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terça-feira, 7 de maio de 2013

"Antonio Silvino foi um covarde"

Por: Virgulino Ferreira da Silva(*)

Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva, e pertenço à humilde Ferreira, do riacho de São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai sendo constantemente perseguido pela família Nogueira e por José Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas - Estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição. Em Águas Brancas foi meu pai barbaramente assassinado pelos Nogueiras e Saturnino no ano de 1917. Não confiando na ação da Justiça Pública, resolvi fazer justiça por minha justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte de meu progenitor.

Adendo - O escritor Alcino Alves Costa em seu livro: Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de Angico" afirma que os pais de Lampião faleceram no ano de 1920, e não em 1917, como afirma Lampião. (JMP)

Não perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas para matar e efetivamente consegui dizimá-las consideravelmente. 

Sinhô Pereira - Primeiro e único patrão de Lampião

Já pertenci ao grupo de "Sinhô Pereira" a quem acompanhei durante dois anos. Muito me afeiçoei a este meu ex-chefe porque é um leal e valente batalhador, tanto que se ele voltasse ao cangaço iria ser seu soldado.

Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas e uma pequena parte do Ceará. Com as polícias desses Estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é uma polícia disciplinada e valente, que muito cuidado me tem dado; a da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente. Atualmente existe um contingente da força pernambucana de Nazaré que está praticando as maiores violências, mais parecendo a força paraibana. 

Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira de Pajeú é quem me tem protegido mais ou menos. Todavia, conto em toda parte com bons amigos que me facilitam tudo e me escondem eficazmente quando me acho muito perseguido pelos governos. Se não tivesse necessidade de procurar meios para manutenção dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinitivamente sem nunca ser descoberto pelas forças que me perseguem. De todos os meus protetores, só um me traiu miseravelmente.


Foi o Cel. José Pereira de Lima, chefe político de Princesa, homem perverso, falso, desonesto, a quem durante anos, servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão.

Consigo meios para manter o meu grupo pedindo recursos aos ricos e tomando à força aos usuários que miseravelmente se negam a prestar-me auxílios. Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem chegado para as vultosas despesas do meu pessoal - aquisição de armas e munições, convindo notar que muito tenho gasto também com a distribuição de esmolas aos necessitados. 

Sobradinho de Juazeiro no Norte, (CE), em que Lampião ficou hospedado, em março de 1926 (hoje funciona uma oficina mecânica, mas foram mantidas as características da arquitetura original; Lampião ficou no solão. Da janela do canto, acima, ele jogava moedas para o povo, segundo informa Francisco Campos, pesquisador do cangaço e autor da foto (tirada em 1926).

Não posso dizer ao certo o número de combates eu que já estive envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de 200. Também não posso informar o número de vítimas que tombaram sob a pontaria adestrada e certeira do meu rifle.  Entretanto, lembro-me perfeitamente de que além dos civis, matei três oficiais da polícia, sendo dois de Pernambuco e um da Paraíba, sargentos, cabos e soldados, era-me impossível guardar na memórias o número dos que foram levados para o outro mundo.

Tenho cometido violências e depredações, vingando-me dos que me perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar as famílias, por mais humildes que sejam, e quando sucede a algum de meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente. 

Até agora não desejei abandonar a vida das armas com a qual já me acostumei e sinto-me bem. Mesmo que assim não fosse, não poderia deixar essa vida, porque os inimigos não esquecem de mim. E por isso não posso e nem devo deixá-los tranquilos. Poderia me retirar para um lugar longínquo, mas julgo que seria uma covardia e não quero nunca passar por covarde.

Gosto de todas as classe. Aprecio de preferência as classes conservadoras - agricultores  fazendeiros, comerciantes etc., por serem homens de trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres, porque sou católico; sou amigo dos telegrafistas porque alguns já me têm salvo de grandes perigos. Acato os juízes, porque são homens da Lei e não atiram em ninguém. Só uma classe eu detesto: é a dos soldados, que são meus constantes perseguidores. Reconheço que muitas vezes eles me perseguem porque são sujeitos a isso e é justamente por causa disso que ainda poupo alguns quando os encontro fora da luta.

A meu ver, o cangaceiro mais valente do Nordeste foi Sinhô Pereira. Depois dele, Luiz Padre. Penso que Antonio Silvino foi um covarde porque se entregou às forças do Governo em consequência de um pequeno ferimento. Já recebi ferimentos gravíssimos e nem por isso me entreguei à prisão. Conheci muito José Inácio de Barros. Era um homem de planos e o maior protetor dos cangaceiros do Nordeste em cujo convívio sentia-me feliz.

Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre estes um na cabeça do qual só por milagre escapei. Os meus companheiros, também vários deles têm sido feridos. Possuímos no grupo pessoas habilitadas para tratar dos feridos, de modo que somos convenientemente tratados, por isso estou forte e perfeitamente sadio, sofrendo raramente de ligeiros ataques reumáticos.

Sempre respeitei e continuo a respeitar o Estado do Ceará porque nele não tenho inimigos, nunca me fizeram mal e ainda porque é o Estado do Padre Cícero.

Estou me dando bem no cangaço e não pretendo abandoná-lo. Não sei se vou passar a vida toda nele. Preciso "trabalhar" ainda uns três anos. Tenho que visitar alguns amigos, o que não fiz por falta de oportunidade. Depois, talvez me torne comerciante.

(*) Vulgo Lampião (7.7.1897 - 28.71938), o mais célebre líder do cangaço.

Fonte:

Diário Oficial
Estado de Pernambuco
Ano IX
Julho de 1995

Material cedido pelo escritor, poeta e pesquisador do cangaço:
Kydelmir Dantas

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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