*Rangel Alves
da Costa
Bastião
continuava contando seus causos e ninguém levantava para se retirar. Todo mundo
se entusiasmava com os proseados sertanejos e se deleitava com uma história
atrás da outra. Logicamente que algumas despertavam mais a atenção,
principalmente quando envolvia coisas do outro mundo, mas todas igualmente
interessantes.
Por falar em
coisas do outro mundo, além daquele causo já relatado em postagem anterior,
onde Bastião se deparou talvez com gente já sem vida no meio da noite, outra
contação despertou muita vigilância. Disse Bastião de todo tipo de coisa
estranha que aparece pelas beiradas dos rios ou mesmo dentro das águas. Todo
pescador já se deparou com coisas inexplicáveis e de deixar o cabelo em pé.
O que mais se
avista são luzes que vão acompanhando, na margem, o barquinho de pesca, as
canoas e todos os tipos de embarcações. Quando o canoeiro está sozinho, então a
coisa desanda ainda mais. Além de ter aquela luz estranha e desconhecida
seguindo os passos, não é difícil que de repente o facho luminoso suba pelas
águas e vá em direção à canoa, ou mesmo repentinamente aparecendo bem ao lado
do já estremecido pescador. Quem não tem medo de uma aparição assim?
Sem falar nos
ruídos terríveis, nos barulhos, nos verdadeiros batins que despontam das
margens ou das pedras grandes e abrem vagas arrepiantes no meio das águas. Às
vezes são bichos, cágados, capivaras e outros mais, até mesmo peixes, mas
outras vezes não. Dizia Bastião que não podia dizer se tratar de nego d’água
por que nunca tinha visto o tal negrinho fazendo estripulia para assustar
pescador, apenas ouvido falar de sua existência. Mas que era coisa muito
estranha e que somente rio sabe o que significa.
Perguntado se
ele próprio já havia avistado o barquinho dos mortos, aquele mesmo tão
conhecido na região ribeirinha e que passava no meio da noite levando velas
acesas, a resposta foi negativa. Ele mesmo nunca havia avistado, mas também não
podia dizer que era invencionice, pois sabia que tudo era possível de acontecer
dentro das águas de um rio e suas margens. Conhecia muitos pescadores e todos
eles sempre tinham uma história assombrosa para contar, e que não podia deixar
de acreditar, pois ele próprio testemunha de muita coisa inexplicável.
Dizia Bastião
que também os encantamentos são muitos, que coisas muito estranhas acontecem
que deixam o pescador sem ao menos saber onde está, ainda que não tenha se
afastado muito de sua margem de partida. Teve um que maluqueceu de vez. Saiu
com sua canoinha de pesca e foi preciso que outros pescadores fossem recolhê-lo
sem saber onde estava. E também estava desajuizado, dizendo coisa com coisa,
que precisava descer às águas para atender um chamado. Nunca mais foi o mesmo,
o coitado.
Sendo homem de
pescaria e caçada, Bastião afirma ter muita saudade daqueles tempos onde as
águas não deixavam retornar de mãos vazias. Um tempo onde embarcações navegavam
levando imensos peixes presos em grandes anzóis, como uma vaqueirama puxando
boiada. E certa feita, no meio da noite, ele deixou sua canoa na beirada e
subiu a serra de espingarda à mão para uma caçada. Ao retornar, avistou seu
barco sendo arrastado para a areia. Mas nenhuma alma viva estava por ali para
desprender tanta força.
Doutra feita,
também no meio do breu, ele estava perto de uma beirada quando ouviu uns passos
cortando as águas. O cachorro recuou, não tinha jeito de querer saber do que se
tratava mais adiante. Que peste é isso, perguntou-se assustado. De repente os
passos saíram da água e começaram a roçar a mataria ao redor, bem pertinho de
onde ele estava. O cachorro se mijava todo e ele sem saber o que fazer. Um
único jeito que encontrou foi apontar o facho da lanterna naquela direção.
Quando a luz
cortou o tufo do mato, eis que avistou uma onça preta. Então logo lembrou que
era uma danada daquela cor que vinha aterrorizando aquela região, matando
bezerro e todo tipo de animal, e que meio mundo de caçador já esteve em seu
encalço sem conseguir derrubá-la. E agora ela ali tão perto e perigosa.
Sozinho, não adiantava enfrentá-la, pois se errasse o tiro era morte certa. Ela
avançaria certeira. Então resolveu não esperar o pior e se danou a fugir por
cima de tudo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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