por Severino Coelho
O crime surgiu
com o aparecimento do homem na Terra e, qual sinistra sombra, sempre acompanhou
e acompanhará a humanidade, não havendo fórmula mágica nem políticas públicas
capazes de dizimá-lo, pois faz parte da natureza humana.
A luta
permanente e insistente é tentar diminuir o seu grau de sofisticação, evitar a
sua proliferação no meio social e eliminar a atividade empresarial criminosa,
quando já se evidencia a criação de um Estado paralelo.
A lei do
Estado Legal perdeu a sua característica de intimidação, hoje, prevalecendo com
eficácia e atuação imediata o código secreto do banditismo, cuja sentença
promana do calibre da pistola.
Desde as
primeiras civilizações, ao cunhar a lei, esteve presente um dos seus objetivos
primordiais que é limitar e regular o procedimento das pessoas diante de
condutas amplamente consideradas como nocivas e reprováveis.
Um dos
escritos mais antigos é o código sumeriano de "Ur-Nammu" que data de
aproximadamente 2100 a.C. no qual se vêm arrolados 32 artigos que preconizavam
penas para atos delitivos.
O Código de
Hamurabi que é compilação maior e posterior, dentre outros regramentos penais
contra o crime, adotava a chamada Lei de Talião ou a conhecida lei do olho por
olho, dente por dente, que concedia aos parentes da vítima o direito de
praticar contra o criminoso a mesma ofensa e, no mesmo grau por ele cometida.
Na idade média
a noção de crime não era muito clara, freqüentemente confundida com outras
práticas reprováveis que se verificavam nas diversas esferas legais, administrativas,
contratuais, sociais (strictu sensu), e até religiosas.
A
criminalidade não é uma doença curável que se encontra o remédio curador em
qualquer farmácia de esquina. Apenas conhecemos os seus efeitos desastrosos que
redundam em pânico e amedrontam o cidadão de bem.
Alertamos,
sim, para que se alcance a extirpação da criminalidade na fase da Terra, e
verdadeiramente encontremos um mundo de paz, somente no dia em que o homem
acabar com a própria violência que carrega dentro de si.
Na verdade, a
Sagrada Escritura, o Livro dos Livros, há praticamente dois mil anos tem
registrado, pelo ensinamento deixado por Jesus Cristo: “Vocês não compreendem
que nada do que vem de fora e entra numa pessoa pode torná-la impura, porque
não entra em seu coração, mas em seu estômago, e vai para a privada? É o que
sai da pessoa que a torna impura. Pois é de dentro do coração das pessoas que
saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultérios, ambições
sem limite, maldades, malícia, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de
juízo. Todas essas coisas más saem de dentro da pessoa, e são elas que a tornam
impura.” (Marcos, 7, 18-23).
Pode-se
interpretar, então, que a consciência humana é quem cria os projetos, que
passam a nortear as condições de vida e direcionam o viver de cada pessoa, na
busca da felicidade individual.
Noutras
palavras, cada pessoa possui a consciência moral, que é uma lei interna no
íntimo do ser humano. Ela que lhe impõe, no momento oportuno, o fazer o bem e
evitar o mal. Essa consciência moral emite um julgamento da razão, pelo qual a
pessoa reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai planejar ou vai executar
ou que já o praticou.
Com a
consagração do princípio nullo crimem nulla poena sine legem (não há crime sem
pena prevista em lei), crime e pecado se confundiam pela persistência de um
vigoroso direito canônico que às vezes confundia (e até substituía) a
legislação dos Estados.
Deve-se,
portanto, àquele princípio a formulação atual de várias legislações penais que,
em verdade, não proíbem nenhuma prática, mas simplesmente tipificam condutas e
preconizam as respectivas penas àqueles que as praticam.
Assim é
correto dizer que não há lei que proíba alguém de matar uma pessoa. O que há é
uma lei que tipifica esta ação definindo-a como crime, e prescreve-lhe as
diversas penas aplicáveis àquele que a praticou, levando em conta as diversas
circunstâncias: atenuantes ou agravantes presentes ao caso concreto.
Cumpre
examinar, preliminarmente, a complexidade existente quanto à origem das
organizações criminosas, face às diferenças circunstanciais apresentadas por
cada país.
Note-se que,
"no Reino Unido e na Espanha, por exemplo, a existência de uma
regulamentação sobre o consumo de drogas, o jogo e a prostituição faz com que
os grupos organizados sejam de caráter distinto dos existentes no Japão, onde
as organizações que se dedicam ao controle do vício e da extorsão têm uma
grande proeminência. Em muitos países do Terceiro Mundo, além da exploração da
droga, o crime organizado se dedica à corrupção de funcionários públicos e
políticos".(1)
O Interessante
se faz comentar que organizações criminosas, como a Máfia italiana, a Yakuza
japonesa e as Tríades chinesas apresentam traços comuns, uma vez que surgiram
no início do século XVI como uma maneira de defesa contra os abusos cometidos
por aqueles que detinham o poder.
Ademais,
"para o crescimento de suas atividades contaram com a conivência de
autoridades corruptas das regiões onde ocorriam movimentos
político-sociais". (2) Outrossim, foi relatado que o primeiro caso de
terrorismo, vertente do crime organizado, ocorreu em 1855, ocasião que os
anarquistas franceses atentaram contra Napoleão III, sendo que esses
encontraram guarida de refúgio na Bélgica, cujos governantes recusaram-se a
conceder-lhes a extradição. Tal fato originou a Lei francesa de 28 de julho de
1894.
Registre-se,
ainda, que no Brasil, a associação criminosa derivou do movimento conhecido por
cangaço, cuja atuação desenvolveu-se no sertão do Nordeste, durante os séculos
XIX e XX, partindo da vingança pessoal à maneira de lutar contra as atitudes de
jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além do efeito de contestação ao
coronelismo desenfreado.
"Personificados
na figura de Virgulino Ferreira da Silva, O Lampião, (1897-1938), os
cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em
várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear fazendas, vilas, e
pequenas cidades, extorquindo dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou
seqüestrar pessoas importantes e influentes para depois exigir resgates. Para
tanto, relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam
com a colaboração de policiais corruptos, que lhes forneciam armas e
munições". (3)
Os famosos
cangaceiros que ficaram registrados na história, como líderes dos bandoleiros
nas caatingas nordestinas foram: Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Sinhô Pereira,
Virgulino Ferreira da Silva (Lampião), Corisco, Chico Pereira etc. eles
utilizavam no enfrentamento dos ataques a tática de guerrilha.
Existiam
grupos e subgrupos, comandados por homem de valentia, que numa empreitada
maior, juntavam-se e invadiam as pequenas cidades interioranas. Com uma
diferença tática de organização criminosa da atualidade, eles não arriscavam
penetrar nas cidades de porte médio e metrópoles.
Por exemplo, a
primeira vez que ousaram invadir uma cidade grande, no caso Mossoró - RN, o
grupo de Lampião deu-se mal. Aos poucos, eles foram se aperfeiçoando,
atualizaram os seus métodos de atuação, modernizaram os seus estratagemas,
acompanharam o processo tecnológico e chegaram a invadir e dominar as regiões
metropolitanas do país, inclusive com as suas ramificações internacionais.
Os subgrupos
que agem nas pequenas cidades e assaltam a bancos ainda não receberam o título
de graduação, a sua participação perante a cúpula dá-se através de parceria com
o valor de contribuição do resultado obtido e aquisição de armamentos bélicos e
substâncias entorpecentes.
O antigo e
autêntico cangaceiro nordestino caracterizava-se pela sua indumentária: roupa
de cáqui, chapéu de couro, com as abas quebradas para cima, duas cartucheiras
cruzadas no tórax e uma cercada nos quadris, um rifle, uma pistola, um facão
afiado, um bornal, um par de sandálias de rabicho, cabelos puxados à
brilhantina, cordão de ouro e o pescoço envolto de patuás e vivia no meio das
caatingas ressecadas do sertão.
Enquanto que o
novo e moderno cangaceiro, que atua em todas as regiões, o distintivo é sua
vestimenta de etiqueta, paletó, gravata, sapatos macios, relógio de marca,
cabelos escovados, freqüenta hotéis e restaurantes de cinco estrelas, mansões e
palácios, gabinetes e escritórios notórios, utiliza celular, Internet e
televisão, municiado de armas de fogo de alto potencial ofensivo, dinheiro
depositado em contas secretas no exterior, desvios e gastos excessivos do
dinheiro público.
Mudou somente
o perfil do cangaceiro da antigüidade para o gangster da modernidade.
A título de
ilustração, trazemos à baila, com o fito de arregimentar o nosso artigo,
comentários de pesquisadores na matéria e como analisaram o mundo do
cangaceirismo:
Na visão de
Billy Jaynes Chandler: “cangaço era um fenômeno exclusivamente do sertão”. “Sem
encontrar garantia de proteção nem do patrão, nem do Estado, muitas dessas
povoações do sertão se transformaram em verdadeiras selvas, onde cada um lutava
pela sua sobrevivência. Parece, portanto, que o aparecimento do cangaço esteja
intimamente ligado a este estado de desorganização social” ... “naquele tempo,
a polícia era quase igual aos bandidos, e buscas como estas significavam a
destruição quase total das casas e de seus conteúdos, além de maus-tratos aos
seus habitantes ”.
Sobre o
cangaço expõe Bismarck Martins de Oliveira: “a seca impelia o homem a procurar
todos os meios de sobrevivência. O mercado de trabalho era quase ou totalmente
inexistente. Que fazer um homem forte, cheio de vigor e corajoso, dono de uma
prole numerosa, em pleno ano de 1900, no alto sertão pernambucano, no auge de
uma seca? Não havia plantações, logicamente, não havia colheita. Os rebanhos
eram vendidos pelos proprietários, que rapidamente esperançosos de salvar
alguma coisa, pois, caso contrário, morreriam sedentos e famintos. Nas vilas e
cidades da região, não existiam empregos e, além disso, os fazendeiros e
coronéis dispensavam os serviços de quase todos os empregados, ficando apenas o
vaqueiro, por tradição, para recomposição futura do rebanho, então, o que
fazer? Ir sentar praça na polícia, onde o soldo não dava para comer? A promessa
de fortuna atraía para a vida criminosa onde poderia se vingar do patrão que o
despedira injustamente, do chefe de polícia que o espancara ou daquele que
matara um parente ou desonrara uma irmã sua. A fome e a miséria os afastaram de
uma vida normal e honesta, não havia escolha e o caminho era um só: ser
cangaceiro ”.
Análise de
Anildomá Williams de Souza: “soletra-se o cangaço começando pela terra... Pois
bem, esse Nordeste do início do século XX tem uma divisão de classe devidamente
sumária, que são: de um lado o poderoso senhor dono das grandes extensões de
terras, depois os sem-terra, o semi-escravo, o semi-servo, o povo. Naquela
época um agricultor ganhava quinhentos réis por onze horas diárias de trabalho
braçal; no entanto, um quilo de carne de segunda custava, em média, oitocentos
réis; quanto ao feijão, o quilo custava quatrocentos réis; sem falar que era o
povo trabalhador que produzia tudo isto para o dito patrão, e que depois ele
mesmo tinha de comprar de volta, numa ciranda mercantil perversa” ... “com
essas poucas palavras já se tem uma idéia do que significava viver no sertão
naquela época, não muito diferente dos dias de hoje, sob o sol quente e
abrasador, convivendo constantemente com os problemas climáticos, dá-se para
ter uma idéia do porquê do cangaço”. ... “não havia outra forma de vida. A
dignidade era uma das coisas que não se conhecia nem se ouvira falar: ou o
homem era marginalizado no trabalho, aguardando as plantações dos donos da
terra com o seu sangue ou inevitavelmente abraçava o fanatismo religioso: ia
seguir o Padre Cícero, Beato da Cruz, João Antônio, Conselheiro ou qualquer
outro, cantando, rezando e anunciando o fim do mundo e grandes catástrofes
pelos carrascais e veredas do sertão, subindo e descendo serra, de vila em vila
”.
Quando havia
invasão nas vilas e pequenas cidades pelos grupos de cangaceiros tornava-se um
verdadeiro Deus nos acuda, bastando ouvir o tropel dos cavalos, agitava-se do
sacristão ao padre da freguesia, do vereador ao prefeito, do jagunço ao
coronel, da parteira ao médico, da donzela a dama respeitosa, da criança ao
velho, pois, a segurança da cidade era feita por um delegado e cinco ou seis
soldados de polícia.
A população
corria assustada, escondendo-se nas valas, locas e pé de serra; os cachorros
latiam e as cadelas grunhiam no meio da rua; enquanto que os meliantes atacavam
bodegas, barracões e casa de fazenda, quebravam o fio do telégrafo e destruíam
o rádio amador, ocasião que cidade ficava totalmente incomunicável e eles
mantinham todo o domínio.
O atual modo
de agir dos criminosos, cujo cenário é transmitido pela televisão, não tem
quase diferença daquelas executadas pelos cangaceiros. Só não são idênticas
porque o quadro é outro, não mais no Nordeste brasileiro, mas sim, na região
Sudeste. Não utilizam o mosquetão nem o parabelum, porém a metralhadora e a
dinamite.
Verifica-se
que a primeira infração penal organizada no Brasil consistiu na prática do
"jogo do bicho", iniciada no século XX. Relatou-se que o Barão de
Drumond criou o jogo com o intuito de arrecadar dinheiro para salvar os animais
do Jardim Zoológico do Estado do Rio de Janeiro.
Contudo, a
idéia popularizou-se e passou a ser patrocinada por grupos organizados, os
quais monopolizaram o jogo, corrompendo policiais e políticos. Consta que, na
década de 80, o jogo do bicho movimentou cerca de R$ 500.000,00 por dia com as
apostas realizadas, sendo que de 4% a 10% deste montante foi destinado aos
banqueiros.
É de bom
alvitre assinalar que, nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas
surgiram nas penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, como a "Falange
Vermelha", que nasceu no presídio da Ilha Grande, formada por quadrilhas
especializadas em roubos a bancos; o "Comando Vermelho", originado no
presídio Bangu 1 e comandado por líderes do tráfico de entorpecentes e o
"Terceiro Comando", dissidente do Comando Vermelho e idealizado no
mesmo presídio por detentos que discordavam da prática de seqüestros e de
crimes comuns praticados por grupos criminosos.
Vale lembrar
que "no Estado de São Paulo, em meados da década de 90, surgiu no presídio
de Segurança Máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, a
organização criminosa denominada PCC - Primeiro Comando da Capital -, com
atuação criminosa em diversos Estados" (4) .
O PCC
patrocina rebeliões e resgates de presos, rouba bancos e carros de transporte
de valores, comete extorsão de familiares de detentos, extorsão mediante
seqüestro e tráfico de entorpecentes, possuindo conexões internacionais.
Ademais,
assassina membros de facções rivais, tanto dentro como fora dos presídios. Por
sua vez, segundo Relatório divulgado em 17 de junho de 2002, pela organização
não governamental World Wild Fund (WWF), o crime organizado, incluindo a Máfia
russa e os cartéis de entorpecentes, estão adentrando o tráfico ilícito de
animais, devido ao seu caráter lucrativo (de até 800%), evidenciando-se baixo
risco de detenção e a falta de punição.
Estima-se que,
no Brasil, 40% dos carregamentos ilegais de drogas estejam relacionados com o
tráfico de animais. Nos Estados Unidos, mais de 1/3 (um terço) da cocaína
apreendida em 1993 provém da importação de animais selvagens.
Destarte, em
alguns casos, os animais são levados juntamente com as drogas; em outros, são
usados como moeda de troca e lavagem de dinheiro. (5) "(...) as pesquisas
biológicas clandestinas, o comércio irregular de madeiras nobres da região
amazônica e da mata atlântica, em especial o mogno, extraído dos Estados do
Pará e sul da Bahia, com a suposta conivência de funcionários do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), também são consideradas relevantes áreas
de atuação do crime organizado no território nacional, com conotações
transnacionais" (6).
Segundo
relatório final da CPI da Biopirataria, divulgado em 03/02/2003, o comércio
ilegal de animais movimenta aproximadamente R$ 2 (dois) bilhões por ano e, a
comercialização ilegal de madeira, R$ 4 (quatro) bilhões. (7)
Não se deve
olvidar a existência de organizações criminosas especializadas no desvio de extraordinários
montantes dos cofres públicos para contas de particulares, as quais são abertas
em paraísos fiscais no exterior. Tal prática envolve escalões dos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, prova disso foi resultado do impeachment
do Presidente Collor, no ano de 1992, a renúncia de alguns deputados da Câmara
Federal, os quais manipulavam verbas públicas e ficaram conhecidos como
"anões do orçamento", além da cassação do senador Luís Estevão e da
prisão do presidente do Tribunal Regional do Trabalho, Nicolau dos Santos,
devido ao superfaturamento na construção da sede do referido tribunal.
As
características e atividades de uma organização criminosa:
1 - Estrutura
hierarquizada empresarialmente, com divisão funcional de atividades - estrutura
sofisticada e compartimentalizada em células, com cadeias de comando e divisão
de trabalho bem delineadas, revestidas por uma rígida subordinação hierárquica
entre seus componentes. Consiste numa estrutura quase híbrida entre uma empresa
capitalista familiar e uma associação fascista paramilitar.
2- Uso de meios tecnológicos sofisticados.
3 - simbiose freqüente com o Poder Público - é muito comum, nos meios de comunicação, a notícia de que o crime organizado financia políticos para conseguir favores. Sendo que esta é vital para caracterizar como crime organizado de uma associação criminosa.
4 - alto poder de intimidação e violência.
5 - preferência pela prática de crimes rentáveis como: extorsão, pornografia, prostituição, jogos de azar, tráfico de armas e entorpecentes etc.
6 - tendência a expandir suas atividades para outros países em forma de multinacionais criminosas.
7 - diversidades de atividades, para garantir uma maior lucratividade.
Encontramos
uma salutar distinção, de crime e castigo, no que pertine ao grau de temeridade
à violência e ao apoio de segurança dos cidadãos, nas classes sociais
brasileiras, feita por Luiz Carlos Lopes: “As mídias reproduzem este sentimento
das camadas populares e das elites que revela várias coisas. As pessoas
sentem-se profundamente ameaçadas pelo crime e querem ser protegidas de alguma
maneira.
Os mais
brancos temem os mais negros, no racismo nem sempre angelical que envolve o
imaginário do país. Os que têm alguma coisa, mesmo sendo pouco, temem ser
furtados, roubados, seqüestrados, feridos, assassinados, violados etc.,
acreditando na máxima que a violência deva ser combatida por uma violência
ainda maior e sem qualquer freio.
Os mais ricos
protegem-se criando verdadeiros sistemas de segurança complexos e pequenos
exércitos particulares de defesa, muros altos, alarmes, carros blindados,
transporte por helicópteros etc. As classes médias ficam no meio deste fogo
cruzado, sendo excelentes alvos do crime porque têm algo a ser roubado, podem
consumir a droga (são clientes potenciais do tráfico) e são menos protegidos do
ponto de vista da segurança pública e privada.
É bem verdade
que as classes médias tentam imitar os padrões de segurança dos mais ricos,
como têm menos recursos, ficam na caricatura, continuando a serem alvos privilegiados,
muitas vezes vítimas letais. Curiosamente, existe um sentimento geral de não se
acreditar nas polícias e de se tender a compará-las aos criminosos.
Os mais
pobres, de modo geral, vêem as polícias como perigosas e não confiam em suas
ações. Não tendo como se proteger, eles são também vítimas fáceis, que engordam
as estatísticas da criminalidade. Nas favelas e bairros da periferia é muito
mais fácil ser atingido ou constrangido, mesmo não se tendo nada a ver com o
problema ”.
Diante deste
contexto complexo, são necessárias algumas medidas de cunho político e
judiciais de combate ao crime organizado, configurando uma resposta
institucional a esse tipo tão lesivo de criminalidade.
Impossível
comentar propostas de combate ao crime organizado sem ressaltar a imperiosa
necessidade de especialização da força policial e, ainda, purificá-la,
expulsando da corporação aqueles policiais já viciados e que integram
organizações criminosas.
É preciso
equipar a polícia, proporcionando-lhe o acesso à tecnologia de ponta, o que
implica no treinamento constante de sua força, pois sua ação nesse campo do
crime organizado restará ineficaz.
Reciclagem e
aperfeiçoamento da polícia extensiva no sentido de adequação da prática de
prisão por crimes de menor potencial ofensivo no que diz respeito aos direitos
individuais, principalmente no respeito e no tratamento de indiciados
primários, que muitas vezes, depois de sofrerem uma prisão ilegal, serem
torturados e receberem maus-tratos, terminam enveredando pelo mundo do crime,
numa espécie de vingança à força estatal.
Aprimoramento
e cursos direcionados à polícia judiciária no sentido de adequada elaboração do
inquérito policial, particularmente tendo apoio humano, logístico e, sobretudo,
oferecimento de condições materiais na persecução de suas tarefas cotidianas.
Estrutura
orgânica e especializada do Ministério Público, como já vem acontecendo nos
vários Estados da federação (inclusive Mato Grosso) com a criação de núcleos
especiais voltados ao combate a organizações criminosas, vez que impõe-se ao
titular da futura Ação Penal uma habilidade efetiva e proveitosa na colheita
probatória que sustentará a sua pretensão na fase judicial.
Outra medida
que reputamos de inestimável valor é aquela relativa à formação das denominadas
forças tarefas, que seriam a união de vários órgãos, dentre os quais Polícias,
Receitas Estaduais e Federal, Ministério Público Federal e Estadual, órgãos de
inteligência, entre outros, conforme a necessidade do caso. Assim, a força
tarefa teria uma ação ampla com imediata troca de informações e dados, bem como
maior facilidade na investigação, quando esta se desenvolve em outros locais,
no país ou fora dele.
Ainda,
impõe-se urgente alteração legislativa no sentido de se criar mais uma causa de
isenção de pena àqueles que delatem, com o sucesso esperado, organizações
criminosas de relevo. Sejam isentados de pena os delatores, tendo em vista que
a concessão de atenuantes especiais existentes não são capazes de incentivar o
agente, o qual, mesmo com a pena reduzida, sabe que irá para a cadeia e lá
estará à disposição da quadrilha que delatou.
Como
prioridade estabeleçam condições práticas e instrumentos eficazes de proteção
às testemunhas, delatores, bem como a seus familiares. De nada serve a previsão
legal se esta torna-se inaplicável, seja por falta de verba, seja por falta de
estrutura por parte do Estado para proporcionar a segurança devida, uma nova
vida, emprego, nova identidade, entre outros aspectos necessários.
Dessa forma,
uma posição enérgica, corajosa, imparcial, imediata e eficaz por parte do
Estado para que se possa fazer frente ao grande avanço da atividade criminosa
organizada em nosso país, inclusive, afastando-se completamente aquela velha
idéia do corporativismo.
Nós, os
operadores do direito, tenhamos a consciência de assumir uma postura ativa no
combate a esse tipo de crime e ao criminoso, sob pena de cair em descrédito
perante a sociedade e, pior, permanecer convivendo com a miséria que exclui
inúmeros brasileiros, enquanto uma casta de criminosos vive ao bel-prazer e
suga o país, com o reforço do mensalão e sanguessugas as vísceras de pacientes
mortais que não passeiam nas ambulâncias superfaturadas.
A catástrofe
que ultimamente ocorreu no Estado de São, Paraná e Mato Grosso do Sul, com
sinais exteriorizadores de uma guerra civil, comandada por facções criminosas,
com metralhamento de agências bancárias, casas comerciais e residenciais,
conjuntos habitacionais, incêndio de dezenas de ônibus e assassinatos de
policiais e pessoas inocentes, e as convulsões sociais que fecundam no país
afora, só cabe ao poder público adotar medidas em favor da população.
Essas
organizações criminosas funcionam nos moldes de um consórcio: alugam armas e
carros para outros bandidos e recebem, como pagamento, parte do butim que os
autores diretos arrebatam nas investidas criminosas. Além do comércio de
substância entorpecente e a participação nos sequestros e assaltos a condomínio
de luxo, estima-se que a facção movimenta um mínimo de um milhão de reais
mensalmente.
O poder de
fogo da organização é tão grande que, segundo divulgação da mídia nacional, na
hecatombe de São Paulo, dentro dos presídios havia um apoio firme e consciente
de 140.000 (cento e quarenta mil presos), além das grades, havia um apoio
marginal de mais de 500.000 (quinhentas mil pessoas).
Não há
qualquer exagero constatar que o poder público, nos centros de maior densidade
demográfica tornou-se refém das sociedades dos celerados, enquanto que o
cidadão está exposto à sanha dos bandidos que impõem coercitiva e
impiedosamente a norma marginal.
Por tudo isso,
o cangaço não acabou.
João Pessoa -
Pb, 01 de junho de 2006.
SEVERINO
COELHO VIANA
E-mail – scoelho@globo.com
Promotor de
Justiça
(1) Billy
Jaynes Chandler – Lampião – O Rei do Cangaço - - Paz e Terra – 4ª ed.págs. 16,
27 e 54.
(2) Bismarck Martins de Oliveira – O Cangaceirismo no Nordeste – 2ª ed. – João Pessoa – 2002, pág. 54/.
(3) Anildomá Williams de Souza – Lampião – O C0omandante das Caatingas - 1ª ed. 2001 – Pe. – págs. 14 e 16 e 17
(2) Bismarck Martins de Oliveira – O Cangaceirismo no Nordeste – 2ª ed. – João Pessoa – 2002, pág. 54/.
(3) Anildomá Williams de Souza – Lampião – O C0omandante das Caatingas - 1ª ed. 2001 – Pe. – págs. 14 e 16 e 17
(4) Luiz
Carlos Lopes – Crime e Castigo no Brasil. http://lainsignia.org
Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço:
José Romero Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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