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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

ADEUSES

*Rangel Alves da Costa

O adeus, quando deixando marcas no coração de quem fica, já é motivo suficiente para o entristecimento e a desesperança. Adeuses desejando retorno, adeuses sem ao menos imaginar a possibilidade de reencontro, adeuses chorosos e lacrimejantes pela certeza de ter sido aquela a última visão. E na partida, apenas a distância de uma estrada e uma porta que talvez nunca mais seja aberta para o reencontro, o olhar e o abraço.
Mas também há outros adeuses nos instantâneos da vida. Pessoas que passam, cativam no olhar, sorriem com a alma, mas já vão seguindo adiante para um nunca mais. E no vulto sumindo, nos passos sumindo, apenas a vontade de reencontrar. Revoadas assim todos os dias. Como pessoas e pássaros de arribação que vão sumindo em adeuses pelos horizontes.
De repente me vejo imaginando sobre situações aonde os breves encontros já chegam acompanhados de adeuses. Pessoas são avistadas, olhadas, diferenciadas pelo olhar, causando boas e estranhas sensações, trazendo consigo algum tipo de relembrança, mas num instante já desaparecem em meio aos outros ou nas distâncias da estrada.
Com as folhas mortas também acontece assim. E igualmente com borboletas, colibris e flores da estação. Tudo surge num instante para não mais serem avistados. As folhas passam em voo pela janela dizendo adeus. Em época primaveril, os visitantes chegam a voar pelo quarto, a pousar no umbral da janela, a fazer rasantes sobre o umbro e a cabeça, como se fizessem um carinho de despedida.
Pessoas existem que surgem diante do olhar de modo espantosamente diferenciado. Ao encontrá-las é como as estivessem apenas reencontrando, pois de feições aparentemente conhecidas de algum lugar, de algum passado, de alguma outra situação de vida. Olhar no olhar, e tudo parecendo em comunhão espiritual. Contudo, de repente passam, seguem, vão embora sem uma palavra sequer.
Em meio à multidão, numa rua qualquer de capital, de repente o olhar divisa outro olhar na distância. Há muitos olhos ao lado, nas proximidades, mas o olho encontra exatamente um de alguém que está meio à floresta de gente. Aproxima-se um pouco mais, mas ao chegar mais próxima tem a certeza que não conhece aquela pessoa. Contudo, tem máxima certeza que a conhece de algum lugar, de um algum instante de vida. Mas de onde?
Também é muito comum que o olho se espante ante o avistado. Surgem cenas tão impressionantemente marcantes que a pessoa sequer deseja se desapartar daquele instante. Um pedinte numa porta de igreja, uma criança que passa ao lado da mãe e lança um olhar e um sorriso tão profundos que mais parece um presente abençoado. No entanto, ao olhar novamente o menino, já não o encontra mais com a face voltada em olhar e sorriso.
As folhas velhas ou fragilizadas pelas ventanias, já caem dizendo adeus. São lenços que se estendem pelo ar e depois jazem encharcados pelos canteiros. Folhas mortas, enferrujadas, envernizadas de tempo, que pouco tempo atrás vicejavam no alto, simplesmente caindo inertes sobre o leito encharcado de restos de outras folhas. São os adeuses daquilo que um dia foi viço, foi seiva, foi verdor, foi natureza em flor. Mas em partida lenta e melancolicamente poética.
Um velho que dava milho aos pombos na praça do antigo palácio, certa feita me confidenciou uma coisa. Disse o homem em sua sabedoria: Conheço todos os pombos daqui. Sei os que chegam e sei os que partem e não voltam mais. Acostumaram tanto com minha presença que quando aqui chego já os encontro ao redor desse banco. Se o banco está ocupado, sequer se aproximam. E quando vou embora, não demora muito e eles também levantam voo. De repente vou seguindo e um pombo pousa bem no meu ombro.
O pombo adiou sua despedida, seu voo, seu adeus daquele dia. Mas nem sempre acontece assim. Os olhos e o coração testemunham as partidas sem retorno e os adeuses que se eternizam na saudade.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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