Por Clerisvaldo
B. Chagas 01-07-2008
Dizem que jogo
de azar é coisa do demônio. É coisa do demônio porque vicia, porque defrauda,
porque desagrega, porque desmoraliza, porque induz ao suicídio. Quem avalia os
vícios da bebida, do fumo e do jogo, costuma colocar o último como o pior de
todos por causa dos motivos expostos acima. Entre as várias modalidades do
jogo, está o carteado. Neste sistema, o colorido das cartas, a tensão e o
silêncio impregnam o ambiente como se os jogadores fossem almas do outro mundo,
duendes, fantasmas, seres diáfanos num encontro de surdina enigmática. Os que
não apreciam a jogatina, dizem que o inimigo está ali presente comandando a
mesa.
No Nordeste
brasileiro existem aqueles que gostam de coisas prazerosas como ouvir programas
de repentistas. (Repentistas são encantadores de gente). A inteligência, a
métrica perfeita, o pensamento ágil, a diversidade criativa, o rebate
sensacional, cativam para sempre na cultura popular. Quando as cordas da viola
iniciam o baião cadenciado, sonoroso, arrebatador, provocam um êxtase e uma
perspectiva no ouvinte ávido por coisas novas, criadas na hora, saboreadas nas
rimas magistrais dos violeiros.
Entre os
apreciadores do jogo e do repente, estava o funcionário público federal,
aposentado, José Maximiliano, em Santana do Ipanema, Alagoas. Baixinho e de
gênio irascível, José também tinha veia poética, escrevia alguma coisa e
recitava versos aprendidos para os camaradas.
Duas ocasiões
de Maximiliano são contadas pelo charadista e enxadrista famoso Antonio
Honorato, conhecido simplesmente por Tonho de Macelon. Também de veia poética,
e dono de bar, Tonho mantinha o ponto de encontro da boêmia santanense e dos
fanáticos por futebol na era de 50. Tonho de Macelon também freqüentava as
mesas de jogo nos fundos do bar de sinuca de Manoel Barros no comércio
santanense.
Como primeira
observação do Tonho, José Maximiliano, ao perder bastante no baralho, deixou o
antro pela madrugada, machucado e desesperado por dentro, parou na calçada,
olhou o tempo e disse: “Eu só queria que um bicho me comesse antes de chegar em
casa”.
Havia um
programa radiofônico intitulado “Onde está o poeta?” Maximiliano era ouvinte
assíduo do programa. Certa feita, mais uma vez perdendo no jogo e mal humorado,
teve a surpresa de ouvir bem pertinho da orelha palavras macias de Tonho
Macelon que acabava de chegar: “onde está o poeta?” E José Maximiliano, doente
com o jogo, fulo com a intervenção, descontou de vez o acumulado da madrugada.
Aplicou dois murros bem criados na mesa velha de cedro, virou-se para o
interveniente, lançou dois olhares de fogo e raiva, e como resposta quente,
seca e rápida, atirou o rojão como resposta: “Está no rabo da mãe, seu filho de
uma puta!”
Tonho correu
para longe e descontou apenas com um riso catita, um riso amarelo, riso de
mangação dos desenhos animados.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário