Por Monteiro Lobato
BBC.com
UM HOMEM DE
CONSCIÊNCIA
Chamava-se
João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e
lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para
João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.
Nunca
fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por
muito tempo não quis nem sequer o que todos queriam: mudar-se para terra
melhor.
Mas
João Teodoro acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua
Itaoca.
–
Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons – agora
só um, e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um
rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A
gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está
se acabando…
João
Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava
dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha
mesmo conserto ou arranjo possível.
–
É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que
Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então eu arrumo a trouxa e boto-me
fora daqui.
Um
dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado.
Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado,
ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava
capaz de nada…
Ser
delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais
importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que
vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava
ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!
João
Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e
arrumando as malas. Pela madrugada, botou-as num burro, montou no seu cavalinho
magro e partiu.
Antes
de deixar a cidade, foi visto por um amigo madrugador.
–
Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
–
Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao
fim.
–
Mas como? Agora que você está delegado?
–
Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro.
Adeus.
E
sumiu.
(Monteiro
Lobato, CIDADES MORTAS. 12a Edição. São Paulo, Editora Brasiliense,
1965)
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