Clerisvaldo B. Chagas, 11 de dezembro de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.433
Já alcancei Seu Né, nosso vizinho da direita, na sua idade avançada. Era casado com Dona Zezé e que não lembro mais suas feições, mas lembro bem da morena Zefinha, filha do casal. Na sala da frente havia uma imagem de Nossa Senhora da Conceição que muito me atraía da janela baixa da casa. A santa tinha os braços estirado para baixo e das suas mãos saíam feixes de luz. Seu Né Lecor – que o povo chamava de licor – era calmo, cabeleira cheia e branquinha, fumante inveterado e arredio. Raramente saía de casa. Tinha um compartimento na residência que fora uma bodega, por mim não alcançada. Ligeiramente encurvado, Seu Né era a cópia fiel do cangaceiro de Lampião, Ângelo Roque o Anjo Roque, Labareda. Os mais velhos diziam que ele fora muito perigoso. Ainda era parente dos escritores Floro e Darci Araújo, falavam. Dona Zezé faleceu e Seu Né casou pela segunda vez com Dona Maria dos Santos que teve um filho, Benedito, o qual apelidávamos de “Benedito Bacurau”.
Maria dos Santos chamava o próprio marido de Se Né.
Todos os personagens acima já partiram, mas ficou na minha cabeça a profissão que seu Né exercia: cubador de terras. Vez em quando chegava um matuto perguntando pela casa de Seu Né “Licor”. E minha mãe Helena Braga que fazia deliciosos licores, me fazia lembrar o vizinho fumador. Seu Né saía lá dos fundos, vinha para sala da frente, abria as portas da antiga bodega e chamava o cliente para suas garatujas no papel. Cubador de terras, indivíduo que mede quantas tarefas de terra tem numa determinada área, uma espécie de agrimensor. Depois descobri que o meu professor de Matemática, engenheiro, conhecido como Neco da Maravilha, também fazia no papel a mesma coisa que Seu Né. Hoje falo para o meu neto essa frase estranha: cubador de terras.
Outra palavra esquisita é o cavouqueiro. Vim saber sobre essa palavra no governo Paulo Ferreira, quando homens estavam abrindo uma rua e detonando pedras. Que diabo é cavouqueiro? profissional que trabalha abrindo pedreiras, especializado em escavar e usar explosivos nas rochas. Se essa palavra e frases regionalistas já eram difíceis para mim, imagina para o meu neto Guilherme, bom de celular e distante das ruas! Podia-se até imaginar que o cubador e o cavoqueiro fossem alguns tipos de tarados.
Assim vamos vivendo e aprendendo entre o passado e o presente e entre o próprio presente que não deixa caber na cabeça tantos termos novos e fabricados na hora. Isso até faz lembrar o apelido exótico de um ferreiro santanense: “Pé Espaiado”. Aí a conversa é outra.
Cavoqueiro dá uma boa letra de forró.
Cubador se inicia com desvio de função.
Eita Nordeste arretado!
CAVOQUEIROS ( foto: gazetaonline.com)
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