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sábado, 9 de março de 2019

O PÉ-D’ÁGUA QUE HOJE CAIU NO SERTÃO

*Rangel Alves da Costa

Por ser territorialmente o maior município de Sergipe, com uma extensão que vai além dos 1.200 km², as chuvas que caem em Poço Redondo, no sertão sergipano, podem ser tão dispersas que, muitas vezes, os aguaceiros num lugar sequer são chuviscados noutro lugar.
Pode chover muito nas Areias e nada na Barra da Onça, por exemplo. Igualmente pode chover nas Queimadas e não cair sequer uma gota pelas bandas da Queimada Grande. Recentemente, as chuvas foram tão fortes em Bonsucesso que até postes foram derrubados, enquanto que noutras localidades apenas chuviscos mais alentados.
O pé-d’água caído na sede municipal após as duas tarde desta sexta-feira pode ser tido como outro exemplo das repentinas e localizadas precipitações. Em local específico, as nuvens carregadas se despejam de forma inesperada e espantosa. Principalmente no sertão, ninguém espera que repentinamente isso possa acontecer.
Mas aconteceu, e com voracidade. De repente o pé-d’água começou a cair que quem estava na rua teve que se molhar. Mesmo estando perto de casa, não houve tempo suficiente de correr para se proteger. Corria sim, mas a cada passo sentindo por cima a molhação desenfreada.
Conceitualmente, pé-d’água é a chuva forte, repentina e de pouca duração. E foi exatamente assim que aconteceu. Depois do calor de vulcão e de sol de mil brasas, o clima abafado logo trouxe a formação de nuvens escuras, bem localizadas acima das proximidades da cidade.
Quando as nuvens se aproximaram mais, então as torneiras foram abertas de vez e o aguaceiro começou a cair. É chuva chegada de modo tão inesperado que nem dá tempo de a dona de casa espalhar baldas e bacias embaixo de goteiras, cobrir móveis e proteger espelhos e vidros.
Pé-d’água acompanhado de vento ainda pior. E assim também aconteceu. Água respingando pelas frestas, a ventania forçando aberturas, os pingos grossos querendo chegar até a cozinha. Água levada pelo ventania e adentrando em qualquer canto que tivesse ou forçasse passagem.


Dona Gerôncia teve que gritar após ter seu vestido levantado até a cabeça. O chapéu de Queromildo foi parar longe. Certamente nunca mais será alcançado. Timotinho, cabra magro que mais parece uma vara, até pensou que seria levado na força da sopração. Teve que correr para se agarrar a um poste, e ainda assim com medo de ser despregado de lá.
Na feira, lonas de barracas foram pelos ares e muita folha de verdura mais parecia folha seca de mato, subindo e subindo, sendo levada pela ventania. Dizem que até os telhados seguros das casas se sentiram ameaçados pelos repentinos açoites. A verdade é que até passarinho tinha que redobrar o voo para não ser domado pelo vento.
Não se sabe como, mais Titó engoliu o cigarro de palha. Tava colocando no bico quando uma lufada o fez engolir o cigarro aceso, e inteirinho. Coitado. Dizem que, aperreado, soltava fumaça enquanto pedia ajuda. O jeito que teve foi abrir a boca debaixo de uma biqueira e deixar o cigarro apagar lá dentro.
Mas não durou nem vinte minutos e a chuvarada foi embora. Os trovões, contudo, continuam, e acaso mais tarde chova, então certamente será mais constante, compassada e sempre bem-vinda ao sertão. Eu mesmo quis tomar banho de biqueira, mas depois lembrei que a gente vive noutros tempos.
E certamente eu corria o risco de ser chamado de doido quando, no passado, era visto apenas como menino mesmo.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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