Escrito por Paulo Henrique Rodrigues, em 24 de Dezembro de 2021.
Na vida do Padre Cícero, realidade e mito se misturam. E, às vezes, a crença se sobrepõe a qualquer evidência histórica.
Há exatos 150 anos, Cícero
Romão Batista presidia a Missa do Galo no então vilarejo do Crato
chamado Tabuleiro Grande, o primeiro nome de Juazeiro do Norte. Depois dessa
celebração, o jovem padre de 27 anos ainda teve um sonho revelador: Jesus
Cristo aparecia para pedir a Cícero que morasse naquela vila e cuidasse daquele
povo.
A história da primeira missa do
Padim foi consagrada no relato de Amália Xavier, afilhada do padre e autora do
clássico O Padre Cícero Que Eu Conheci. Mas eis que surge uma
controvérsia: a historiadora Fátima Pinho afirma que, naquela noite de Natal de
1871, o Padim estava há mais de 600 quilômetros de distância do Cariri.
Fátima Pinho defende a tese com
documentos da própria Igreja Católica, como registros de batismo, casamento e
óbito. Eles mostram que, entre outubro de 1871 e janeiro de 1872, o Padre
Cícero trabalhava em Trairi e nas comunidades circunvizinhas do vilarejo localizado
no Norte do Estado.
A afirmação contesta a narrativa fundadora de Juazeiro do Norte. Exagerando, é como dizer que o Menino Deus nasceu em Jerusalém e não em Nazaré. É um detalhe que faz diferença.
Legenda: Registro de batismo
de 3 meninas em Trairi em 25 de dezembro de 1871, quando o Padim deveria estar
aqui em Juazeiro do Norte
Mas, afinal, quando o Padre
Cícero teria celebrado pela primeira vez em Juazeiro do Norte? Para a
historiadora, é possível dizer que ele só chegou ao vilarejo em abril de 1872.
No dia 13, inclusive, celebrou mais de uma dezena de batismos.
Além disso, a decisão de morar em
Juazeiro do Norte estaria ligada mais à necessidade financeira do Padre Cícero
do que a um sonho profético. Ele tinha que sustentar quatro pessoas:
a mãe, duas irmãs e ainda Maria do Padre, mulher escravizada liberta que morava
com a família Romão Batista. O vilarejo estava sem vigário. Era uma
oportunidade de emprego.
Não é a primeira vez que um fato
da vida do Padre Cícero é apontado como erro histórico. Em 2018, foi revelada
que a data de nascimento seria outra: 23 e não 24 de março, que é feriado na
cidade fundada por ele. Aliás, mesmo depois da correção histórica, a data
continua sendo celebrada no dia 24.
E aí está a diferença do Cearense
do Século para qualquer outro brasileiro biografado. Na vida do Padre Cícero,
realidade e mito se misturam. E, às vezes, a crença se sobrepõe a qualquer
evidência histórica.
Os romeiros convivem com essas
contradições sem sofrimento, atribuindo muitos milagres ao santo popular. O
primeiro e mais evidente é o de ter transformado um vilarejo de 30 famílias em
uma cidade com quase 300 mil habitantes.
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/opiniao/colaboradores/onde-o-padre-cicero-passou-a-noite-de-natal-ha-150-anos-1.3174196?fbclid=IwAR157o_myJ4rnefPoH-9m9kOWL5AheC0rOY0ttBxHzkLfSkNIgfMwVmu3Jo
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