Por: Rangel Alves da Costa(*)
A
DESPEDIDA DE ALCINO – E O SERTÃO CHOROU...
Faltando
poucos dias para o final de outubro, Alcino começou a sentir agravamento na
enfermidade. No seu jeito de suportar tudo silenciosamente, e também pela
enraizada esperança de recuperação, fazia tudo para não demonstrar as dores lhe
afligindo ainda mais. Mas não precisava expressar verbalmente os sofrimentos.
Tudo estava muito visível.
Num começo de
tarde foi encaminhado para observação médica num hospital aracajuano, pois na
capital sergipana tivera de forçosamente permanecer exatamente para receber pronto
atendimento se algum problema maior ocorresse. Contudo, tal cuidado, se por um
lado era necessário, por outro provocava problemas sérios psicológicos em
Alcino.
Ora, por mais
que se sentisse em franca recuperação, sempre esperançoso de readquirir ao
menos parte da saúde fragilizada, psicologicamente vivia abalado pela distância
de sua terra, de seu leito sertanejo. Como o escravo que intimamente chora o
seu banzo por estar distante de sua tribo, e assim vai insuportavelmente se
deteriorando, Alcino chorava por dentro a ausência daquilo que era sua vida:
Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo.
Já não pedia
para que colocassem suas músicas sertanejas, já não desejava ouvir tanto suas
próprias músicas, as composições assinadas por ele. E isto acontecia
logicamente para não sofrer ainda mais. Evitava, pois, povoar ainda mais a sua
mente com as veredas espinhentas das caatingas, com a visão do amanhecer e do
luar do sertão, com as lides de seus irmãos matutos debaixo do sol, com as
histórias cangaceiras que tanto ajudou costurar na grande colcha dos mistérios
e lendas.
Alcino Alves
Como
acontecera outras vezes, pensei que após alguns dias no hospital Alcino
retornaria pra casa. Como juro que imaginava vê-lo lúcido, feliz, cheio de
contentamento, retornando para o sertão e ser recebido pelos seus com lágrimas
nos olhos, foguetórios, em esplendoroso êxtase. Assim acontecera outras vezes.
Mas dessa vez não.
Na noite do
primeiro dia do mês de novembro de 2012, eu estava diante do computador
escrevendo um texto quando da porta do escritório chegou um sobrinho dizendo
que fosse urgente até o hospital porque Alcino estava morrendo. Por lá já
estavam outros irmãos meus. E foi em meio ao caos do trânsito aracajuano, por
volta das 18:55h, em direção ao hospital, que o telefone toca e a notícia
fatal: ele havia acabado de morrer.
Encontrei-o
ainda no leito hospitalar onde havia dado o último suspiro. Ao redor, a dor e o
desespero estampados nos olhos e bocas de todos. Cena terrível, angustiante,
dolorosa demais para ser descrita. E o que sempre acontece em momentos assim:
não acreditar que aquilo realmente pudesse ter ocorrido. Mas quando o espanto
esfria se torna realidade. E depois...
Ao receber a
notícia instante depois, não só Poço Redondo, mas toda a região sertaneja parou
espantada, assustada, angustiada, aflita demais diante da partida do defensor
maior de sua cultura e sua história. Seu ex-prefeito, seu amigo. E as lágrimas,
os lamentos, as preces, e um reconhecimento tal que as casas permaneceram
abertas, noite adentro, esperando o retorno do seu filho. Mas jamais como
desejariam.
Após a
confirmação do fato, a Rádio Xingó, na vizinha Canindé do São Francisco, passou
a retransmitir o programa “Sertão, Viola e Amor”, ecoando pela triste noite
sertaneja a voz de Alcino. E já na madrugada, por volta das duas horas, o corpo
do filho chegou à sua casa, num retorno para a eternidade. E os seus irmãos em
vigília para o reencontro e o último adeus.
Foi velado até
as primeiras horas da manhã em sua residência, sendo depois levado para o
velório oficial na sede da Câmara de Vereadores. E aconteceu na câmara por esta
estar localizada no centro da cidade, tendo mais espaço do que na prefeitura,
mas principalmente para facilitar o acesso da multidão sertaneja. Então
começaram a chegar os sertanejos dos lugarejos mais distantes, pessoas
humildes, da roça, da enxada, daquela vida que Alcino tão bem retratou.
Já perto das
três da tarde o corpo foi levado para a igreja matriz para a realização da
missa de corpo presente. Com o templo completamente lotado e pessoas do lado do
fora, o ofício foi celebrado e em seguida tiveram inícios as manifestações dos
presentes, os instantes onde, através da palavra, os amigos puderam expressar
seus sentimentos. E neste momento pessoas do povo, políticos, historiadores e
velhos amigos de Alcino fizeram a igreja chorar.
Dali para a
última moradia. Não para transformar-se em pó, mas como terra unir-se à sua
terra, continuar grão, semente e brotar eternamente no legado que deixou.
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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