Por Alfredo
Bonessi (*)
Juliana
Ischiara, Capitão Alfredo Bonessi e Manoel Severo
Caríssima
Juliana:
Todas as
respostas às suas perguntas serão de minha parte “possivelmente” – não temos
como afirmar com precisão o que realmente aconteceu na madrugada de 28 de julho
de 1938, na Grota de Angicos – Sergipe, onde foram mortos 11 cangaceiros pela
tropa volante comandada pelo Tenente João Bezerra, da Força Alagoana. Quem
estava lá e quem esteve lá, deixou de esclarecer a pura verdade - aquilo que
hoje interessa a todos nós. Temos ainda um volante vivo e dois cangaceiros
vivos (acredito). Os cangaceiros somente contarão a versão deles: onde estavam
no momento do ataque, o que eles fizeram para escapar do tiroteio, depois aonde
aconteceu a reunião do grupo, qual foi lugar, o rumo que cada um tomou depois
dessa reunião e nada mais.
Ainda sobre o
bando do qual pertenciam, se lembrarem de alguma coisa, poderão comentar. Mas
Lampião nunca revelava, por questão de segurança interna do grupo, os segredos
que se foram com ele. Com a morte do chefe, aquela forma de Cangaço se
extinguiu. Restaram, na ocasião, os grupos de Corisco e Dadá, que não
conseguiram levar a diante a forma de cangaço que Lampião manteve no sertão por
mais de 20 anos e outros.
Com a morte de
Corisco, Dadá revelou muito pouco a quem se interessou em saber alguma coisa
sobre o grupo de cangaceiros, ou não foi perguntada. Escondeu verdades com
receio de ser envolvida com a justiça ou mesmo para não envolver as pessoas que
estavam ligadas ao cangaço. De igual forma Balão, Zé Sereno, Vinte e Cinco e
muitos outros que sobreviveram a Angicos, não contaram os seus crimes por
receio de serem presos, ou mesmo de serem mortos por aqueles que antes apoiavam
de uma forma ou de outra os grupos de cangaceiros. Hoje se analisam esses
depoimentos e salta aos olhos as contradições de ambas as partes, tanto de
cangaceiros, como de volantes, bem como daqueles que foram os responsáveis pelo
sucesso do ataque policial à Grota de Angicos.
1. Quais armas
foram usadas em 28 de julho de 38 em Angicos?
As armas que foram usadas foram o fuzil mauser
modelo 1898, 1908, Metralhadora Bergman 24, 32, possivelmente a winchester
44.40, facas, facões e punhais. Ambas as partes em confronto portavam
revólveres em calibres variando do 32 ao 44 e pistolas Luger 7,65, 9mm; - as
armas que entraram em combate na Grota naquela madrugada de 28 de julho de
1938, fizeram parte da listagem das armas objeto da nossa palestra no Cariri
Cangaço II. Por exclusão, possivelmente não tomaram parte na luta, a metralhadora
Hotkiss (beijo quente), o bacamarte, o fuzil chuchu, o manlicher, a conblain.
2. O primeiro
tiro partiu de que tipo de arma? Qual o alcance do projétil e a que distância
se podia ouvir o estampido?
Possivelmente
de um fuzil mauser, calibre 7 mm de um volante. Declino o ano da arma. O
soldado errou o tiro no Cangaceiro Amoroso, imaginamos ser em distância de
menos de 5 metros, e com certeza não deu somente um tiro, deu vários, de igual
maneira todo o grupo de soldados, depois do primeiro tiro, abriu fogo nutrido
em cima de Amoroso, que saiu em desabalada carreira. Amoroso morreu anos depois
de maneira trágica. - o alcance do projétil dessa arma é para 2400 metros. Para
atirar em um homem isolado seu alcance de precisão é de 600 metros. E para um
grupo de homens é de 1200 metros. O tiro de combate em um confronto bélico é de
300 metros. A velocidade da bala é de 700m/s e a força do projétil na boca do
cano é de 300 Kg (seis sacos de cimento). - o som derivado do estampido da arma
pode ser ouvido em variadas distâncias, dependendo do fator local, aí incluindo
temperatura, velocidade do vento, pressão atmosférica e naturalmente o estado
de concentração e de saúde do ouvido de quem houve. Normalmente o som do
estampido pode ser ouvido entre 1,5 Km até 3 Km de distância.
3. Na sua
opinião, independentemente de Amoroso ter sido atingido a 50 ou 100 metros do
restante do grupo, daria para se ouvir o som do tiro?
Sim. Amoroso
estava aproximadamente a 80 metros de distância de Lampião e a 60 metros de
Maria Bonita. Ocorre que após este tiro a tropa (28 homens) atirou nos alvos
previamente estabelecidos. O soldado Noratinho estava com Lampião na mira de
sua arma e Maria Bonita estava correndo quando recebeu um tiro nas costas, bala
que saiu pela frente. Caiu, levantou e saiu correndo novamente quando recebeu
um outro tiro a curta distância, de lado, no ventre, indo cair próxima a
Lampião. - em um combate os estrategistas se utilizam destas condicionantes
para um ataque em que se visa alcançar sucesso, com menos perdas possíveis:
cerco - surpresa - velocidade e força. Quem cai nessa armadilha dificilmente
vencerá uma luta. Nisso João Bezerra foi perfeito. - além do mais o ataque foi
ao amanhecer, quando os cangaceiros estavam se levantando, se espreguiçando, ou
fazendo suas necessidades, a sua higiene. Uma pessoa nessas circunstâncias está
sonolenta, sem reflexos, seus sentidos ainda não estão alertas, tempo depois de
acordar e levantar e aos poucos é que vão entrando na realidade da vida que o
cerca, para bem depois tomar um café, fumar um cigarro, bater um dedo de prosa
com alguém ou com o grupo, tratar sobre as atividades para aquele dia, quais
sejam: remendar o equipamento, desmontar e lubrificar o armamento, afiar facas,
tratar algum ferimento, realizar o asseio corporal, tomar um banho e até mesmo
voltar a dormir por debaixo de uma fresca ramada. Mas se ainda estiver dormindo
e entrar na bala, será um Deus-nos-acuda.
4. A volante
levou muitas armas, me refiro ao peso das mesmas, dadas a circunstâncias,
levando-se em consideração a distância e as condições geográficas, no caso
muito íngreme?
A polícia
levava o equipamento de costume que não era pesado, uma vez que o soldado saía
para uma operação e depois de poucos dias retornava para sede. Bem diferente do
cangaceiro cujo equipamento necessário pesava bem mais que 24 Kg (no mínimo).
No dia 27 de julho, a noitinha, os soldados não sabiam para onde iam e nem quem
iriam combater. Ficaram sabendo horas antes do combate, quando já se deslocavam
para a Grota, que o ataque seria contra Lampião. Essa medida foi adotada pelos
oficiais como medida de segurança, para evitar que a operação chegasse aos
ouvidos de Lampião. Se o deslocamento da polícia fosse de dia e nas vistas de
pessoas de Piranhas e ao longo do rio, com certeza Lampião seria avisado a
tempo.
Após o combate
João Bezerra foi conduzido ao porto por dois homens, uma vez que estava ferido
e mesmo por segurança, uma vez que os cangaceiros estavam espalhados por todos
os lados. O restante, 45 homens, trouxe com folga e certa vantagem o
equipamento dos cangaceiros. Acredito que remar e subir o rio até Piranhas
foram o maior transtorno encontrado pela tropa, faminta, com sede e muito
cansada - estava a mais de dezoito horas sem repouso. Mas a alegria pelos
troféus que conduziam em suas canoas apagava qualquer sinal de enfado, pois os
soldados orgulhosos e felizes não acreditavam que tinham matado o cangaceiro
mais famoso e o homem mais valente do sertão.
5. Como
militar, como o senhor pensa que foi a estratégia usada pelo Tenente João
Bezerra? Lampião morreu por falta de sorte ou atenção/descuido?
A morte de
Lampião não foi por acaso. Lampião foi vítima de uma manobra policial que deu
certo entre tantas outras que não deram certo. Lampião não era fácil de ser
encontrado. Quem o ajudasse de alguma forma era sustentado a peso de muito
dinheiro e sabia muito bem que se o delatasse e fracassasse na tentativa,
pagaria bem caro com a vida sua e de seus familiares. Além do mais entre os
coiteiros e informantes de Lampião cada um vigiava as atitudes dos outros. Pelo
lado de Lampião, ele mesmo mantinha um certo segredo em não revelar entre eles
quem era ou deixava de ser para que se fosse pego um coiteiro, não houvesse a
denúncia de todos. Mesmo dentro da polícia, com certeza, havia informantes que
poderiam avisar Lampião para que se cuidasse daquele ou outro coiteiro.
Dinheiro é tudo e tudo é por dinheiro. Assim como Lampião aliciava as
autoridades e policiais em seu favor, a polícia também aliciava e fingia que
fazia corpo mole com alguns informantes seus. O objetivo da policia era Lampião
e não o coiteiro. Aquele coiteiro que a polícia sabia que era amigo de Lampião,
ficava de “molho” para troca de informações, estratégia utilizada pela própria
policia para descobrir o paradeiro do procurado, que era quem realmente
interessava.
Depois, em
pressão, a coiteiro assumia o compromisso de cooperar com a polícia – fato esse
que ficava somente com o comandante da tropa e não chegava aos ouvidos dos
soldados, uma vez que dentre os soldados havia aqueles que tinham parentes
cangaceiros. O próprio vaqueiro Domingos dos Patos, que foi o canoeiro que
atravessou em canoa o bando de Lampião para Sergipe, trabalhava na fazenda do
pai da Dona Cyra, esposa de João Bezerra, o comandante que queria pegar
Lampião. Na volante que matou Lampião e Maria Bonita estava um soldado parente
dela.
Joca
Bernardes, ou Joca da Fazenda Capim, era um desse coiteiros, que descoberto,
tinha se comprometido com o Sargento Aniceto a cooperar naquilo que soubesse
contra os cangaceiros. Joca era coiteiro de Corisco e ficou sabendo da chegada
de Lampião pela boca do cangaceiro Vila Nova – só não sabia onde ele estava -
com as compras de Pedro de Cândido, de queijos fabricados por Joca e já
encomendados, em grandes quantidades, Joca denunciou Pedro ao sargento Aniceto.
Pedro era aquele coiteiro que estava na mira da polícia, tinha tido vários
encontros com o Tenente Bezerra, mas estava de “molho” para uma ocasião futura
e propícia e essa hora havia chegado.
Mesmo assim ao
receber o telegrama em Pedra do Delmiro o Tenente João Bezerra não alarmou o
pessoal e marcou um encontro com o Sargento na metade do caminho entre Piranhas
e Pedra do Delmiro, onde os comandantes das frações fizeram conferência dentro
do mato, quatro horas depois da saída de Pedra e três horas depois da saída do
caminhão com o Sargento Aniceto de Piranhas. Eram aproximadamente 16 para 17
horas da tarde. Mas ainda faltavam as confirmações que o Tenente tanto
esperava. Antes da saída de Pedra passou um telegrama para ele mesmo, dizendo
que alguém avisara ele que Lampião estava para os lados de Moxotó. Mas alguém
de Moxotó enviara de fato um telegrama a ele sobre o aparecimento de
cangaceiros na região de Moxotó, só que não eram cangaceiros, mas a tropa do
próprio Sargento Aniceto. O Tenente antes de seguir destino para o encontro com
o Sargento e de telegrama na mão gritou a pleno pulmões no meio do pessoal
civil aglomerado, entre eles estavam alguns suspeitos de serem coiteiros de
Lampião: “vou combater o cego no Iapi”. Essa informação que a força tinha ido
para o Moxotó chegou ao entardecer a Lampião no coito de Angicos, tendo Lampião
brincado e dado risadas, pilherando afirmou: “então pode dormir de cueca”.
A força ainda
se encontrou com Joca que relatou tudo ao Tenente, depois ainda na incerteza se
deslocou até um ponto com segurança para então mandar buscar Pedro que relatou
tudo o que sabia, e sabia até demais, sabia onde o pessoal dormia e por onde
estavam os sentinelas, se é que haviam. Mesmo assim o Tenente ainda desconfiava
de tudo aquilo, porque Lampião não era fácil de ser pego assim tão facilmente.
Avaliando o tamanho do efetivo de cangaceiros e se deixando levar pelos
desconhecidos chegou a querer desistir da operação – só um temerário atacaria
Lampião naquelas circunstâncias – e mesmo porque já sabia que Lampião o tinha
ameaçado de morte - aquilo tudo poderia ser uma armadilha. Mas no momento de
indecisão entra em cena a figura do Aspirante Ferreira de Melo, que contestou a
idéia de atacar os cangaceiros somente pela manhã, de dia e com seus 16 homens
iria mesmo assim atacar Lampião. Se tivesse ido, ele mataria Lampião somente
com esses homens, uma vez que Pedro conduziu a Policia até a menos de dez
metros da barraca de Lampião e ainda apontou Lampião que estava em pé, fora da
barraca.
No mais a
sorte de Lampião se acabara naquele dia, o destino pôs ponto final em sua vida
naquela manhã. Na hora do início do tiroteio, se ele estivesse deitado dentro
da barraca ou mesmo a alguns metros por detrás das pedras, teria escapado, mas
veria a sua mulher ser morta a vinte metros de distância.
Dado o
primeiro tiro naquela manhã, Lampião não teve tempo para raciocinar, para saber
o que poderia ser - uma arma disparou por acidente? – alguém deu um aviso? –
tudo isso e mais poderia pensar que despertava no interior das toldas. Não
imaginavam que estavam cercados pela polícia e fugir daquele local era a
salvação de suas cabeças.
Quem cercou
Lampião naquela manhã sabia o que estava fazendo e era assim que sempre procedia:
o quadrado mortífero. Só não conseguiu a exterminação total dos cangaceiros
porque o alvo era Lampião e além do mais a mata espinhenta ao redor da grota e
a hora do ataque, o amanhecer, sem os raios do sol, dificultava em muito quem
precisava enxergar alvos e necessitava da claridade para ajustar a mira das
armas e abrir fogo. Depois outro fator que contribuiu para a fuga dos
cangaceiros foi a fumaça originada pela queima da pólvora por ocasião dos
disparos das armas em conflito, que cobriu a grota como um manto de morte.
Negligência?
Sim. Descuido? Sim, a começar pela escolha do local. Nada de lugar com uma só
boca, como falou depois quem escapou para contar história. Não foi isso que
matou Lampião. Lampião foi morto por uma estratégia militar, num jogo de
informação e contrainformação utilizado até hoje nos meios policiais. Aquele
lugar, aquela gruta não é local para defesa, mas as cercanias, no cimo dos
morros sim. Homens bem distribuídos, em locais previamente marcados, acordados,
vigilantes, e sóbrios, impedem qualquer efetivo que se aventure a abater quem
estiver no interior da furna. Quem estiver no interior da furna terá tempo
suficiente para escapar ileso de qualquer ataque que venha a sofrer, desde que
a força atacada se encontre previamente com sentinelas postadas a mais de cem
metros de distância da furna. Além do mais o local não serve para esconderijo
porque do meio do rio se enxerga com relativa facilidade o rolo de fumaça que
sobe das fogueiras onde eram cozinhadas as comidas, e deveria haver mais de
uma. Não é crível que 45 homens comam de um mesmo fogo. Quanto maior a
fogueira, maior é o rolo de fumaça, maiores serão os odores que exalam das
carnes assadas, do café requentado, do fumo dos cigarros de palha. E o som dos
vozerios compartilhados, das músicas, das toadas, das gargalhadas, dos casos
contados, dos acontecidos, das boas empreitadas com ganhos fáceis, e aquele
cabra que implorou para não morrer? Aquele rosto desfigurado pelo assombro da
morte, quando a ponta do punhal sangrador foi afundando devagarinho na base do
pescoço? Motivos de comemorações e de alegrias para aquele bando de gente
impiedosa não faltavam.
Não se pode
culpar Lampião por isso ou aquilo, ou pelo que deixou de fazer, mesmo porque o
bando não era uma milícia organizada, com estratégia de defesa e ataque. As
manobras de guerra a bastante tempo não eram postas em prática depois que
Antonio Ferreira e Sabino haviam desaparecidos. As orientações do chefe eram
quase sempre as mesmas: não enfrente os macacos – fuja!
A polícia,
sabendo desse proceder dos cangaceiros, se sentia motivada a se aproximar dos
grupos e de abrir fogo sobre eles, com a certeza que correriam abandonando o
campo da luta. Fugiam não por medo, mas por economia da munição, cara e
escassa, pela preservação da própria vida, além do mais o que se ganharia em
matar uns poucos macacos – depois desses viriam mais e mais numa sequência de
mortandade que nunca terminaria. Por isso a melhor defesa residia simplesmente
na grande mobilidade, nas andanças, percorrer grandes distâncias em poucas
horas, e nessas poucas horas estarem em vários lugares diferentes – assim a
informação dos delatores não chegaria aos ouvidos da polícia com tempo
suficiente para ser transformada em uma ação planejada a ponto de surpreender o
grupo. Outro fundamento do grupo era sumir sem deixar rastros, ou deixar
vestígios bem visíveis que conduziriam os soldados a um lugar determinado,
culminando em uma emboscada. Outras vezes os rastros não levavam a lugar nenhum
e a volante ficava bobando no meio da caatinga. Na maioria das vezes os grupos
de cangaceiros sumiam por meses e ninguém sabia por onde andavam, até que um
caçador informava a pista deles, na maioria das vezes falsa e sem sentido, às
vezes a mando dos próprios cangaceiros para despistar uma ação de assalto a
alguma localidade.
Portanto, a
escolha de Angicos como ponto de reunião, mesmo que seja para passar uma
semana, foi um erro mortal, mesmo com a desculpa do tratamento de Maria Bonita
em Propriá, ou para tratar operações futuras, ou pela necessidade de
aproximação com a água. Devido à presença de mulheres, nada justifica a
desatenção para com o fator segurança do chefe em particular e do grupo em
geral. Caso fosse irremediavelmente necessária a permanência na área - isso até
não seria considerado um problema desde que os homens fossem dispostos
estrategicamente ao redor, no cimo dos morros, no leito do riacho, em
vigilância constante e protegendo quem estava no fundo daquele buraco.
6. Levando-se
em condição ao que já leu, Lampião morreu conforme a literatura oficial contou
e conta?
Ninguém sabe
ao certo como Lampião morreu. Um repórter do Rio de Janeiro chegou a falar com
os soldados que atiraram no rumo de Lampião, mas esse repórter não aprofundou o
assunto, mesmo porque o momento era de festa, de alegria e a segurança era
necessária, ou mesmo talvez como precaução, cautela, com receio de uma vingança
posterior por algum grupo de cangaceiros. Naquela ocasião ninguém poderia supor
que o cangaço terminaria, pois outros grupos ainda operavam, como o grupo de Zé
Sereno, Corisco, Labareda e Pancada.
Em minha opinião a ocasião mais propícia
de se saber a verdade era aquela em que os homens estavam eufóricos,
comemorando e não tinham tempo de enfeitar a história, aumentá-la, diminuí-la,
ou fantasiá-la. Por isso é que eu fico com as declarações do Comandante da
volante proferidas três dias depois do ocorrido, em Santana de Ipanema – sede
da volante - quando ainda ferido deu declarações a esse repórter do Rio de
Janeiro, em uma página de 25 linhas, de como tudo aconteceu, em Angicos. Depois
o Tenente baixou ao hospital para ser tratado.
7. Terá havido
envenenamento ou alguma substância capaz de deixar o bando sonolento ou mesmo
sem reflexo?
Muita bebida
alcoólica ingerida e a despreocupação, sabendo que tudo estava bem. Essa ideia
do envenenamento, creio eu, foi proferida por alguém do grupo para diminuir o
feito da polícia e com a certeza de que mais tarde seria essa a verdade
definitiva que deveria perdurar, a de que os cangaceiros foram mortos por uma
procedimento vil por parte da policia, que não teve coragem de enfrentar os
cangaceiros em uma combate leal. Mas não foi nada disso, foi bobeira mesmo, e
bala, muita bala para cima do pessoal dorminhoco e descuidado.
8. Por que
escaparam tantos cangaceiros, se estavam em total desatenção quando atacados? Porque
só um policial foi atingido, posto que os cangaceiros já houvessem sido
surpreendidos em ataques anteriores e mesmo assim saíram ilesos ou mesmo deixaram
uma baixa maior na volante?
Porque o alvo
do ataque era Lampião e a volante cercou a gruta. Quem estava espalhado pelas
encostas dos morros e mesmo nos cimos, de lá mesmo escapou, alguns passando por
cima da própria polícia. Não houve retaguarda porque a desorganização foi geral
e não houve um líder de coragem para voltar e atacar os policiais que faziam
festa no fundo do buraco. Mesmo porque muitos estavam desequipados, desarmados
- a maioria ferida -, arranhados pelos espinhos, desmuniciados, chocados ao
saberem que Lampião, Maria Bonita e Luiz Pedro haviam havia morrido - noticias
levadas por Zé Sereno que assistiu a morte do pessoal que estava na gruta ao
redor de Lampião.
Quanto ao
soldado que morreu até hoje, não se sabe como. Foi fogo amigo? Foi fogo de
algum inimigo dentro da polícia? Foi fogo de algum cangaceiro? Dizem que foi
Elétrico quem baleou aquele soldado, sendo em seguida metralhado por João
Bezerra. Elétrico não morreu de tiro, foi esfaqueado por um soldado da volante,
procedimento esse que muito contrariou o Chefe que determinara a morte do cangaceiro
a tiros e não a faca.
Há uma versão
de que foi o soldado Mané Véio quem viu o soldado sofrendo por ter levado um
tiro no quadril e aí aliviou as dores do mesmo matando-o com um tiro. Note que
o soldado foi imediatamente sepultado naquela mesma tarde, sem autópsia –
ninguém deu importância ao fato. Entretanto levaram para exame a cabeça dos
cangaceiros. Isso por si só demonstra que alguém queria que a morte do soldado
passasse despercebida pelas autoridades. Morto em combate o corpo do soldado
deveria ser examinado por um legista. Mas mesmo assim, nesse caso se o mesmo
tivesse levado tiros pela frente ou por detrás, se por acaso fossem encontrados
em seu corpo os projéteis, como se iria descobrir o autor ou autores dos disparos?
As únicas armas de calibres diferentes que atiraram foram as metralhadoras de
João Bezerra e do Aspirante Ferreira de Melo, em calibres 7,63 ou de 9 mm.
Teriam que ser examinados os projéteis encontrados no corpo do soldado pela
balística – trabalho esse que naquele tempo ainda não tinha chegado ao interior
do sertão.
o cangaceiro
Balão assumiu publicamente a morte do soldado em declarações ao Dr. Amaury,
(Assim Morreu Lampião) afirmando que o soldado tinha acabado de matar o
cangaceiro Mergulhão e estava dando coronhadas na cabeça do mesmo, e em ato
subsequente encostaram o cano das armas e que disparam ao mesmo tempo, sendo
que nele, Balão, não acontecera nada e que o soldado caíra morto.
Com relação a
escapar de ataques, vai depender muito de como estava o dispositivo do grupo no
terreno e a forma de como foram atacados. Em se tratando da Gruta de Angicos,
quem estava lá embaixo não tinha como escapar – a policia estava perto demais.
Para uma bala de fuzil, em tão pouca distância, não há mandinga que sustente o
corpo fechado.
9. Por que
Lampião não usou a sua estratégia, já bastante conhecida e testada quando ouviu
o primeiro tiro, se é que ouviu?
Não a usou
porque ali, naquele momento, não deu tempo para nada. Foi tudo muito rápido.
Além do mais depois que se aperta o gatilho de uma arma daquela e ela estiver
apontada para alguém, não há tempo para mais nada. Quem leva um tiro de fuzil,
não escuta o som do tiro que o mata.
10. Qual seu
parecer sobre o episódio Angicos?
Angicos é um
mistério – o combate de Angicos é o resultado de um belíssimo trabalho
policial. Angicos serve para reflexão para quem vive da lida das armas, que
mais hoje, mais amanhã a lei baterá às portas de quem vive às margens da lei.
Quem quiser ser vitorioso que sempre permaneça ao lado da lei, porque o crime
de uma forma ou de outra não compensa - é uma ação incerta e a lei, vitoriosa
contra o crime - é sempre certa.
(*) Estudante-pesquisador e membro ativo da CEGC. Sócio da
SBEC.
http://lentescangaceiras.blogspot.com.br/2010/11/angicos-28-de-julho-de-1938.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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