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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

JAGUNÇO APAIXONADO (E VAI MATAR POR AMOR)

Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

JAGUNÇO APAIXONADO (E VAI MATAR POR AMOR)


Jesuíno Mosquetão bebeu numa só virada o copo de pinga com casca de pau. Aroeira da boa, fresquinha, com as cascas juntadas na infusão ainda naquela manhã. Depois pigarreou, passou a mão pelos beiços, tirou do bolso palha de milho e um pedaço de fumo, pinicou uma porção ali mesmo no balcão, depois baforou olhando para o lado de fora.

E viu a flor, viu a vida, viu seu amor passar. Zefinha ia mais bonita que lua festeira, toda florida no seu vestido de chita, com dois gomos mais que rosados em cada lado das bochechas. Era um tal de pó da beleza roseado que ela usava, e ele sabia disso, até achava bonita demais por causa dessas vaidades exageradas. Mas cuspiu na mesma hora, afogueado, quando viu um meninote botar um bilhete na sua mão.

Virou-se novamente pro balcão, raivoso que só a cobra silibrina, e disse que agora queria uma talagada bem misturada. E o pobre do vendedor, que ficava todo tremendo quando o tal do Mosquetão chegava ali, foi logo juntando as garrafas na mesa. E no copo botou angico, umburana, aroeira, quixabeira e cravinho. E o jagunço arranjou num bolso um umbu verdoso, virou o copo de vez, soltou fogo pelas ventas, depois mordeu o reinoso.

Tirou o chapeu, bateu uma três vezes com ele no balcão pra espantar a sujeira, baforou e depois de colocar uma pistola debaixo do chapeu apontou o dedo pro vendedor e lhe chamou pra pertinho. O homem, em tempo de se mijar, correu suando frio e sentiu no rosto o bafo da pergunta feita. Ele queria saber se o outro assuntava quem poderia estar mandando bilhete para moça Zefinha.

Então o homem tomou cor de tição na hora, avermelhou depois ficou totalmente sem cor, sem um pingo de sangue na face. E porque estava demorando a responder, o jagunço afastou o chapeu e mexeu por cima da arma. E no mesmo instante, já entregando praticamente sua alma, o rapaz falou o que realmente sabia, porém sem pensar nas consequencias. E disse que a conversa que corria solta era que o Coronel Titonho estava interessado na zinha.

Pra espanto do vendedor, o jagunço não lhe acertou com a arma. Mas também deu um prejuízo danado, pois nem pagou a bebida que já tinha virado e ainda segurou um litro de quixabeira e saiu derrubando tudo que encontrasse pela frente. Ao sair, o homem parecia um bicho, uma onça valente com seus dentes afiados e querendo avançar por cima de qualquer presa.

Seguiu tramando vingança e morte, tencionando fazer jorrar o sangue da honra amorosa, fosse de Coronel, da mulher amada, de quem quer que fosse. Aonde já se viu cabra matador, valente na tocaia e a céu aberto, com mais de vinte derrubada pelas costas, aceitar uma desfeita dessas? Nem ia procurar saber direito da história contada pelo vendeirim, pois se ele disso que a conversa já rolava solta, então, como acontece sempre com quem é traído, ele havia sido o último a saber.

Verdade que ela ainda não era nada sua, nem namorada, nem amante e muito menos mulher, mas se ele tinha se engraçado dela então não havia mais o que fazer, pois Zefinha seria sua de qualquer jeito, na aceitação ou no forçamento. Não aceitava desfeita, contrariedade, um não de ninguém e muito menos de mulher. E se ele já tinha botado na cabeça que ela dividiria a moradia de barro e pau, assim é que haveria de ser.

Chegou em casa e deu uma pesada na porta que a madeira caiu longe. Colocou a cachaça em cima da mesa caindo aos pedaços, catou um copo, pinicou fumo pra outro cigarro, lambeu o lado da palha de milho e depois riscou o fósforo. A fumaça tomando conta de tudo, não deixava à mostra os olhos faiscantes do homem nem uma lágrima que caía pelo canto do olho. Bebeu uma dose e enfiou a ponta da faca na madeira.

Levantou um pouco, foi desesperadamente tateando de um lado a outro, chutando tamborete e coisa velha, até chegar à porta aberta. O sol já estava se escondendo, o tempo perdendo o seu brilho, um vento entristecidamente soprando. E o homem de joelhos no meio do tempo, na malhada de sua casa, chorando aflito, tomado de amor e paixão. Só levantou porque ouviu o barulhar de casco de cavalo, de gente que ia passando na estrada adiante.

Limpou os olhos, passou a mão pelo rosto e não pôde acreditar no que avistou. O Coronel Titonho levava sua Zefinha na garupa do cavalo afamado. Então o homem correu pra dentro em busca do mosquetão, apressado porque derrubaria os dois de uma só vez. Mas lá dentro desistiu de tudo, da vingança, de sua Zefinha e até de viver. Ouviu-se um zunido no entardecer e acabou a história.


Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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