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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

AINDA SOBRE A VELHICE

Por Rangel Alves da Costa*

Não faz muito tempo que neste mesmo espaço escrevi um texto intitulado “Queiramos a velhice”. Abordei acerca da velhice enquanto processo normal na vida humana e de sua compreensão como um tempo aonde os horizontes da existência vão sendo cada vez mais ampliados, e assim pela idade como acúmulo de experiências e sabedoria. Pretendo agora mostrar esse período da existência na perspectiva daquele que ainda não alcançou tal estágio de vida.

Inicio, então, afirmando que a vida nunca se mostra tão pesarosa e difícil que as pessoas não desejem ardentemente chegar à velhice. Nega a si mesmo quem afirmar o contrário. É propósito de cada um caminhar em cima de pedras, enfrentar as tocaias e trincheiras, pular as barreiras e vencer labirintos, mesmo suportar os terríveis desertos do ser humano, somente para chegar mais adiante e viver esse percurso final da existência.

Aquele que ainda lá não chegou muito diverge na sua concepção de velhice. Para muitos, apenas passagem para uma nova infância. Para outros, o temor pelas adversidades que surgem. A infância olha para a velhice e pergunta se vale a pena um dia ter tão majestosamente vivido, entre doces e brincadeiras, para mais tarde ter que se contentar com a fragilidade e a incerteza e, muitas vezes, com a solidão, o abandono e a tristeza.

A juventude olha para a velhice e pergunta se as lições juntadas naqueles anos todos e tantos ensinamentos aprendidos não servem para aumentar a certeza de que pouco valeu a pena ter lutado tanto, suado tanto, se desgastado tanto, para guardar como relíquia de toda a existência somente um documente dizendo que é maior de 65 anos e que, por isso mesmo, tem alguns direitos e prerrogativas.

O adulto olha para a velhice num misto de espanto e vontade de alcançar aquele mesmo percurso. E, sem saída diante daquele espelho enevoado e envelhecido que já parece ter a sua feição, é forçado a se perguntar se será possível chegar aquele estágio de vida com a mesma força e vigor que tanto festeja no corpo, sem ter que se submeter aos problemas que o ser vai tendo de suportar quanto maior for a caminhada.


Aquele que vive na trajetória final da maturidade e sem querer sua mão se estende para abrir a porta da velhice, não resta outra coisa a dizer senão pedir para entrar. O rosto e o corpo já com as marcas do tempo, os olhos sem o brilho de anos passados, os sonhos esquecidos porque não alcançados e desesperança brotando como tudo o que resta, certamente buscará amparo naquela porta. E com sorte ouvirá uma voz chamando a entrar. Fortuna dos que chegam diante dela, dos que nela podem entrar.

Não são poucos os que avistam a velhice como uma casa velha, desmoronando, caindo aos pedaços. E sequer passam perto temendo serem atingidos pelas velharias. Caminhando vão sem perceber que noutra casa não será sua moradia acaso o tempo permita. Seguindo vão sem que seus olhos tenham percebido algo muito estranho de existir numa casa tão velha: um belo jardim florido, um sorriso festivo debruçado á janela, um canto de pássaro cheio de alegria e contentamento.

Como visto, além do muro ou da porta da velhice, onde primeiro se enxerga o desgastado, há uma estação que nunca definha por desejo próprio. A velhice, pois, é estação da vida onde tudo que brota é de plenitude. Maior conhecer a vida, maior sede de vivê-la e maior ânsia de fazer aquilo que o passado não deixou e que agora a experiência e a sabedoria permitem. É o conhecimento que tem como discípulo o próprio tempo.

Ainda que chegue a saudade, que a alegria não seja infinita, que o dia amanheça e a noite venha, e em tudo o tempo e o tempo, ainda assim a velhice que está por trás daquela fachada é mais feliz do que qualquer outra coisa que os mais jovens possam imaginar. Isto porque, ao invés de envelhecer, a velhice decidiu que viver é muito melhor. E por isso que vive mais no tempo que lhe resta viver.

De repente, passando no lugar nas andanças para caçar passarinho, o menino se vê diante da casa da velhice e se assusta, e logo quer correr para longe dali. Afinal, quem é que não tem medo da velhice, pensa ele. Mas para e fica diante da casa imaginando e nem sabe o que está acontecendo lá dentro. Ai se soubesse!...

Que venham sonata e valsa que ela quer dançar. Nem venha a tristeza que ela não está. Dança ao som do vento e estonteia o tempo que foge espantado. Solta a voz em duas notas e chama os passarinhos para a orquestra que não quer parar. E uma brisa perfumada avança, uma antiga canção ecoa maravilhosa, as flores do jardim invadem e toda a natureza quer chegar mais perto para brindar aquele momento. O menino não vê, mas assim acontece lá dentro.

O menino continua temendo aproximação. Mas haverá um dia que tanto desejará abrir aquela porta e entrar. Lá dentro, na casa da velhice, perceberá que não há somente uma cadeira rente à janela e uma porção de remédios, mas um viver encantado. E tão encantado que se avista a felicidade onde se imagina apenas o sofrimento.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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