraram em Umbuzeiro. A população, tendo aviso da aproximação dos facínoras, havia abandonado a cidade, ficando somente uma casa de negócio aberta.

Deram um saque e numa venda tomaram muita aguardente num engenho de alambique de barro.”

ASSASSÍNIOS

Saíram de Umbuzeiro sem cometer nenhum assassinato. No caminho, porém, encontraram Pedro de Alcântara e Sebastião Sebas, na fazenda Matanças. Perguntaram sobre os seus destinos, ao que responderam sempre estar comprando queijo para revender. Desconfiados da veracidade das palavras dos transeuntes, conduziram-nos à casa do fazendeiro conhecido por José Cobra, nas proximidades. Este vacilou em responder. Mas, sob ameaças de pontas de punhais, confessou que Pedro de Alcântara e Sebas tinham ido lhe avisar da presença do bandido. Como também a Sátiro Feitosa. Irritados, os bandidos mataram Sebas no terreiro da casa e Pedro na sala, com um tiro de pistola máuser na cabeça. Em seguida, intimaram José Cobra a dar-lhes 2:500$000, no que foram satisfeitos. Dali rumaram para a fazenda Ribeirão Fundo, de propriedade de Sátiro Feitosa. Já nas terras da fazenda, entraram na casa de Gedeão Hipólito, e amordaçaram sua esposa. Estiveram depois na casa de Sátiro. Um cabra procurou o proprietário e lhe disseram que havia se retirado. Então, perguntou por Gedeão.

Um homem declarou ser o próprio.”

MATOU E SANGROU A VÍTIMA

“O bandido bradou:

– “Aqui está um presente que lhe mandaram porque foi avisar a seu patrão.”

– “O presente foi um tiro na cabeça” – aparteou outro passageiro que até o momento não havia dito nada.

O primeiro continuou:

– “Em seguida sangrou sua vítima. Indo ao interior da casa, encontrou o negro velho José Lourenço, cozinheiro. Como respondesse que nada sabia, mataram-no. Também sangraram este. Entre Umbuzeiro e Malhada os bandidos haviam conseguido cercar os vaqueiros, que pastavam o gado de uma fazenda, para roubar-lhes os cavalos com os arreios. Dois dos cavalos estavam cansados, quando chegaram a Ribeirão Fundo. Por isso, Virgínio entregou-os a um morador da fazenda para leva-los ao coronel de Arcelino Brito.”

Soubemos que o tenente Manoel Neto chegou a Tigre quando os bandidos estavam em Umbuzeiro. A polícia ia a caminhão, mas a estrada não deu passagem. Foi necessário que o tenente fosse por outra estrada e assim não encontrou mais cangaceiros.

O grupo dirigiu-se para a serra de Ipojuca, rumo a Mimoso, estação próxima a Rio Branco.

EM ALAGOA DO MONTEIRO

A última hora soubemos que o grupo esteve na fazenda Raposa, de propriedade de José Branco.

Roubaram dali 15:000$000 em dinheiro. Enquanto uma turma de cangaceiros realizava esse roubo, uma outra atacara Angico, em (...) onde mora Fortunato Reinaldo.

Desse fazendeiro exigiram 10 contos e como só tivessem seis, levaram um seu filho de nome Anfrísio, como garantia dos 4 contos. Fortunato mandou pedir emprestado o dinheiro em Poção, o qual não foi entregue aos bandidos. Estes não compareceram ao local marcado para a entrega da quantia referida, que era a serra de Jurema.

A malta esteve por último no Fundão, na Paraíba. Aí os facínoras assassinaram duas moças e uma velha de 84 anos de idade.

Sexta-feira o grupo internou-se na serra do Franco para o lado da serra Pendura e não foi mais visto. Segundo nos informou um sertanejo de Alagoa do Monteiro, ele estava para os lados de Brejo do Jatobá.

Adiantou-nos que sobem a 75 contos de réis somente em dinheiro os saques no município de Alagoa do Monteiro.

OS GUIAS

Ao entrar no estado da Paraíba até o saque de Umbuzeiro serviu de guia aos bandidos Malaquias Batista, genro do sr. Fernandes, e preso na ocasião em que os cangaceiros ‘visitaram’ a casa deste, de onde roubaram 13 contos. De Umbuzeiro por diante, Sebastião Tavares foi preso por Virgínio para indicar-lhe o caminho.

AS VÍTIMAS

Gedeão Hipólito deixou 9 filhos menores. Pedro de Alcântara, 4. Sebes, 5.

Foram mortos mais as duas moças, a velha, dois homens, dos quais um cadáver não foi encontrado.

Sobre a morte de Pedro de Alcântara corre outra versão. É a de que ele fugia para salvar o dinheiro que estava em caixa na Mesa de Rendas.

MARIA BONITA E O GRUPO

Diz um morador de Malhada que o grupo de Virgínio é composto de 7 homens e duas mulheres.

Os nove se dividem em três, sendo que as mulheres ficam com Virgínio. Cada grupo anda distanciando do outro 500 metros. Os cabras esperam sempre pelo chefe para decidir qualquer questão.

Maria Bonita, a amasia do chefe do grupo, usa calça culote, dois parabéluns à cinta e cartucheira.

A outra mulher viaja em (...)

– Manoel Bezerra, logo ao chegar à Estação Central, foi internado no Pronto Socorro, onde ficou em tratamento. Apresenta algumas melhoras.

SEGUIU PARA O SERTÃO O DELEGADO

Anteontem seguiu para Rio Branco o delegado auxiliar, Sr. Ranulfo Cunha. Dali esta autoridade comunicar-se-á com o secretário da Segurança Pública pelo telégrafo da Greal Western, transmitindo-lhe as últimas notícias sobre os grupos dos bandoleiros.


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