Por Jerdivan
Nóbrega de Araújo
“O que você
vai fazer domingo à tarde?
A Difusora do
Lord Amplificador anunciava o novo LP de Antônio Marcos. As seis faixas seriam
rodadas sem intervalos para em seguida abrir espaço para os ouvintes oferecer
músicas aos corações apaixonados que perambulavam pelas imediações da Praça do
Centenário.
“Preciso saber
o que você vai fazer domingo à tarde.”
O vazio que me
tráz os domingos de hoje, com a televisão ás altura para abafar o meu soluço e
amenizar a minha solidão, me faz lembrar as tardes de domingo daquele Pombal. O
planejamento começava na sexta feira: iríamos tomar banho no rio pela manhã ou
catar Cajá no Araçá? Será que os trapiás e as pinhas que colocamos dentro do
pote lá na Casa de Farinha já estão maduros?
- Hoje, faço
outras indagações:
Será que ainda
existe o trapiá ou Casa de Farinha lá na “Outra Banda”?
Será que mestre Álvaro
ainda faz telhas para aqueles lados?
- Será que eu
ainda existo?
E essa música
de Antônio Marcos que voltou do nada aos meus ouvidos? Será apenas o meu
fantasma me puxando pelas mãos para passear nas ruas de Pombal, em um domingo à
tarde de 1973?
Os domingos à
tarde em Pombal eram únicos. Não me refiro aos domingos pela manhã e sim os
domingos à tarde. Não me lembro se era frio ou se fazia calor insuportável.
Naquele tempo, não tínhamos esta preocupação. As mãos marginais que fugiam, por
entre as grades da velha Cadeia ainda me assustavam, mas, não tínhamos a
preocupação de fechar as portas de casa ao sair para nos divertir nas praças ou
no rio.
Tínhamos o
futebol na calçada da Igreja do Rosário. O São Cristóvão enfrentaria o
Selecionado da Rua dos Pereiros, e a procissão de cachaceiros voltava da beira
do rio fazendo algazarra.
Aos domingos
não tínhamos o vendedor de carvão, que era substituído pelo de Quebra – Queixo.
A Banda tocou uns dobrados no coreto, e os componentes já estão embriagados,
contando farofa.
As crianças
mais privilegiadas eram vistas aprendendo andar de Bicicleta Monareta em volta
da Praça do Centenário. Por que eu não tinha inveja deles? Hoje, eu sempre
quero um carro melhor do que o do meu vizinho. Dona Eliane me encontrava
vadiando na praça central e me alertava para o “dever de casa” que até àquelas
horas eu ainda não havia feito: como ela sabia? A professora sabia da minha
vida!
Uma matinê no
Cine Lux estava na programação. O badalar do Sino da Velha Matriz me convoca,
mas para ele eu nunca dei ouvidos.
- Assumirei esta dívida...
“Por que
chora, à tarde seu pranto entristece o caminho
Por que chora, se tem a beleza do sol e da flor
Por que chora, à tarde sabendo que existe outro dia
E a alegria depois da tormenta, é dia de Sol”
Por que chora, à tarde sabendo que existe outro dia
E a alegria depois da tormenta, é dia de Sol”
Antônio Marcos
continua a inebriar os corações com suas belas melodias e voz entorpecente. Era
outra música que pulava de dentro de mim como se quisesse me arrastar aos
domingos à tarde de Pombal. Por que veio a minha mente duas músicas que falam
de tardes memorosas? O que há dentro de mim que não me deixa em paz, trazendo
de volta algo que preciso esquecer?
“Por que
chora, à tarde no rio salpicando o seu leito
Por que chora, gritando ao vento angústias e dor
É que à tarde já sabe que alguém carregou meu carinho
“Eu compreendo que também a tarde, soluça de amor.”
Por que chora, gritando ao vento angústias e dor
É que à tarde já sabe que alguém carregou meu carinho
“Eu compreendo que também a tarde, soluça de amor.”
Não posso
querer de volta o Cine Lux, o Circo Continental ou as partidas de futebol do
São Cristóvão. Não me é de direito exigir que o tempo não passe para mim, se
não é possível parar também para os outros. Se o fantasma que habita a minha
lembrança trouxe de volta as tardes de domingo de Pombal, fazendo ressurgir em
minha mente as fisionomias jovens dos meus amigos; amigos que hoje carregam o
peso do mundo em suas costas, não é justo que eu tenha isto só para mim.
“A tarde está
chorando por você
Por que assiste a solidão no meu caminho
A tarde entristeceu junto comigo
E eu preciso desta tarde como abrigo”
Por que assiste a solidão no meu caminho
A tarde entristeceu junto comigo
E eu preciso desta tarde como abrigo”
Eu choro pelos
amigos e pelas paisagens da minha cidade. Choro pelos escombros do Cine Lux e
dos velhos sobrados. Choro pelos amigos aquietados nos cemitérios de Pombal. Eu
choro pelos pais e mães que em uma tarde de domingo carregaram os seus filhos
até o último endereço.
“A tarde está
chorando por você
Ela sabe que o amor partiu para sempre
Seus passos vão sumindo pela estrada
E esta chuva faz a tarde tão molhada”
Ela sabe que o amor partiu para sempre
Seus passos vão sumindo pela estrada
E esta chuva faz a tarde tão molhada”
Que não me
venham à mente, nunca mais, as lembranças das tardes de domingo de Pombal. Eu
não preciso deste sofrer gratuito. Eu prefiro esquecer e enterrar junto ao meu
corpo frágil e debilitado pela solidão e saudade as lembranças que tanto quero
de volta.
O que vamos
fazer domingo à tarde?
Enviado
pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de
Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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