Por: Rangel Alves da Costa
UNS POUCOS AMIGOS
Já tive muitos, uma verdadeira imensidão de amigos. Amigos daqui e dali, amigos pra todo lado, de todas as classes sociais, de todos os credos, de todas as idades, de todas as raças. Mas não sei por que – e talvez até suponha -, foram sumindo, rareando, escasseando.
Aos olhos dos outros, cresci menino importante no meu rincão sertanejo. Meu pai foi prefeito por três vezes do município e por muito tempo passei a ser visto não como a pessoa que era, mas simplesmente como filho do prefeito. Daí tantos amigos ao redor, mas com a verdadeira amizade de apenas alguns.
Não adiantava ser visto e tido como filho de prefeito ou não, pois menino não quer saber de política, de aproximações interesseiras, puxa-saquismos ou coisa parecida, mas tão-somente viver sua infância e meninice ao lado de todos de sua idade e fazendo o que a idade chamava, que era brincar pelos descampados, tomar banho de riacho, correr nu pelas ruas nas chuvas mais fortes.
Quando dei por mim já estava adolescente e sempre rodeado não só de pessoas da mesma idade como de outras muito mais velhas. Como sempre fui amigueiro e procurava conhecer cada vez mais outras pessoas, de repente já estava tecendo, por conta própria, um imenso leque de afeições.
Nessa época, não procurava nem achava de nenhuma necessidade filtrar quem se aproximava de mim demonstrando amizade. Rico ou pobre, da cidade ou das fazendas e povoados, todos eram bem vindos porque sempre acreditei e confiei imensamente nas pessoas, sempre vi o ser humano como aquele apto a sempre fazer o melhor.
Depois dos anos setenta passei a dividir minha vida entre a capital e o meu sertão. Já estava com onze anos e meus pais optaram por me encaminhar, juntamente com um irmão um ano mais velho, para estudar na capital. Contudo, mesmo distante e com dificuldade de transporte, não havia um só fim de semana que eu não chegasse por lá.
Ficava por lá dois dias apenas e quase sem tempo de avistar todo mundo que gostaria, visitar quem eu sentia saudade, compartilhar do meu sangue sertanejo com outros da mesma raça, fosse pivete, da mesma idade ou de maior vivência. E os amigos continuavam muitos e surgindo cada vez mais.
Contudo, com o desenvolvimento mental principalmente, maior clareza na consciência e a preliminar formação de um senso crítico, comecei a me surpreender com as constatações que silenciosamente fiz. Fato é que passei a perceber que a maior parte daquela amizade toda não tinha outra motivação senão ainda pelo estigma ou de filho de prefeito ou de principal liderança política do lugar.
Triste constatação. E o pior é que se confirmou, ainda que demorasse um bocado de tempo para produzir os seus visíveis resultados, para chegar aonde chegou. E isto porque a saída da cena política do meu pai, da influência partidária e a sua decisão de não participar de outros pleitos eletivos, foi também o passo para o afastamento ou distanciamento de muitos daqueles que se mostravam grandes amigos.
Hoje ainda os tenho muito por lá, mas somente aqueles cuja amizade foi construída pelo meu olho, pela minha certeza e pela firmeza que sempre tiveram na manutenção desses laços. Entretanto, seria comparar de mil a um do que eu tinha antes; ou melhor, daqueles que aparentavam amizade sem nunca ter sido de qualquer fidelidade.
De muitos nem recebo mais visitas; outros passam por mim e nem falam; alguns que só viviam ao meu lado ou me procurando fingem que nem existo mais. Outro dia um desses parou o carro bem do outro lado da minha porta, consertou o som do carro e depois foi embora tranquilamente para o encontro com os novos amigos. Estes certamente possuem algum poder político.
Mas tudo é uma grande lição. Aos que pensarem que é mágoa, digo que é aprendizado. E principalmente aprender ser diferente deles, pois quando faço e tenho amizade com alguém nada que seja mais passageiro do que a gente poderá interferir no companheirismo. E política é sopro, é nada.
Tudo passa, tudo é passageiro demais. Assim diz o Eclesiastes. Mas o verdadeiro amigo é coisa pra se guardar. E debaixo de sete chaves, dentro do coração, como diz a canção que em Poço Redondo ouvi.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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