Por Rangel Alves
da Costa*
Não faz muito
tempo que neste mesmo espaço escrevi um texto intitulado “Queiramos a velhice”.
Abordei acerca da velhice enquanto processo normal na vida humana e de sua
compreensão como um tempo aonde os horizontes da existência vão sendo cada vez
mais ampliados, e assim pela idade como acúmulo de experiências e sabedoria.
Pretendo agora mostrar esse período da existência na perspectiva daquele que
ainda não alcançou tal estágio de vida.
Inicio, então,
afirmando que a vida nunca se mostra tão pesarosa e difícil que as pessoas não
desejem ardentemente chegar à velhice. Nega a si mesmo quem afirmar o
contrário. É propósito de cada um caminhar em cima de pedras, enfrentar as
tocaias e trincheiras, pular as barreiras e vencer labirintos, mesmo suportar
os terríveis desertos do ser humano, somente para chegar mais adiante e viver
esse percurso final da existência.
Aquele que
ainda lá não chegou muito diverge na sua concepção de velhice. Para muitos,
apenas passagem para uma nova infância. Para outros, o temor pelas adversidades
que surgem. A infância olha para a velhice e pergunta se vale a pena um dia ter
tão majestosamente vivido, entre doces e brincadeiras, para mais tarde ter que
se contentar com a fragilidade e a incerteza e, muitas vezes, com a solidão, o
abandono e a tristeza.
A juventude
olha para a velhice e pergunta se as lições juntadas naqueles anos todos e
tantos ensinamentos aprendidos não servem para aumentar a certeza de que pouco
valeu a pena ter lutado tanto, suado tanto, se desgastado tanto, para guardar
como relíquia de toda a existência somente um documente dizendo que é maior de
65 anos e que, por isso mesmo, tem alguns direitos e prerrogativas.
O adulto olha
para a velhice num misto de espanto e vontade de alcançar aquele mesmo
percurso. E, sem saída diante daquele espelho enevoado e envelhecido que já
parece ter a sua feição, é forçado a se perguntar se será possível chegar
aquele estágio de vida com a mesma força e vigor que tanto festeja no corpo,
sem ter que se submeter aos problemas que o ser vai tendo de suportar quanto
maior for a caminhada.
Aquele que
vive na trajetória final da maturidade e sem querer sua mão se estende para
abrir a porta da velhice, não resta outra coisa a dizer senão pedir para
entrar. O rosto e o corpo já com as marcas do tempo, os olhos sem o brilho de
anos passados, os sonhos esquecidos porque não alcançados e desesperança
brotando como tudo o que resta, certamente buscará amparo naquela porta. E com
sorte ouvirá uma voz chamando a entrar. Fortuna dos que chegam diante dela, dos
que nela podem entrar.
Não são poucos
os que avistam a velhice como uma casa velha, desmoronando, caindo aos pedaços.
E sequer passam perto temendo serem atingidos pelas velharias. Caminhando vão
sem perceber que noutra casa não será sua moradia acaso o tempo permita.
Seguindo vão sem que seus olhos tenham percebido algo muito estranho de existir
numa casa tão velha: um belo jardim florido, um sorriso festivo debruçado á
janela, um canto de pássaro cheio de alegria e contentamento.
Como visto,
além do muro ou da porta da velhice, onde primeiro se enxerga o desgastado, há
uma estação que nunca definha por desejo próprio. A velhice, pois, é estação da
vida onde tudo que brota é de plenitude. Maior conhecer a vida, maior sede de
vivê-la e maior ânsia de fazer aquilo que o passado não deixou e que agora a
experiência e a sabedoria permitem. É o conhecimento que tem como discípulo o
próprio tempo.
Ainda que
chegue a saudade, que a alegria não seja infinita, que o dia amanheça e a noite
venha, e em tudo o tempo e o tempo, ainda assim a velhice que está por trás
daquela fachada é mais feliz do que qualquer outra coisa que os mais jovens
possam imaginar. Isto porque, ao invés de envelhecer, a velhice decidiu que
viver é muito melhor. E por isso que vive mais no tempo que lhe resta viver.
De repente,
passando no lugar nas andanças para caçar passarinho, o menino se vê diante da
casa da velhice e se assusta, e logo quer correr para longe dali. Afinal, quem
é que não tem medo da velhice, pensa ele. Mas para e fica diante da casa
imaginando e nem sabe o que está acontecendo lá dentro. Ai se soubesse!...
Que venham
sonata e valsa que ela quer dançar. Nem venha a tristeza que ela não está.
Dança ao som do vento e estonteia o tempo que foge espantado. Solta a voz em
duas notas e chama os passarinhos para a orquestra que não quer parar. E uma
brisa perfumada avança, uma antiga canção ecoa maravilhosa, as flores do jardim
invadem e toda a natureza quer chegar mais perto para brindar aquele momento. O
menino não vê, mas assim acontece lá dentro.
O menino
continua temendo aproximação. Mas haverá um dia que tanto desejará abrir aquela
porta e entrar. Lá dentro, na casa da velhice, perceberá que não há somente uma
cadeira rente à janela e uma porção de remédios, mas um viver encantado. E tão
encantado que se avista a felicidade onde se imagina apenas o sofrimento.
Poeta e
cronista
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