*Rangel Alves
da Costa
Alguns
escritos tentam a todo custo desmitificar a lenda. Não só a lenda como a
verdade. E afirmar que o avestruz não enfia a cabeça no buraco é a mais
deslavada mentira. Não que escave o buraco, mas encontrando um pela frente logo
vai enfiando a cabeça seja para escondê-la ou não.
Os ditos
estudiosos querem, na verdade, transformar uma realidade natural em algo
aparente. É a tal da cientificidade querendo sempre se sobrepor à lógica dos
fatos observáveis. Não soa como plausível dizer que a ave dobra seu pescoço
sobre a terra para sentir vibrações e a presença de outros animais, e por isso
mesmo parece estar com a cabeça enfiada em buraco.
Também não
engana ninguém afirmar que o avestruz baixa seu pescoço rente ao solo para que
o predador, ao avistar somente suas penas elevadas, pense estar diante de uma
pedra ou de um arbusto. Apenas uma invenção explicativa, vez que agindo assim
certamente ele ficaria muito mais exposta e desprotegida. E por que não correr
logo, vez que possui grande velocidade, se contentando apenas em deixar o rabo
à mostra?
Não se pode
fugir da verdade. O avestruz esconde sua cabeça sim no buraco que encontrar. O
seu pescoção de cabeça fina não pode encontrar uma fundura que vai se
escondendo lá dentro. E não é para se esconder de predador coisíssima nenhuma,
mas por outros motivos que somente a espécie pode dizer. Como não fala, então
se imagina a motivação: qualquer outro tipo de fuga.
O avestruz é
uma ave alta, a maior da terra, toda imponente, sempre majestosa no seu jeito
de andar, mas com o aludido e peculiar costume: gostar de esconder a cabeça em
buracos. Por fora, a sua penugem bela, o seu porte altaneiro, mas com a cabeça
escondida. O que sua cabeça faz lá dentro pouco importa, mas que se mantém
escondida do mundo lá fora.
Tão esbelto é
o avestruz que mais parece uma modelo empertigada na passarela. Caminha como de
salto alto e sempre se exibindo, mas de repente e afunda a cabeça em buraco.
Depois se avista somente as pernas nuas e a plumagem em situação desconfortável
e esquisita pela sua cabeça escondida.
E por que age
assim o avestruz? Como dito, inaceitável a explicação segundo a qual a ave
nunca agiu desse modo. Também incabível a afirmação de que apenas baixa parte
do pescoço rente ao chão e por isso dá a aparência de estar com a cabeça dentro
de buraco. Longe de ser coisa de desenho animado, fato é que faz do buraco que
encontra um tipo de fuga à realidade.
Uma avestruz
com cabeça enfiada em buraco é o próprio ser humano em fuga da realidade. Neste
passo é aonde se chega ao chamado complexo de avestruz: uma situação humana, à
imitação da ave, onde as fugas e os medos são escondidos pelo temor de
enfrentá-los. Em determinadas situações, a pessoa prefere se manter escondida a
enfrentar a realidade. Mesmo sabendo que nada resolverá com a fuga, ainda assim
prefere fingir a si mesma.
Não raro que o
ser humano prefira o quarto fechado à porta da frente, prefira a escuridão à
luz, prefira o fingimento à realidade. Todo problema surgido, ao invés do
encorajamento para enfrentá-lo, logo corre ao buraco mais próximo para se
esconder. Então começa chorar, a se martirizar, a buscar impossíveis soluções
pelo sofrimento. Às vezes, tudo muito fácil de ser resolvido, de ser
enfrentado, mas permanecendo como ameaça pelas fraquezas da alma.
Assim como faz
a avestruz, fingindo uma segurança tendo deixado todo o restante do corpo
exposto, igualmente no ser humano. Não adianta se esconder em buracos quando os
problemas continuam lá fora. Neste momento há de se transformar em outro
animal, até mesmo feroz, e contra-atacar com todas as forças que possuir. E
assim por que os problemas somente são vencidos quando a pessoa não recua por
medo e, ao invés disso, devora-o completamente.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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