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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Corisco e sua morte acontecida na fazenda Pulgas

Por Edson Barreto*

Visitei a Fazenda Pacheco (antiga Fazenda Pulgas) no dia 08 de fevereiro de 2006. Ela fica no Povoado Pulgas, município de Barra do Mendes, na Bahia. Quem sai da cidade de Barro Alto (Bahia) em direção à cidade de Barra do Mendes, a poucos quilômetros, entra à esquerda e chega-se a essa pequena localidade. Acompanhavam-me: Érico Israel (meu irmão), Roseane (cunhada), Erick e Erickson (sobrinhos), Elaide Barreto (esposa), Evilyn Barreto (filha) e Valdizar (nosso guia, profundo conhecedor da região). 

A Fazenda Pacheco seria hoje apenas mais uma propriedade rural de uma família de amistosos sertanejos se não tivesse ocorrido naquele recôndito a emboscada que resultou na morte do ex-cangaceiro Corisco e o fato de Dadá (companheira de Corisco) ter sido baleada, na perna, em 25 de maio de 1940. Esse fato é considerado, por alguns historiadores, como sendo o fim do cangaço no Nordeste do Brasil. Em 1940, a Fazenda Pulgas pertencia à cidade de Brotas de Macaúbas, Bahia, sendo que Barra do Mendes era apenas um povoado.

De volta ao século XXI, na atual Fazenda Pacheco encontrei, em 2006, a senhora Marieta de Souza Pacheco (dona Neta), pessoa maravilhosa, filha do senhor Joaquim de Souza Pacheco (falecido em maio de 2003, ex-proprietário daquelas terras). Dona Neta é uma das testemunhas que esteve presente na tragédia que vitimou o Diabo Loiro. Ela, ainda muito lúcida, tinha dez anos de idade quando a família recebeu a visita de uma caravana de cinco pessoas (duas mulheres, dois homens e uma criança do sexo feminino) se dizendo romeiros, e que iam para a Lapa de Bom Jesus (cidade de Bom Jesus da Lapa, na Bahia) para pagarem uma promessa. Vinham montados em burros, com diversos caçoás, cheios de bagagens, inclusive dois papagaios. Pediram guarida ao senhor Pacheco, pois vinham de longe e iam para longe. O chefe da família ofereceu-lhes a Casa de Farinha, que ficava no oitão bem próximo de sua residência, distante uns quatrocentos metros, para um merecido descanso daquele grupo de viajantes. Era hábito comum, entre os habitantes do sertão, conceder repouso a quem estava de passagem, mesmo sendo estranhos.

O ex-chefe de subgrupo de Lampião, Corisco, sua mulher, Dadá, o ex-cangaceiro Rio Branco e sua companheira Florência, e a criança, Zefinha, afilhada do primeiro casal, ficaram naquela localidade por volta de uma semana. Dona Neta confidenciou-me que entre as bagagens “dos romeiros” havia alguns livros, peças de louças, muitas caixas e baús fechados, bastante comida e um pequeno caixote de madeira em que estava guardada uma trança de cabelos (que seria colocada no altar, em Lapa de Bom Jesus, para o pagamento da suposta promessa). Essa trança provavelmente era dos longos cabelos de outrora de Corisco, pois ele estava de cabelos curtos nessa ocasião. Na verdade, Corisco estava rumando para terras distantes do Nordeste ou Centro-Oeste, pagar uma promessa era uma forma de afastar pistas de sua fuga e do seu passado de banditismo que o tornou famigerado nas caatingas do sertão.

Durante a estada na fazenda, Dadá, muito amistosa, fez grande amizade com a família Pacheco, frequentando a residência deles e proseando bastante, porém Corisco mantinha-se mais distante, arredio, não entrava nunca na casa dos sertanejos anfitriões e, curiosamente, nunca tirava um paletó preto que usava sobre os ombros (provavelmente para esconder as cicatrizes de um ferimento que sofrera e o deixara aleijado dos membros superiores nos árduos tempos de cangaço). Uma parente de dona Marieta Pacheco, que morava próximo dali, estava bastante enferma e, algumas vezes recebeu a visita da família do Senhor Pacheco e de Dadá e Corisco, porém Corisco muito cismado não entrava em casa nenhuma, ficava sentado na varanda. Essa enferma faleceu e todos eles acompanharam o enterro que foi realizado debaixo de chuvas e muita lama, no pequeno cemitério de Barra do Mendes, naquele barro vermelho e pegajoso quando molhado.

Dona Neta informou que Dadá usava realmente esse apelido e não conseguiu lembrar o nome que o Diabo Louro fora apresentado na fazenda, porém não era Corisco nem Cristino que o chamavam. Não se lembrou também o nome do outro casal nem o da criança que os acompanhavam. "-Lembro que era um homem alto, agalegado, de pele vermelha queimada do sol! Não sabíamos nem que eram cangaceiros, todos eles eram pessoas boas e respeitadoras. Cangaceiros, pra gente, eram histórias que o povo contava – " afirmou dona Marieta. 25 de maio de 1940, um sábado. Os pais de dona Neta e os irmãos mais velhos foram para a feira no povoado de Barro Alto, próximo da Fazenda Pulgas, como era costume da família, para comprar mantimentos. Inclusive Corisco e Dadá pediram para que eles comprassem farinha, carne, pão e biscoitos. Dona Neta, com apenas dez anos de idade, ficou em casa cuidando dos irmãos mais novos até o retorno dos pais.

Antes de os pais retornarem, aquela pequena localidade recebeu a visita da volante do Tenente Zé Rufino que há dias vinha no encalço dos ex-cangaceiros (já anistiados de seus crimes pelo Governo Federal). Dona Neta estava dentro de casa com os irmãos mais novos quando de repente ouviu gritos e um intenso estampido de armas de fogo vindos do lado da casa de farinha. Sem saber do que se tratava escondeu-se embaixo da cama, com os irmãozinhos, até que a calmaria voltasse. Depois de alguns minutos, ao sairem no terreiro da casa, a criança Marieta e seus irmãos, viram diversos soldados; um deles disse para os pequenos moradores assustados e chorosos:

- Fiquem calmos, nós viemos tirar uma onça de perto de vocês!

Dona Neta e os irmãos, ainda sem entenderem muito aquela tragédia jamais vista ou ouvida por aquela região, puderam ainda enxergar, a algumas centenas de metros da casa, o corpo de Corisco estirado e agonizante em meio ao pó vermelho daquele chão fértil e, a poucos metros, Dadá baleada na perna, caída, e gritando:

- Alguém me dê uma arma pra eu atirar nesses desgraçados!

Rio Branco e Florência, no momento dos tiros, estavam lavando roupas num barreiro próximo e de lá mesmo fugiram para destino ignorado. Quanto à menina, Zefinha, dona Neta não soube informar o seu paradeiro. Concluiu dizendo que os policiais levaram tudo o que pertencia àquele “grupo de romeiros” e que Corisco (ainda vivo) e Dadá seguiram com a volante. Pouco depois, seus pais e irmãos chegaram assustados já sabendo do acontecido em suas posses.

Hoje, essa passagem, manchada de sangue, é uma marca que compõe a história daquela gente simples, pacata e maravilhosa das cidades de Barra do Mendes e Barro Alto, e se inserem nas páginas da vasta história do cangaço brasileiro.

*Edson Barreto é professor de Língua Portuguesa, Redação e Literatura Brasileira. Membro da Academia de Letras de Paulo Afonso e pesquisador do cangaço.

Fonte: facebook

http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

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