*Rangel Alves
da Costa
Gosto de
músicas de um repertório mais antigo, que possuem sentido e profundidade nos
versos e plangência na melodia. Canções que ao ouvir logo despertam
sentimentos, relembranças, saudades.
Gosto de ouvir
canções que chegam como retratos, bilhetes, feições. Músicas com tamanha força
na interpretação, na letra, na instrumentalidade e na melodia, que balançam
sozinhas a rede de dormir, que embaçam as vidraças em noites chuvosas, que
fazem o coração mais pulsante e os olhos molhados de tanta saudade.
A cada canção
ouvida é como se uma viagem fosse feita no pensamento. Canção que vai abrindo
porta, que vai chamando o nome de alguém, que vai em busca dos braços para o
abraço, dos lábios para beijar, do olhar para sentir o amor.
Ou mesmo
canções que relembrem momentos mais entristecidos e mais dolorosos. Não que
sejam temas de angústias e aflições, mas por que fazem recordar instantâneos da
vida que tanto procuramos esquecer. Assim como um amor perdido, assim como um
adeus forçado, assim como um tempo bom que não volta mais.
“Espere por
mim, morena, espere que eu chego já, o amor por você, morena, faz a saudade me
apressar. Tire um sono na rede, deixe a porta encostada, que o vento da
madrugada já me leva pra você. E antes de acontecer, o sol a barra vir quebrar,
estarei nos teus braços para nunca mais voar...”.
Espere por
mim, morena, de Gonzaguinha, é uma das canções assim, que fazem viajar, que
transformam o instante em realidades outras num tempo de amor e de aconchego. É
como se a pessoa estivesse confessando uma saudade grande ao seu amor e dizendo
que tamanha é a aflição pela distância que se pudesse voaria ao seu encontro.
“Foi assim,
como ver o mar, a primeira vez que meus olhos se viram no seu olhar. Não tive a
intenção de me apaixonar, mera distração e já era momento de se gostar. Quando
eu dei por mim, nem tentei fugir do visgo que me prendeu dentro do seu olhar.
Quando eu mergulhei no azul do mar sabia que era amor, e vinha pra ficar. Daria
pra pintar todo azul do céu, dava pra encher o universo da vida que eu quis pra
mim. Tudo que eu fiz foi me confessar escravo do seu amor, livre pra amar”.
“Todo azul do
mar”, principalmente na voz de Flávio Venturini, é uma daquelas canções cuja
leveza e plangência nos fazem verdadeiramente voar. No pensamento logo surge o
olhar da pessoa amada, e no olhar o brilho amoroso e encantador, motivo maior
para despertar a paixão. E quando esse olhar está distante, então tudo surge
como um espelho que se deseja transpor para alcançar aquele azul de mar
novamente.
“Na primeira
manhã que te perdi, acordei mais cansado que sozinho. Como um conde falando aos
passarinhos, como uma bumba-meu-boi sem capitão. E gemi como geme o arvoredo,
como a brisa descendo das colinas, como quem perde o prumo e desatina, como um
boi no meio da multidão. Na segunda manhã que te perdi, era tarde demais pra
ser sozinho. Cruzei ruas, estradas e caminhos como um carro correndo em
contramão. Pelo canto da boca num sussurro fiz um canto demente, absurdo. O
lamento noturno dos viúvos, como um gato gemendo no porão. Solidão”.
“Na primeira
manhã”, de Alceu Valença, é hino à solidão depois do amor desfeito. Aquele que
tanto amou e de repente se viu distanciado do seu bem querer, certamente
encontrará na letra dessa música todo o doloroso percurso do desamor. Na
música, uma fiel descrição de como acordar sem ter ao lado a pessoa amada,
vendo-se desnorteado pela vida e amargando os passos errantes da incerteza de
si mesmo.
São canções
assim que gosto de ouvir. Sofro sim, até sinto um lacrimejar. Mas também é
quando reencontro os olhares e as feições, os lábios e o corpo, daquilo que
tanto valeu a pena na vida. Entre o amor e a dor, entre a saudade e o
sofrimento, assim também a certeza do já vivido.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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