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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A MORTE DO PADRE CÍCERO

Por José Bezerra Lima Irmão

Excerto do capítulo 181 de Lampião – a Raposa das Caatingas.

José Bezerra é pesquisador do cangaço e de tudo o que diz respeito à história do Nordeste envolvendo as figuras fantásticas de Padre Cícero, Antônio Conselheiro, José Lourenço, Severino Tavares e Quinzeiro, e os trágicos episódios de Canudos, Caldeirão, Pau-de-Colher, Serra do Rodeador e Pedra Bonita do Reino Encantado ou Pedra do Reino. É autor do livro Lampião – a Raposa das Caatingas, uma biografia completa do Rei do Cangaço.

http://araposadascaatingas.blogspot.com.br

Na manhã de 20 de julho de 1934, aconteceu uma coisa terrível na Cidade Santa do Juazeiro: morreu o Padre Cícero Romão Batista.

Mais de quarenta mil pessoas haviam passado a noite em vigília. Quando se espalhou a dolorosa notícia – “Padim Ciço morreu!!!” –, teve início um espetáculo assombroso. As pessoas choravam, abraçadas umas às outras, rezando ou gritando como loucas, acotovelando-se, atropelando-se, esmagando-se na ânsia de chegar à casa do reverendo – as ruas não tinham como conter tanta gente.


A situação agravou-se quando os telegramas chegaram às cidades próximas. Logo, caminhões e mais caminhões superlotados começaram a despejar romeiros que vinham ao sepultamento do Pai dos Pobres. Uma verdadeira onda humana tomou a Rua São José, onde morava o Padre Cícero, invadindo todos os espaços, rompendo obstáculos, derrubando portas, passando por cima de tudo. O delegado de Juazeiro, vendo que a polícia era impotente diante da multidão sem controle, lavou as mãos com uma desculpa razoável:

"– O Padre Cícero era do povo e continua a ser do povo".

O caixão mortuário foi colocado numa janela, quase em posição vertical, num estrado de madeira, e durante o dia inteiro ficou ali, aberto, para que o corpo fosse visto pela multidão. Enquanto isso, milhares de pessoas continuavam a chegar a Juazeiro, a pé, a cavalo, de caminhão, de automóvel. Às quatro horas da tarde, ouviu-se um ronco nos céus, como um trovão prolongado – eram aviões do Exército que chegavam de Fortaleza com um barulho ensurdecedor, lançando-se de ponta para baixo em voos rasantes, passando a poucos metros do telhado da casa do Padre Cícero.


Àquela altura, a colmeia humana já ultrapassava a casa dos 60 mil. Ninguém se lembrava de comer ou beber. Não havia sequer uma casa de comércio aberta. O prefeito decretou luto oficial por três dias. Nas cidades vizinhas aconteceu o mesmo. A Bandeira do Brasil foi hasteada nas repartições públicas e em várias casas, com uma faixa negra, de luto.


A multidão passou a noite em frente à casa do Padre, rezando, chorando, lastimando-se.


No dia seguinte, às 7 horas, 9 padres, liderados pelo monsenhor Shoter, deram início ao cortejo, descendo com o féretro pela Rua São José em direção à Praça da Matriz, onde foi feita a encomendação do corpo pelo monsenhor Pedro Esmeraldo da Silva Gonçalves, acolitado pelos demais sacerdotes, representantes do clero que tanto criticara e combatera o injustiçado Santo do Juazeiro. Por volta das 10 horas, reiniciou-se o cortejo, levando o corpo para a capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Vencendo os guardas que tentavam proteger o féretro, a multidão apossou-se do caixão, e foi assim que o Padre Cícero chegou à sua última morada – o caixão, suspenso nos braços do povo, parecia flutuar no céu como uma pluma.


O Padre Cícero foi sepultado em frente ao altar da Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro – que ele chamava de Capelinha do Socorro.


Quando Lampião soube que o Padrinho havia morrido, ficou paralisado. Virgínio e Luís Pedro choraram. Lampião mandou comprar faixas de crepe, e durante oito dias todos os cangaceiros usaram uma tarja preta no braço, em sinal de luto. Como todo nordestino, ele não podia compreender como era possível que o Padrinho tivesse morrido, pois o Padre Cícero era considerado imortal, um santo, uma entidade divina.


E de fato o Padre Cícero é imortal. E é um santo. Representa um oásis de esperança na seca espiritual do mundo sertanejo, somente equiparável ao Padre-Mestre Ibiapina. 


Pessoas ignorantes e pesquisadores unilaterais ou apressados em suas conclusões, desconhecedores da História, que interpretam os fatos do passado com a visão do presente, pintam de negro sua alma cândida e simples. 


Tinha defeitos? Tinha, porque era humano, mas seus defeitos eram uma revelação de sua ingenuidade e boa-fé, e não de maldade, coisa que o seu coração desconhecia. 


Como disse muito apropriadamente Frederico Bezerra Maciel, “Padre Cícero é o Santo por excelência dos humildes, que nele depositam sua fé, esperanças, dele recebem o consolo, a segurança e a força da resignação cristã”.

Padre Cícero no caixão

O Padre Cícero é o Santo Padroeiro da Nação dos Nordestinos – canonizado pelo povo.

http://sacolinhapedagogica.blogspot.com.br/2014/12/a-morte-do-padre-cicero-por-jose.html

Ilustrado por José Mendes Pereira
http://blogdomendesemendes.blogspot.com

3 comentários:

  1. Anônimo15:39:00

    Observem uma coisa Mendes e Dr. Bezerra Lima: Mesmo sendo cangaceiros, havia na vida deles um certo grau de religiosidade, ao ponto de usarem luto por oito dias na morte do Padre Cícero.
    Antonio Oliveira - Serrinha

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  2. Anônimo10:20:00

    História bem ilustrada e detalhada. Parabéns!!!!

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  3. Em nome de José Bezerra Lima irmão eu agradeço os seus parabéns, graNder Valmir Ferreira dos Santos

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