Por: Carlos Brás
A arte de
Eduardo Lima
O pequenino Sergipe, entre todos os estados pelos quais o flagelo do cangaço
deixou suas marcas, tem lugar de destaque. Entramos definitivamente para a
história do banditismo nacional, de forma excepcional e definitiva, no dia 28
de Julho de 1938, quando na gruta de Angicos, localizada no município de Poço
Redondo, o tenente João Bezerra e sua volante, liquidou Virgulino Ferreira da
Silva, o afamado Lampião, e parte de seus seguidores, interrompendo um reinado
de quase 20 anos.
O fenômeno
social cangaço teve como pano de fundo o sofrido sertão nordestino com sua
temível caatinga, ambiente inóspito, pouco povoado, onde só os fortes
sobrevivem. O Raso da Catarina, em território baiano, sintetiza toda a
insalubridade e aridez dessa região do Brasil. Tempos medonhos aqueles, onde a
presença do estado quase não se fazia notar com o domínio socioeconômico
exercido por poderosos coronéis, proprietários de imensos latifúndios,
soberanos da terra e da gente, da vida e da morte. A miséria e os constantes
conflitos políticos e familiares estão entre os motivos que originaram a
escalada da violência, justificando a formação de grupos armados particulares,
onde ferozes jagunços garantiam a segurança dos seus patrões.
“Lampião
nasceu há muitos anos, em todos os estados do nordeste”, conforme cita
Graciliano Ramos no seu livro Viventes das Alagoas (1962). Ser
cangaceiro era o grito de revolta dos que não aceitavam a opressão e injustiça.
Desse cotidiano participaram outros personagens que muitas vezes faziam jogo
duplo, a depender de interesses pessoais. Volantes, grupos formados por
soldados (chamados de macacos pelos cangaceiros) e cachimbos (civis contratados
pelo estado), que praticavam todo o tipo de violação contra a população dos
povoados e grotões, sendo tão temidos quanto os bandoleiros. Coiteiros
(moradores da zona de conflito, que forçados ou não, auxiliavam os bandidos com
suprimentos e esconderijo) enfim uma rede de omissão, medo e cumplicidade que
permitiu a longa duração do reinado lampiônico.
Mesmo passadas
tantas décadas dos combates encarniçados e da morte do seu líder maior, este
triste enredo ainda desperta paixões. O cangaço é uma epopeia repleta de
contradições com relação a comportamento, datas e acontecimentos. A mitificação
do general da caatinga é responsável pela aura que o cerca, imagem de herói e
bandido, que povoa o imaginário popular, promovendo debates, movimentando um
circulo gerador de divisas através de manifestações artísticas e culturais,
teses acadêmicas, artigos e investigações sociológicas.
Essa condição
permite afirmar que o rei do cangaço teve, na realidade, três vidas distintas:
1) o homem comum, vaqueiro, almocreve e coureiro; 2) O facínora amado e odiado;
3) o personagem imorredouro, eternizado em cordéis, filmes, literatura,
história em quadrinhos, telenovelas, artes plásticas e folguedos populares.
Xilogravura
de Nivaldo Oliveira compõe exposição do MHS
Em
solo sergipano, os grupos de famigerados com seu chefe à frente, adentram pela
primeira vez no dia 26 de fevereiro de 1929. A cidade de Carira foi escolhida
para a indesejável visita dos fugitivos das volantes baianas. Dessa empreitada,
conforme alguns relatos participaram apenas sete feras sedentas de tudo, o que
já era suficiente para aterrorizar qualquer povoação, e ali se utilizou mais
uma vez a tática do bom visitante, amigo, cordial e respeitoso, que não
pretendia cometer atos violentos, pagando por tudo que precisava, e promovendo
festas.
As estripulias
em nossas terras gradativamente tornaram-se rotineiras. O rastro do mal logo se
fez notar, trazendo ao pacato sergipano a dor da humilhação, as lágrimas pelos
entes queridos ultrajados em sua honra ou mortos, as chantagens e extorsões.
Como sempre acontecia, uma rede de colaboradores logo foi arquitetada,
garantindo uma relativa segurança à cabroeira. Curiosamente, conforme relatos,
o estado de Sergipe foi o que mais contribuiu com elementos para os grupos de
meliantes, através do município de Poço Redondo.
No
livro A misteriosa vida de Lampião, de autoria do cearense Cincinato
Ferreira Neto, à página 158, encontra-se alusão ao nome de Eronildes de
Carvalho, futuro interventor de Sergipe, e seu pai, Sr. Antônio Caixeiro, como
um dos maiores protetores de Virgulino em nossas terras, fato este que é
contestado enfaticamente pelos familiares dos citados. Nossa Senhora da
Glória, Pinhão, Frei Paulo, Alagadiço, Gararú, Aquidabã, Saco da Ribeira
(Ribeirópolis), Monte Alegre, Canindé e Capela, onde a célebre chegada do
malfazejo é contada até hoje, foram cidades testemunhas da aventura cangaceira.
E muitos ainda recordam desse tempo sinistro. O nome de Zé Baiano, com seu
ferro em brasa, que deixou marcas indeléveis no corpo de algumas mulheres ainda
causa repulsa na imagem evocada.
Lampião foi
senhor absoluto do seu tempo. Enquanto uns o consideravam um facínora impiedoso
e sanguinário, capaz das piores atrocidades, outros lhe atribuíam qualidades,
tais como, caridoso, sábio, bondoso, justo, educado, refinado, artista etc.
Porém, historiadores e pesquisadores respeitados pela seriedade de seus
trabalhos, são unanimes quando reconhecem no capitão a astúcia de um
guerrilheiro, o tino estratégico e inteligência de um militar experimentado.
Implacável quando se tratava de vingança e autoafirmação. Benevolente quando
precisava de proteção, exercia liderança absoluta sobre seus comandados, o que
lhe permitiu sobreviver, lutando sempre em desvantagem, sendo vencido apenas
pela traição.
A derrota, mais cedo ou mais tarde haveria de chegar, e em
Angicos se escreveu a última página dessa dolorosa saga brasileira. Dali
escaparam alguns, que ajudaram a perpetuar a lenda. Corisco, alcunhado de
“Diabo Louro”, ausente no combate final, responsabilizou-se pelo funesto
epílogo, promovendo como vingança mais mortes brutais pela região. Consta que a
morte de Lampião em 28 de julho de 1938 não significou o fim do cangaço, a
esperança de sua continuidade findou-se com Corisco no dia 25 de maio de 1940.
Corisco, o Diabo
Louro
Pesquisador e
acadêmico de Museologia da Universidade Federal de Sergipe, estagiário do Museu
Histórico de Sergipe/SECULT.
E-mail: carlos_braz@globo.com
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA
MACIEL,
Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado. 2ª edição. Ed. Vozes.
Petrópolis, 1982. (volumes IV e VI)
FERREIRA NETO,
Cincinato. A misteriosa vida de Lampião. Fortaleza: Premius, 2008.
RAMOS,
Graciliano. Viventes das Alagoas. 8ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1962.
FONTE:
http://museuhsergipe.blogspot.com.br/search/label/Lampi%C3%A3o
http://museuhsergipe.blogspot.com.br/search/label/Lampi%C3%A3o
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