Compartilho com os amigos os textos abaixo, que tratam do cangaço e,
especificamente, do livro "Lampião", do escritor sergipano, Ranulfo Prata.
Artigos estes assinados pelo jornalista da crônica paulista, Donatello Grieco.
O primeiro, sob o título "O banditismo no nordeste", Ranulfo Prata, na forma de entrevista, expõe os motivos que o levaram a produzir seu "Lampião". O segundo, "As excentricidades do banditismo", Donatello, com retórica e boa literária, diz de forma elogiosa da obra do, também, médico lagartense.
Confesso que encontrei nestes textos, informações e o olhar que eu mais aprecio:, o de quem está sob a espreita do aterrorizador cangaceiro.
"O ESTADO
DE SERGIPE" - 06/03/1934
O BANDITISMO
NO NORDESTE
RIO, 23 (Da
nossa sucursal) – O senhor Ranulfo Prata acaba de publicar um interessantíssimo
livro sobre Lampião, que foi editado no Rio por Ariel.
Procurado esse ilustre escritor, que já forma em nossa literatura com alguns bons livros de ficção, conseguimos uma entrevista interessante, para os leitores do sul que, em geral, tão pouca coisa conhecem, em linhas nítidas, desse angustioso problema do nordeste brasileiro.
DOCUMENTAÇÃO
DO LIVRO
Obtive a
documentação do livro, diz-nos o Sr. Ranulfo Prata, na própria região assolada
pelo flagelo. Residindo em Santos, fui em dezembro de 31, ao interior de
Sergipe onde, na cidade de Anápolis, tenho pessoas de minha família.
Nessas férias, permaneci em Anápolis até março de 1932, procurando sempre entrar em contato com testemunhas pessoais de façanhas do bandido, bem como colher documentação entre as pessoas que me pareceram mais autorizadas a falar sobre o assunto. Colhi, então, os primeiros dados biográficos do facínora.
Este ano, nova viagem foi empreendida por mim àquelas zonas flageladas pelo cangaço. Entrei então, posso dizê-lo com sinceridade, no conhecimento direto dos fatos que mais de perto se relacionam com o banditismo. Viajando de auto de Anápolis a Jeremoabo, quartel general das perseguições e das ações das volantes, passando em Paripiranga, Bom Conselho, Antas e mais regiões sertanejas, vê-se que a gente daquelas vilas não pensa, não fala, não cuida de outra coisa a não ser de Lampião.
Lampião é o problema obsedante; seus atos, todas as suas tropelias sangrentas são discutidos com ânsia febril pelas populações exaltadas. Por isso mesmo que todos falam do mesmo homem. Por lá andando me foi simplíssimo colher dados e narrativa das próprias vítimas, dos soldados, oficiais e mesmo de coiteiros.
Esses “coiteiros” são indivíduos que dão refúgio a Lampião e seus sequazes. Nesta palavra de velho sabor vernacular, está com certeza, o segredo do fracasso de todas as arremetidas contra Lampião. Protegendo o bandido, coagidos por seus ímpetos sanguinários ou então o fazendo por mero desforço pessoal aos policiais truculentos, os coiteiros ocultam todos os detalhes da ação do bandido; e isso dificulta extraordinariamente a captura dos miseráveis bandoleiros.
A IDEIA DO
LIVRO
- E como
surgiu a ideia do livro?
- Vendo o horror que afligia aquelas pobres populações senti-me na obrigação moral de, como intelectual, filho dali e partilhando daquele sofrimento, lançar um clamor e um apelo. Foi o que fiz. As notas que eu próprio tomei, foram depois completadas com as de parentes e amigos, que me merecem a mais absoluta fé. Dos próprios oficiais combatentes recebi relatórios que detalhavam a ação militar.
A amigo dedicado, velho morador de Jeremoabo, e espectador inteligente do drama, devo também muito dos informes. Esse amigo fez uma verdadeira reportagem pelo interior do sertão, falando até com o velho guerrilheiro Pedrão, sobrevivente de Canudos.
Em fins de dezembro de 31 presenciei, com os próprios olhos, o quadro que descrevi no capítulo “Êxodo”. Às cidades de Anápolis e Paripiranga, esta última uma vila baiana vizinha, vi chegarem magotes e magotes de gente expulsa dos lares sertanejos. Conversei com agigantados vaqueiros que choravam como crianças por terem deixado tudo ao léu: casa, criações, roças.
Na minha própria cidade, a principal do Estado, o bandido já tentou várias vezes entrar. Quando lá estive, noites e noites passamos sem dormir, com soldados e homens assalariados dentro de trincheiras, fuzil em punho. Os apontamentos sobre as duas visitas do facínora a Sergipe foram obtidos nas próprias cidades invadidas, de pessoas fidedignas.
Minucias do tipo físico de Lampião tive-as do meu amigo e colega Eronides de Carvalho, clínico em Aracaju, que teve o desprazer de hospedá-lo durante uma noite, em uma fazenda dos sertões de Gararu. Muitas das fotografias que estampam o livro de vítimas do bandido, foram obtidas por mim.
A SOLUÇÃO DO
PROBLEMA
- E que nos
diz a respeito de uma solução a esse problema angustiante do banditismo?
- A solução imediata é a morte ou prisão de Lampião, com a consequente dissolução do bando.
Posso mesmo expor aqui uma fácil comparação médica: sertão, sofredor da velha moléstia do cangaceirismo, desde longos anos, está agora, numa crise aguda a exigir uma picada de morfina que o alivie de dores cruciantes. Dando-lhe este alívio coem o extermínio de Lampião, ficará ainda a moléstia a merecer terapêutica enérgica que por uma vez, a liquide, voltando o sertão a ser o que deve ser.
Esta solução imediata só uma campanha federal poderá alcançar. Nada mais patente do que a incapacidade dos poderes estaduais, ou melhor, de todo o Nordeste congregado. É uma simples questão de meios: o governo central pode dispor de dinheiro e de força, imprimindo à campanha uma feição séria como exige o problema. Desaparecido Lampião não creio que surja outra figura que adquira a mesma aureola. Apesar dos pesares, de todo o peso das correntes que a política nos amarra aos pés, caminha-se, o sertão progride e já não é meio tão propício ao desenvolvimento do banditismo como há dez ou quinze anos atrás. Os Fords já vasculham tudo aquilo, de Sergipe a Pernambuco, trazendo as consequências civilizadoras fáceis de imaginar.
CONCLUINDO
- Com meu
livro, termina o Sr. Ranulfo Prata, quis, antes de tudo, fazer obra de
repercussão social.
Não me incomodei unicamente com o amontoamento dos detalhes trágicos da vida do cangaceiro, “Lampião” é um libelo, um livro que envergonha, entristece e humilha, devendo ser visto com sinceridade. É uma chaga que exponho ao sol para ver se é possível curá-la.
CONTINUA...
Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa
Sobrinho – O Cangaço
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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