*Rangel Alves da Costa
Eis um relato de fatos que jamais esquecerei. E jamais esquecerei exatamente pelo inimaginável acontecido. Como um realismo fantástico ou coisa inexplicável, mas a verdade é que aconteceu.
Era dia de sábado em Curralinho, de rio cheio, bonito, chamando ao mergulho e ao banho. Mas o que eu ia fazer em meio àquelas águas grandes, largas de canto a outro? Impossível explicar perante uma pessoa que sequer sabe nadar.
Mas de repente me vi mergulhando. No instante seguinte eu já estava ouvindo um canto como de sereia. E que canto maravilhoso, algo assim como uma diva da música, de voz tão suave e profunda que era impossível não ficar tomado de encantamento.
E era uma sereia mesmo, a mais bela que podia existir, de canto tão mavioso que me vi perdidamente apaixonado. Cabelos longos, corpo comprido, perfeito, toda bem-feita, com aquele rabão todo a emoldurar sua belezura.
O canto da sereia envolvia mais e mais. Quanto mais ela cantava mais eu me apaixonava. E fui sendo arrastado ao meio do rio. Minha sorte foi um Nego D’água que apareceu fazendo estripulias.
Nego D’água é bicho danado, é moleque das águas traquina demais. Nem todo mundo pode avistá-lo, mas eu o avistei. Com ele falei e ouvi sua voz. Depois disso posso dizer que tal ser misterioso é mais real do que se imagina.
Depois de um batim, eis que o neguinho chegou pra mim e disse: “Corra daí seu besta. Ela quer lhe enfeitiçar e depois sumir com você”. Depois disse: “Me deve dez conto, hein!”. Disse isso com a cara mais cínica do mundo.
Mas o Nego D’água era tão traquina que me deu uma pesada que fui parar em cima de uma pedra grande. Para minha surpresa, lá em cima encontrei um tubarão tomando sol. Tão grande era o bichão que tomava quase toda a pedra grande.
Ante minha repentina chegada, no mesmo instante o tubaraozão colocou as mãos encobrindo os seios. Fiquei logo desconfiado e achei melhor mergulhar de volta. Pensei logo uma coisa, mas melhor não dizer aqui. Até tubarão?
Já nas águas, eis que lá embaixo avistei o Nego D’água no bem-bom com a sereia. Decidi que o melhor era sair logo dali, mas quando dei a primeira braçada me deparei com os cascos de um navio maior que o Titanic que passava por ali em direção a Piranhas.
Muito abaixo, ainda assim consegui avistar Lampião tomando uísque e jogando baralho com João Bezerra. Vixe Maria, logo pensei. É o fim do mundo, disse por fim. Logo com João Bezerra, aquele mesmo que mais tarde preparou a tocaia na Gruta do Angico e pôs fim ao cangaço?
Mas o mais inacreditável ainda estava por acontecer. Quando o Titanicão passou e lancei o olhar para a beirada do rio, eis que avistei meu primo Netinho bem sentado e tomando um copo de água mineral. Então gritei: “Tomando água na beira do rio, Netinho?”. Ele respondeu: “Pensou que era cerveja? Não bebo mais não!”.
Com a resposta, mal cheguei à beirada e desabei. Só acordei com Raí me chamando para dizer: “Levante logo que vão começar a Orla de Curralinho bem aí onde você está!”. Desacordei novamente. E até acho que ainda estou.
Assim aconteceu. Acreditem se quiser. Mas assim aconteceu. Como prova ainda estão por lá o Nego D’água, a sereia e o tubarão. Ou tubaroa. Sei lá!
Escritor
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