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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

SÓ ENQUANTO NÃO VEM CANGAÇO - UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA

Por Monteiro Lobato
BBC.com

UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA
     
Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.
     
Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos queriam: mudar-se para terra melhor.
     
Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua Itaoca.
     
– Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons – agora só um, e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando…
     
João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.
     
– É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então eu arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.
     
Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada…
     
Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!
     
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada, botou-as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu.
     
Antes de deixar a cidade, foi visto por um amigo madrugador.
     
– Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
     
– Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
     
– Mas como? Agora que você está delegado?
     
– Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus.
     
E sumiu.

(Monteiro Lobato, CIDADES MORTAS. 12a Edição. São Paulo,   Editora Brasiliense, 1965)

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