Por: Rangel Alves da Costa(*)
AMOROSO
JOÃO, AMARGA MARIA
E João,
pacientemente dizia: Assossegue Maria, tudo há de miorá, mai adiante tudo há de
ser diferente, munto mió. E ela retrucava: Carma uma gota serena. Vai miorá
cabrunco ninhum. Que peste de tempo mió que nada...
Ele: Maria,
minha fia, é perciso ter fé, esperança e acreditar numa vida bem mió. E ela:
Vai-te pa peste com sua fé e esperança. Essa disgrama de vida vai ser disso pa
pió...
Ele: Você hoje
tá tão bonita Maria, pareceno uma frô peufumada. E ela: Guarde suas porcaria pa
lá. E vá pa baixa da égua, pa puta que pariu com seu elogio de merda, pois bem
sei a frô de cimitero que sou...
Ele: Vou pa
feira e juro trazer um pano de chita bonito, um diadema e uma loção bem
cherosa. E ela: Soque tudo no fiofó. Num preciso que me traga peste ninhuma de
nada. Pode comprar o que quiser, mas soque tudo no fiofó...
Ele: Num gosto
de ver você ansim não. Juro que perfiro ver seu sorriso disfaçado. Entonce sei
que tá cum bom coração. E ela: Que conveusa de fi da égua é essa. Num venha com
treita quereno disfarçar o bote, seu fi da molesta...
Ele: Arme a
rede na varanda e vamo se deitar juntinho. Nunca mai a gente fez ansim. E ela:
Deixa de raparigagem seu gota serena. Tá me achano muié que gosta de futricage
pru riba da rede. Vai-te percurar uma quenga pa vadiar...
Ele: Sabe duma
coisa, faço de conta que nem me importo mai cum seus enraivecimento. Mai saiba
que num gosto de ver você ansim não. Quem já viu dizer uma pessoa viver
apimentada dia e noite desse jeito? Ela: Os incomodado é que se muda. Jararaca
ou cascavel sou assim mermo. E se tiver achano ruim que venha ixprimentar meu
veneno, seu frouxo do cabrunco...
Ele: Maria,
Maria, nóis casamo foi pa viver em paz. Eu gosto de você e do mermo modo você
gosta de eu. Por isso é mió parar com arreliamento. E ela: Ante eu tivesse
casado com um jumento ou uma peda. Que destino fio da peste foi esse que me
atravessou essa coisa ruim no meu caminho...
Ele: Vamo sair
pa fora, caminhar por aí, sentir a ventania bateno na gente. Vamo? Uma
fresquinha vai fazer tudo miorá. E ela: Acha que eu num tenho o que fazer não,
é seu fio de uma vaca troncha? Vê se arruma arguma coisa pa fazer seu
disgraçado...
Ele: Maria,
nunca mai nós fez um cafuné um no outro nem fez cosquinha de fazer gaitá. Tô
com uma sordade danada de brincar cuma a gente brincava noutos tempo pa traiz.
E ela: Pode ir tirano seu cavalinho da chuva seu jumento sarnento. Vai-te
lascar cum sua cosquinha, vai-te pra baixa da égua cum seu cafuné. Mai menino,
uma muié cuma eu fazeno cafuné num desavergonhado duma figa. Só fartava essa...
Ele: Tudo fiz
e tudo faço pa ver se você miora. Mai não, cada vez mai só fala coisa que
desagrada. Tudo tem o seu limite Maria. E ela: Quer que eu arrume suas coisa,
quer? Num ameace não, deixe de ser frouxo e saia por aquela porta...
Ele: Mai é
isso mermo que vou fazer. Num queria não, mai é você merma que tá pedino. E
ela: Vá simbora logo e nem olha pra traiz. Xô, xô, chispa daqui...
Ele: Mai você
tá chorano Maria. Pruquê? E ela: Nada não, nada não. Foi um arqueiro que caiu
nos meu óio. Vá, a porta tá aberta...
Ele: Mai cuma
posso ir embora cum você desse jeito. Chega a soluçar de tanto chororô. Tá
doente Maria? E ela: ....................
Ela não
conseguia falar. Chorando, arrependida demais, mas não queria dar o braço a
torcer. Mas ele perguntou: Pruquê num fala mai Maria? De repente deixou de ter
peda na boca pa jogar em cima deu e me atacar com sua ignorança de todo jeito?
Ela continuava
silenciosa, agora de cabeça baixa. Então ele falou: Levante a cabeça e ói pa
mim e diga tudo que tem a dizer. Eu sei perdoar Maria, eu sei perdoar. Você
sabe se arrepender? Responda Maria.
Enfim,
entristecida, ela voltou a falar: Parece que não. Mai tanto faz se você sabe me
perdoar...
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta
de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
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