Material do acervo do Beto Rueda
Rafael, que
era um rapaz negro veterano da Guerra da Cisplatina, foi encarregado de cuidar
de Dom Pedro II, então de tenríssima idade pelo seu pai o Imperador Dom Pedro
I, quando este regressou a Portugal.
Rafael, foi
mandado vir em 1821 do sul, Pedro I conhecia-o bem. Foi um protetor incansável
e extremamente abnegado de Pedro II ainda menino.
Dormia no
mesmo quarto, evitava que o Imperador chorasse ou se assustasse “com medo das
almas de outro mundo” e outras fantasias tão próprias da solidão, em que
prevaleciam estudo áridos, religião, serões insípidos e jogos de mesa
silenciosamente praticados – era a educação principesca!
Nisso
relata-nos Benedito Freitas:
“ Incumbido da
guarda e proteção de Dom Pedro II ainda em tenra idade, foi de uma dedicação
tal que, até determinadas atribuições das Damas, ele as executava com
desembaraço e plena eficiência.
Dava-lhe os
banhos habituais tendo todo o cuidado com a temperatura da água, bem morna sem
ser quente, mudava-lhe a roupa e cobria na cama, cabeça de fora, a bela criança
pedia ao seu Anjo Negro para contar histórias e outras coisas em que era fértil
seu leal servidor.
Certo dia Dona
Leopoldina, ficou enternecida ao contemplar Rafael aquecendo a mamadeira do
Menino-Imperador.
Quando Dom
Pedro II não sabia a lição, corria para Rafael pedindo-lhe para o esconder,
embora fosse condicionado sempre, que seria a “última vez”….Mais tarde Dom
Pedro II ensinou Rafael a ler. Por muito tempo Rafael foi 1º Criado Particular
do Imperador e em todas as viagens, mesmo ao estrangeiro, o acompanhou de
perto.
A figura quase
lendária de Rafael é amplamente descrita no belo livro de Múcio Teixeira, que
foi comensal do Imperador por mais de trinta anos, “O Negro da Quinta
Imperial”. Rafael contava com 98 anos quando Dom Pedro II foi deposto.
O “Anjo Negro”
do Imperador ignorava o doloroso episódio da prisão do seu amo. Múcio conta a
cena da comunicação ao leal macróbio, nas seguintes linhas: “ Manhã sombria.
Uma chuva miúda caira pela madrugada do dia 16 de Novembro de 1889.
As vastas
alamedas da Quinta Imperial estavam desertas….Rafael, mal raiara a aurora,
abandonou seus aposentos, nos baixos do torreão sul, e, muito tremulo, amparado
por um rijo bastão, deu início ao seu passeio habitual. Velho e cansado,
passara o dia anterior preso ao leito, ignorando que a República havia sido
“proclamada” no Brasil.
Vagarosamente
caminhava, ouvindo o gorgeio dos pássaros e contemplando, com olhar nostálgico,
os lagos sonolentos. Fitava também os bosques sombrios e admirava a Natureza
exuberante. Quantas daquelas árvores gigantescas ele vira nascer, florir e
envelhecer!
Caminhava e
meditava, olhando também para o passado, para a sua longínqua mocidade! Quantos
sonhos desfeitos!
“Como é triste
envelhecer!” – murmurava o velho págem imperial. Ao chegar ao portão da Coroa,
já ofegante, observou com espanto dois soldados que davam “vivas a república”!
Sempre meditando, lentamente regressou ao Paço. Ao aproximar-se do solitário
Palácio Imperial, viu o bibliotecário Raposo muito agitado, com cabelos
revoltos, andando de um lado para outro lado…
Rafael, muito
cansado, curvado e tremulo, sempre amparado pelo seu bastão, dirigiu-se ao
bibliotecário do Paço e interrogou-lhe : “Seu Raposo, você enlouqueceu?”
Parando diante
do Rafael, o Raposo, como louco, bradou: “Rafael, tu não sabes que ontem foi
proclamada a República e que teu Senhor está preso no Paço da Cidade??”.
Rafael,
atordoado, deixou cair o forte bastão, no qual a vinte anos se apoiava seu
débil corpo; curvado, ergueu-se, cresceu… O seu olhar morto e nostálgico,
transfigurou-se, como que iluminado por clarões estranhos.
Levantou o
braço direito para o céu e exclamou com voz comovente e sonora: “Que a Maldição
de Deus caia sobre a cabeça dos algozes do meu Senhor!”
E em seguida
rolou por terra: estava morto.”
Texto retirado
do site: https://quintoimperiobrasil.wordpress.com/…/rafael-o-anjo-…/
Múcio Teixeira - autor do livro sobre Rafael.
Múcio Teixeira - autor do livro sobre Rafael.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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