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terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

HISTÓRIAS DO CANGAÇO – RUMO AO MASSACRE DE ANGICO - PARTE FINAL

Por Anildomá Willans de Souza

(Extraído do livro LAMPIÃO. NEM HERÓI NEM BANDIDO. A HISTÓRIA, de Anildomá Willans de Souza)

E o poeta popular, nas feiras, sentado num tamborete, na porta de uma bodega, de uma mercearia ou debaixo de um pé de pau qualquer no meio de uma praça ou numa esquina, empunhava sua viola, agitando as cordas, entoava, para dezenas de matutos, entoava os seguintes versos, que são atribuídos a autoria ao próprio Lampião. Apesar de pouca leitura era um verdadeiro vate cangaceiro. Sua poesia se iguala à de qualquer um outro poeta de nossa literatura, com métrica, rimas e mensagem. Lampião era artista no rifle e na viola. Vejamos:

Me juntei a Sebastião Pereira
Companheiro de desgraça
Quis queimar o Pajeú
Pra ver subindo a fumaça
Conheci que era valente
Pois Lampião não desmente
O brio da sua raça

Eu me chamo Virgolino
Por alcunha Lampião
Sou cangaceiro afamado
Em todo alto sertão
Não levo em conta o inimigo
E não encaro perigo
Estando de arma na mão

A chupeta que carrego
É o rifle e cartucheira
O leite é bala de chumbo
Muito veloz e certeira
Quem se julga pedra rocha
Venha ver se aguenta brocha
De Virgolino Ferreira

Nesse Pajeu das Flores
Fiz meu centro de ação
Sou senhor absoluto
De todo este sertão
Aqui quem quiser passar
Precisa de apresentar
Licença de Lampião

Quando pensei que podia
O caso estava sem jeito
Vou dar trabalho ao governo
Enfrentar de peito a peito
Vou trocar bala sem receio
Morrendo num tiroteio
Sei que morro satisfeito

Meu mano Antônio Ferreira
Cai na luta sem receio
Livino por sua vez
Não teme combate feio
Gosto de fazer zuada
Mas assombra a macacada
Quando cai no tiroteio

Eu, Antônio e Livino
Andamos pelo sertão
Soldado que nos enfrentar
Dá frio no coração
Porque já sabe que corre
E se for teimoso morre
Vai morar dentro do chão

Por minha felicidade
Entrei nessa triste vida
Não gosto nem de contar
A minha história sentida
A desgraça enche meu rosto
Em minha alma entra um desgosto
Meu peito é uma ferida

Quando me lembro senhores
Do meu tempo de inocente
Que brincava nos serrados
Do meu sertão sorridente
Sinto que meu coração
Magoado dessa paixão
Bate e chora amargamente

Meu pai, minha mãe querida
Quiseram me ensinar
No seu colo carinhoso
Ela me ensinou a rezar
E a todos respeitar
Ele me ensinou nos campos
Eu menino a trabalhar

Cresci na casa paterna
Quis ser um homem de bem
Viver do meu trabalho
Sem ser pesado a ninguém
Fui almocreve na estrada
Fui até bom camarada
E tive amigos também

Tive também meus amores
Cultivei minha paixão
Amei uma flor mimosa
Filha lá do meu sertão
Sonhei em gozar a vida
Bem junto à prenda querida
A quem dei meu coração

Hoje sei que sou bandido
Como todo mundo diz
Porém já fui venturoso
Passei meu tempo feliz
Quando no colo materno
Gozei do carinho terno
De quem tanto bem eu quis

Meu rifle atira cantando
Em compasso assustador
Faz gosto brigar comigo
Por que sou bom cantador
Quando meu rifle trabalha
Minha voz longe se espalha
Zombando do próprio horror

Nunca pensei que na vida
Fosse preciso brigar
Apesar de ter intrigas
Gostava de trabalhar
Mas hoje sou cangaceiros
E enfrentarei o balseiro
Até alguém me matar!

É comum escutarmos que Virgolino resolveu ser cangaceiro para vingar a morte do seu pai.

A verdade é que ele assumiu a condição de cangaceiro para tal vingança - no ano de 1920, dois dias após o assassinato, numa reunião com os irmãos, ao redor do túmulo dos pais, no cemitério de Santa Cruz do Deserto - mas que antes - desde 1916 - já tinha questões com os vizinhos.

Esclarecemos  que as confabulâncias através de carta entre Zé Saturnino e o comandante de volante José Lucena, que resultaram na morte de  José Ferreira, foi uma questão de desacerto, um erro grave, pois os alvos eram os filhos - destacadamente Virgolino, Antonio e Livino - e não o pai. Isto irritou por demais os mandantes. Sabiam que a vítima tombou inocente, sem a mínima culpa das presepadas dos três rapazes. Ainda hoje os parentes do primeiro inimigo de Lampião lamentam o fato


1 - Saltou pra dentro da história com o nome de Zé Saturnino da Pedreira e sendo o primeiro inimigo de Lampião. Nasceu no dia 20 de maio de 1894 e faleceu no dia 05 de agosto de 1980, às 22 horas. Foi sepultado no cemitério da Serra Vermelha.

(Extraído do livro LAMPIÃO. NEM HERÓI NEM BANDIDO. A HISTÓRIA, de Anildomá Willans de Souza)

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