Por Anildomá
Willans de Souza
(Extraído do livro LAMPIÃO. NEM HERÓI NEM BANDIDO. A HISTÓRIA, de Anildomá Willans de Souza)
E o poeta
popular, nas feiras, sentado num tamborete, na porta de uma bodega, de uma
mercearia ou debaixo de um pé de pau qualquer no meio de uma praça ou numa
esquina, empunhava sua viola, agitando as cordas, entoava, para dezenas de
matutos, entoava os seguintes versos, que são atribuídos a autoria ao próprio
Lampião. Apesar de pouca leitura era um verdadeiro vate cangaceiro. Sua poesia
se iguala à de qualquer um outro poeta de nossa literatura, com métrica, rimas
e mensagem. Lampião era artista no rifle e na viola. Vejamos:
Me juntei a
Sebastião Pereira
Companheiro de
desgraça
Quis queimar o
Pajeú
Pra ver
subindo a fumaça
Conheci que
era valente
Pois Lampião
não desmente
O brio da sua
raça
Eu me chamo
Virgolino
Por alcunha
Lampião
Sou cangaceiro
afamado
Em todo alto
sertão
Não levo em conta o
inimigo
E não encaro
perigo
Estando de
arma na mão
A chupeta que
carrego
É o rifle e
cartucheira
O leite é bala
de chumbo
Muito veloz e
certeira
Quem se julga
pedra rocha
Venha ver se aguenta
brocha
De Virgolino
Ferreira
Nesse Pajeu
das Flores
Fiz meu centro
de ação
Sou senhor
absoluto
De todo este
sertão
Aqui quem
quiser passar
Precisa de
apresentar
Licença de
Lampião
Quando pensei
que podia
O caso estava
sem jeito
Vou dar
trabalho ao governo
Enfrentar de
peito a peito
Vou trocar
bala sem receio
Morrendo num
tiroteio
Sei que morro
satisfeito
Meu mano
Antônio Ferreira
Cai na luta
sem receio
Livino por sua
vez
Não teme
combate feio
Gosto de fazer
zuada
Mas assombra a
macacada
Quando cai no
tiroteio
Eu, Antônio e
Livino
Andamos pelo
sertão
Soldado que
nos enfrentar
Dá frio no
coração
Porque já sabe
que corre
E se for
teimoso morre
Vai morar
dentro do chão
Por minha
felicidade
Entrei nessa
triste vida
Não gosto nem
de contar
A minha
história sentida
A desgraça
enche meu rosto
Em minha alma
entra um desgosto
Meu peito é
uma ferida
Quando me
lembro senhores
Do meu tempo
de inocente
Que brincava
nos serrados
Do meu sertão
sorridente
Sinto que meu
coração
Magoado dessa
paixão
Bate e chora
amargamente
Meu pai, minha
mãe querida
Quiseram me
ensinar
No seu colo
carinhoso
Ela me ensinou
a rezar
E a todos
respeitar
Ele me ensinou
nos campos
Eu menino a
trabalhar
Cresci na casa
paterna
Quis ser um
homem de bem
Viver do meu
trabalho
Sem ser pesado
a ninguém
Fui almocreve
na estrada
Fui até bom
camarada
E tive amigos
também
Tive também
meus amores
Cultivei minha
paixão
Amei uma flor
mimosa
Filha lá do
meu sertão
Sonhei em
gozar a vida
Bem junto à
prenda querida
A quem dei meu
coração
Hoje sei que
sou bandido
Como todo
mundo diz
Porém já fui
venturoso
Passei meu
tempo feliz
Quando no colo
materno
Gozei do
carinho terno
De quem tanto
bem eu quis
Meu rifle
atira cantando
Em compasso
assustador
Faz gosto
brigar comigo
Por que sou
bom cantador
Quando meu
rifle trabalha
Minha voz
longe se espalha
Zombando do
próprio horror
Nunca pensei
que na vida
Fosse preciso
brigar
Apesar de ter
intrigas
Gostava de
trabalhar
Mas hoje sou
cangaceiros
E enfrentarei
o balseiro
Até alguém me
matar!
É comum escutarmos
que Virgolino resolveu ser cangaceiro para vingar a morte do seu pai.
A verdade é
que ele assumiu a condição de cangaceiro para tal vingança - no ano
de 1920, dois dias após o assassinato, numa reunião com os irmãos, ao redor do
túmulo dos pais, no cemitério de Santa Cruz do Deserto - mas que antes - desde
1916 - já tinha questões com os vizinhos.
Esclarecemos
que as confabulâncias através de carta entre Zé Saturnino e o comandante de
volante José Lucena, que resultaram na morte de José Ferreira, foi uma
questão de desacerto, um erro grave, pois os alvos eram os filhos -
destacadamente Virgolino, Antonio e Livino - e não o pai. Isto irritou por
demais os mandantes. Sabiam que a vítima tombou inocente, sem a mínima culpa
das presepadas dos três rapazes. Ainda hoje os parentes do primeiro inimigo de
Lampião lamentam o fato
1 - Saltou pra
dentro da história com o nome de Zé Saturnino da Pedreira e sendo o primeiro
inimigo de Lampião. Nasceu no dia 20 de maio de 1894 e faleceu no dia 05 de
agosto de 1980, às 22 horas. Foi sepultado no cemitério da Serra Vermelha.
(Extraído do
livro LAMPIÃO. NEM HERÓI NEM BANDIDO. A HISTÓRIA, de Anildomá Willans de Souza)
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