Sempre, talvez
por ser sertaneja, fui muito curiosa em relação à vida dos sertanejos,
vaqueiros e cangaceiros. E, uma das coisas que sempre me chamou atenção foi a
forma de usar o chapéu de couro. O sertanejo o utilizava para proteger a
cabeça do sol inclemente, espinhos, chuva, além de embelezar e/ou complementar
a indumentária.
Mas os cangaceiros o usavam de forma diferente, eles, os
quebrava (aba) na parte frontal e isso me deixava intrigada…
Ao contrário do
vaqueiro, nas pegas de boi, que usava o chapéu de abas curtas ou com as abas
quebradas, em forma de “barco”, na frente, e eu, uma vez, por vê-lo usando o
chapéu, ao contrário, formando um bico na frente, perguntei ao vaqueiro do meu
avô, lá nas bandas do sertão baiano:
- Por que você usa o chapéu dessa forma?
Ele
assim me respondeu:
- Pra não atrapaiá quando for correr na caatinga, quando vou
pegar o boi… a caatinga é muito fechada e as “bera” do chapéu, atrapaia…
Observava, também que, o chapéu, muitas vezes servia para colocar água para
beber ou banhar o animal e, também, o alimento que na maioria das vezes era
geralmente seco: rapadura, farofa etc... Esse último costume, foi levado para a
cidade, com a urbanização. Os peões, das obras nordestinos, utilizavam o
capacete, não como EPI (Equipamento de Proteção Individual), mas como prato de
comida ou para beber água.
Achei interessante esse texto e tô deixando para deleite de todos que gostam ou tem curiosidade com o tema. Lampião desceu a serra, vestido de couro e embornais, na cabeça um chapéu de couro no peito fuzil e punhal, no coração uma revolta que nunca lhe dava paz... Umburana de Cheiro
A moda de Lampião - Pollianna Milan - historia@gazetadopovo.com.br
O significado
e funcionalidade de cada peça de roupa dos cangaceiros - A moda de Lampião.
Andar no
sertão nordestino com uma roupa que pesava cerca de 30 quilos pode parecer
loucura, ainda mais em uma época em que 80% dos deslocamentos eram feitos a pé.
Mas para os cangaceiros, que não se importavam com o desconforto, com cansaço
ou mesmo com a morte, o importante era se vestir bem, com uma estética tão
peculiar que poderia facilmente identificá-los. Tanto foi assim que as várias
camadas de roupas e acessórios que compunham o figurino de Virgulino Ferreira
da Silva, o Lampião, não perdiam em nada – no quesito peso – às armaduras dos
cavalheiros medievais ou às couraças dos samurais japoneses.
“Certa vez
Lampião chegou em uma cidade sergipana, entrou em um armazém e aceitou a
proposta do dono do local para pesar toda a roupa e equipamentos que ele tinha pelo
corpo. Chegou a quase 30 quilos, isto que ele tirou o fuzil e os depósitos
[cantis] de água”, afirma o historiador Frederico Pernambucano de Mello, que
lança este mês o livro Estrelas de couro: a estética do cangaço.
A obra traz
300 imagens do cangaço e 160 fotos de objetos de uso pessoal dos cangaceiros,
resultado de um trabalho que Mello começou em 1997. No prefácio do livro, o
historiador teve o privilégio de receber elogios do octogenário Ariano
Suassuna, que explicita a vontade de ser o autor do livro.
Ao contrário
de qualquer bandido ou criminoso, que deseja ocultar sua identidade, os
cangaceiros usaram roupas que chegaram a beirar o carnavalesco – termo usado
pela imprensa em 1928. Eram nômades, o que os “forçava” a levar tudo o que
precisavam pelo corpo, em dois bornais, para viagens curtas, e quatro, para as
mais longas. Eles quase proclamaram, a partir do traje, a condição de
cangaceiros com muito orgulho. “Estes homens não eram puramente criminosos,
tinham o pudor de se insurgir contra valores coloniais que não desejavam
aceitar. A condição de insurgentes é matéria-prima para o surgimento de uma
expressão de arte na qual estes ideais precisaram se materializar de modo
visível”, diz Mello.
A moda do
cangaço deixou raízes. O chapéu meia-lua de couro, com uma estrela no meio,
lançado por Virgulino, hoje é o símbolo do nordeste brasileiro. O chapéu, que
tem a aba virada naturalmente para cima quando se cavalga, durante o período do
cangaço, serviu de suporte de arte (na aba iam alguns enfeites) e também de
alerta: nenhum cangaceiro poderia correr o risco de ser surpreendido em uma
emboscada, por isso não poderia andar com a aba abaixada escondendo os olhos.
A conta
bancária também era carregada junto ao corpo: moedas de ouro 22 quilates (que
chegavam a ser vermelhas e tinham quatro centímetros de diâmetro) ficavam
penduradas na testeira do chapéu, assim como anéis (Lampião morreu com 30
alianças) que serviam como uma espécie de apresilhamento do lenço do pescoço,
chamado de jabiraca. As calças tiveram pelo menos três modelos. Havia ainda uma
perneira de couro para proteger as canelas dos espinhos e a alpercata (espécie
de chinelo) de couro que era usada com meia. “Gilberto Freire, em seu livro
Casa Grande e Senzala, chamou esta arte de projeção do homem, porque é uma arte
que está sobre este próprio indivíduo ou é como se fosse um prolongamento
dele”, explica Mello.
Um padre,
conversando com os cangaceiros em 1929, chegou a ficar impressionado com a
mobilidade deles: após uma espécie de acrobacia, não derrubaram nenhum dos
objetos que carregavam. “Os bornais [tipo de bolsa] tinham dentro carne seca,
farinha, rapadura e, para não caírem facilmente, ficavam presos. Uma alça de
couro passava a três dedos abaixo do mamilo e prendia as alças laterais dos bornais.
Era uma estrutura funcional que permitia aos cangaceiros combater e se embolar
pelo chão durante um tiroteio ou briga sem que nenhuma das peças se
desprendesse”, explica Mello.
A roupa também
era uma espécie de blindagem mítica. Funcionava como um amuleto da sorte e de
defesa. Quando um cangaceiro chegava em uma casa, por exemplo, a vítima do
assalto não o via com bons olhos, odiava este homem, por isso os amuletos
serviam como neutralizadores do mau-olhado.
Os amuletos da
sorte dos cangaceiros têm origem na antiguidade e eles poderiam usar estes
símbolos da maneira que bem entendessem, como expressão. Alguns chegavam a ter
o signo de salomão por todo o corpo. Ele é uma estrela de seis pontas – símbolo
de Israel – e significa proteção. Algumas destas estrelas sofreram alterações e
poderiam aparecer bordadas nos bornais. Normalmente os cangaceiros, na
composição individual, adotaram as estrelas de quatro, seis ou oito pontas.
A flor-de-lis
era o símbolo de pureza e também foi usada como proteção. Havia ainda a cruz de
malta – símbolo das ordens militares e religiosas portuguesas – da Ordem de
Cristo e da Ordem de Santiago que, inclusive, financiaram a vinda de algumas
caravelas ao Brasil. E, por último, a cruz “oito contínuo deitado”.
A costura
caracteriza o homem primitivo e, ao invés de se pensar em feminismo quando se
vê um homem costurando, é preciso olhar mais para a questão do arcaísmo. O
indivíduo tropeiro viajava com burros levando cargas como hoje fazem os
caminhões. No meio do caminho poderia perder o botão da braguilha, por isso
deveria saber costurar. Já o bordado era algo para os mais privilegiados e foi
um dos requisitos para os homens que queriam se tornar chefes dos subgrupos do
cangaço: deveriam saber bordar e repassar o ensinamento ao grupo. Foi com
Lampião que os cangaceiros passaram a usar roupas mais requintadas, com bornais
forrados de bordado a tal ponto que o tecido desaparecia debaixo das linhas
coloridas.
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