A história do
cangaço é revivida hoje, em Limoeiro do Norte, após 80 anos da passagem do
bando pelo município
Limoeiro do Norte. Poucos acontecimentos de apenas algumas horas perpetuam na
história do Ceará, como a passagem de Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”,
por Limoeiro do Norte, há exatamente 80 anos. O cabra foi posto para correr de
Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde até hoje festejam a resistência ao
cangaceiro. Depois de receber a “chuva de balas” dos potiguares, aceitou os
cumprimentos “tensos” dos limoeirenses, no dia 15 de junho de 1927. O rebuliço
foi consolado pela “visita em paz” do rei do cangaço nas terras de seu Padim
Ciço. Nunca mais Limoeiro foi o mesmo.
“Prefeito de Limoeiro, Urgente. Lampião acaba atacar Mossoró. Depois forte
resistência conseguimos rechaçá-los, ficando um morto outro prisioneiro.
Saudação. Rodolfo Fernandes, Prefeito Municipal”. O recado do prefeito de
Mossoró chegou em telegrama às mãos de Custódio Saraiva, Juiz de Paz em
Limoeiro e responsável por defender o município, dada à ausência do prefeito.
Naquela hora seu Custódio almoçava, não comeu mais. Telegrafou para a Secretaria
de Polícia, em Fortaleza, que devolveu a batata quente para que “agisse como
pudesse”. A cidade foi evacuada imediatamente.
Como era de seu feitio, Lampião entrou no Ceará guiando os fios do telégrafo. O
“cabra” cavalgou com seus quarenta e tantos homens (o número é incerto) pela
Estrada da Solidão, na Chapada do Apodi. Anísio Batista, morador da Lagoa do
Rocha, teria sido o primeiro a ver Lampião e, inclusive, anunciado sua chegada.
“Então disse Lampião/ vá até Limoeiro/ pergunte às autoridades/ se recebe um
forasteiro/ desprovido de maldades/ como um nobre cavalheiro”, poetizou Irajá
Pinheiro, memorialista local e também membro da Academia Limoeirense de Letras,
sobre o encontro inusitado.
Lampião fugiu de Mossoró carregando dois reféns: Dona Maria José do Catolé do
Rocha e o Coronel Gurgel, sogro do gerente do Banco do Brasil potiguar. O
cangaceiro queria, telegrafando de Limoeiro, cobrar de Mossoró 80 contos de
réis como pagamento do resgate dos reféns. “Passei o telegrama para Mossoró, em
caráter de urgência, e dentro de poucas horas obtive a resposta: ‘prefeito de
Limoeiro, urgente. Seguiu portador, montado a cavalo, conduzindo numerário
resgate prisioneiros’”. A informação é do próprio Custódio Saraiva, juiz de
Paz, em entrevista ao boletim “Campus”, da Universidade Estadual de Londrina,
em 1979, 52 anos depois da visita “ilustre”.
O bando de cangaceiros famintos foi “presenteado” com jantar no Hotel Lucas, no
Largo da Igreja Matriz. A Prefeitura mandou matar um boi e sinhá Arcanja,
escrava de Custódio, ficou de servir a tropa. Lampião, que não era besta nem
nada, mandou gente da cidade provar da comida, pois poderia estar envenenada.
Até pensaram em colocar algum negócio no “vinho”, mas desistiram, que bandido é
cabra esperto. Lampião, então, admirador que era de Napoleão Bonaparte, era
“gato escaldado”.
Lenços vermelhos
Dizendo estar em paz, já que em terra de Padre Cícero mal algum ele faria,
Lampião passeou pela pequena cidade, e, na bodega de Getúlio Chaves, até
comprou lenços vermelhos – à época adornavam a indumentária cangaceira. O
bandido também levou uma ruma de perfume Quinta-Feira – tinha esse nome por
fazer parte da tradição casamenteira e os matrimônios aconteciam nesse dia
especial da semana.
Conta dona Lirete Saraiva, filha viva de seu Custódio, que seu pai “foi um
homem forte, de encarar Lampião sem arma nem nada, defendendo a cidade”. De
outro modo, o jornal “O Ceará”, de Fortaleza, reclamava “humilhação” porque
passou Limoeiro por não enfrentar Lampião, enquanto Mossoró havia botado o
homem pra correr sob balas.
Soar das cornetas
Lampião era destemido e temido, mas o certo é que estava cercado pelos
cearenses. Do telefone do Telegrafo, do qual se “apossou” para mandar seus
avisos, ouviu o soar da corneta em Russas. Era a Polícia que já estava pronta
para ir para Limoeiro. Não podendo mais esperar a chegada dos 80 contos de réis
de resgate dos reféns, os cangaceiros fugiram pela banda dos Morros, onde havia
umas pedras identificadas como “Gruta de Lampião”.
No município de Palhano, abandonaram os dois reféns, quando do embate contra os
volantes da Paraíba e Rio Grande do Norte. Em seguida, Lampião deixava a região
jaguaribana rumo ao Cariri de seu Padim Ciço, dado como o “salvador” do povo de
Limoeiro.
Mais informações:
Exibição de filmes sobre o cangaço
Debate com Irajá Pinheiro e Cícero Reis, NIT, em Limoeiro
(88) 3423.6900
MELQUIADES JÚNIOR
Colaborador
HISTÓRIA DO CANGAÇO
Pesquisadores locais “garimpam” memória
Limoeiro do Norte. Herói ou Bandido? Se Lampião por si só já era um caso de se
estudar, a fuga de Mossoró e a passagem por Limoeiro são fatos marcantes para
os dois lados da Chapada do Apodi, que divide Ceará e Rio Grande do Norte.
Embora nos registros mais oficiais a passagem do cangaceiro por Limoeiro não
tenha constado em mais de uma página, historiadores locais garimpam nos
arquivos da memória e das estantes empoeiradas para conhecer as três horas mais
longas da história limoeirense – o bando chegou às 15h, saindo por volta de
18h. Curiosa com o fato e o mito, jovem historiadora resgata material histórico
sobre o “Rei do Cangaço”.
O historiador Nunes Malveira lançou, em 2002, “Lampião em Limoeiro do Norte”. E
também duas pérolas históricas saem do baú e chegam à reportagem do Diário do
Nordeste: trata-se de duas entrevistas de Custódio Saraiva, então Juiz de Paz à
época da visita de Lampião, publicadas em 1977, 50 anos feitos da visita do
“cabra da peste”. O músico Eugênio Leandro e o escritor Jorge Alan conversaram
com Custódio e publicaram relato no primeiro número da revista “Kuandu”,
produzida pelo Colégio Diocesano Padre Anchieta.
Monografia na Fafidam
Ainda nos dias de hoje, o assunto desperta a curiosidade das novas gerações. A
estudante do curso de História da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos
(Fafidam), Angirlene Lima, pesquisa nos arquivos pelo Vale do Jaguaribe e até
Mossoró sobre os dias de rebuliço da passagem de Lampião na fronteira dos dois
Estados. “Não tinha idéia do que seria minha monografia de graduação, fiquei
sabendo por minha mãe que Lampião tinha passado por Limoeiro. Hoje me apaixonei
por essa pesquisa”, conta Angirlene.
“Lampião era uma verdadeira figura. A estratégia dele era o não-combate.
Conseguia vencer no medo”, explica a historiadora. Pela contemporaneidade de
sua pesquisa, tem a vantagem de pegar todo o material já publicado sobre o
bandido (ou herói, tudo depende do ponto de vista) e confrontar as diferentes
versões.
“Existem algumas informações que foram repassadas pela memória local e pouco
discutidas, apenas aceitas. Diz-se que, quando chegou a Limoeiro, Lampião jogou
moedas para as crianças no patamar da igreja. Também teria doado uma boa
quantia para a reforma da Igreja Matriz. Mas se ele recebeu somente dois contos
de réis do município, seria estranho ter gastado mais do que o que arrecadou”,
questiona.
Angirlene conta que a cidade de Mossoró ficou armada por mais duas semanas após
a resistência ao bando de Lampião, isso porque havia comentários de que ele
poderia voltar. As tropas oficiais tinham comportamento de superioridade
semelhante aos cangaceiros, até maltratando a população por onde passava. “As
pessoas acabavam pensando que ainda era gente do bando de Lampião, daí ficavam
com muito medo”.
Algumas das melhores fotos que se tem do bando de Lampião foi tirada em
Limoeiro, na frente de uma farmácia, de frente para a igreja. Conforme o
professor Irajá Pinheiro, quem fotografou foi um homem chamado Francisco
Ribeiro. “Ele bateu a foto e pegou a bicicleta para revelar em Mossoró”. Nessa
cidade potiguar, cada um da foto foi reconhecido pelo cangaceiro Jararaca,
aprisionado pelos mossoroenses durante a batalha em Mossoró. Até os reféns do
bando estão no registro fotográfico.
Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”, teria sido morto em 1938, 11 anos após sua passagem por Limoeiro. Em Angico, o cangaceiro
foi pego de surpresa e decapitado, juntamente com o seu bando. O bandido ou
herói virou, reconhecidamente, mito. “Costumo dizer que Lampião foi um homem
que tomou a decisão de ser cangaceiro e arcou com todas as conseqüências até o
fim sem meias palavras, sem meios gestos”, define Angirlene Lima.
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/bando-de-lampiao-em-fuga-1.742189
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