*Rangel Alves
da Costa
Um dia, lá
pelos idos de 1847, uma jovem britânica de nome Emily Brontë, pegou na pena e
escreveu uma das belas e comoventes páginas da literatura mundial: O Morro dos
Ventos Uivantes. Na paisagem sombria e brumosa que permeia a história de amor,
vingança e traição, sempre a sensação de angústia, desalento e silenciosa
aflição.
Os ventos
uivam no morro como a simbolizar os gritos aflitos, os murmúrios entristecidos,
as palavras que chegam sem nenhuma pronúncia, mas, principalmente, os medos que
se escondem e de repente ressurgem nas ambientações sombrias e tristes. É como
se do alto de um monte um lobo anunciasse as tragédias e os sofrimentos
entrecruzando as vidas dos personagens.
Ante a
leitura, não há como não sentir a sensação de caminhar entre cerrações e
nevoeiros, à mercê dos sopros uivantes e suas surpresas angustiantes. E sopros
e sombras que acabam envolvendo os personagens, entremeando suas vidas,
turvando os seus destinos. De repente, quando a paz parece fazer companhia,
quando a felicidade se mostra possível, eis que novamente os ventos começam a
uivar.
Também na vida
real, o ser humano não vive distante de paisagens assim, de silêncios gritantes
e brumas tormentosas, de morros uivantes no seu caminhar. A pessoa, nas
angústias e melancolias do dia a dia, também possui o seu morro das silenciosas
ventanias. Silenciosas por que forjadas na ilusão de a tudo suportar sem bradar
para o mundo. Silenciosas por que aprisionadas na garganta, no âmago, nos
labirintos da alma.
Verdade é que
há em cada ser e ao seu redor, um morro de ventos uivantes que silencia até o
instante do grito. Grita-se ao já não mais suportar o dolorido silêncio. Um
vulcão que adormece até o dia do terrível despertar. Da garganta presa,
irrompem-se verdades muito mais aterradoras que um fumegante rio vulcânico. Ou
assim se faz – explodindo para resistir – ou se findará pelo próprio fogo.
Engana-se,
pois, quem imaginar que o monte sempre adormece e que jamais despertará do seu
sofrimento interno. Sua simples presença já é terrível ameaça. Do alto e dos
escondidos deste monte sopram açoites, saem lufadas desconhecidas, despontam
refegas lacrimosas e tempestades terríveis. O ser, frágil por natureza, apenas
uma folha seca em meio ao açoite, refém vai se tornando das cruéis ventanias.
Assim acontece antes de a lava escaldante começar a jorrar.
Por mais
escondido que esteja, por maior crença de segurança que sinta, ninguém se
distancia do morro das ventanias silenciosas. Na verdade, o seu cume de repente
se mostra à janela, dentro do quarto, na sala, dentro da própria pessoa. O cume
alto, o mais alto do mundo, mas tão acessível ao olhar que mais parece estar
abaixo dos pés. Tudo suportável até que o seu sopro, o seu açoite, a sua
ventania, a sua tempestade, começa a esvoaçar toda alma. Então a folha seca
humana se vê à mercê de seus chicoteios incontidos.
A menina
triste sempre avista o morro das ventanias silenciosas. No seu umbral, na
janela do entardecer, vai mirando adiante, levantando o olhar aos espaços
vazios, mas de repente se vê completamente tomada de recordações e saudades.
Entristecida, relembrando mais do que desejaria lembrar, se faz chorosa, tomada
de martírios e agonias. Nem sente sua chegada, pois aflita demais, mas já
envolta pelos açoites torturantes do morro das silenciosas ventanias.
A moça
saudosa, de um amor desamado, sentindo-se órfã dos afagos, carinhos e abraços,
levanta no quarto escuro e olha pela fresta da janela: tudo em turbilhão. Assim
na viúva aflita e sua cruz de saudade e de não aceitação do destino. E desde o
amanhecer os terríveis sopros vindos das montanhas do pensamento. Do entardecer
em diante, quando as sombras da noite chamam as presenças ausentes, então os
uivos gritantes se tornam tempestuosos.
Tudo sopra num
terrível açoite. Os lobos se sacodem por dentro, despontam vorazes. Os olhos
entristecidos e a boca trêmula, o coração aflito e a garganta presa. Os sinais
de que se está diante do morro dos ventos uivantes e das silenciosas ventanias.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário