( *... matéria publicada há alguns anos, pretéritos)
Cabeças do lendário cangaceiro, de Maria Bonita e de outros bandoleiros do grupo foram “ despejadas “ do cemitério Quinta dos Lázaros, em Salvador.
O lendário
cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não tem sossego nem 64 anos
depois de sua morte, da de sua mulher, Maria Bonita, e de outros nove
bandoleiros no esconderijo da Grota de Anjico, em Poço Redondo (SE). As cabeças
do rei do cangaço, da companheira e dos cangaceiros Azulão, Zabelê, Canjica e
Maria de Azulão foram "despejadas" do cemitério Quinta dos Lázaros,
em Salvador, onde estavam enterradas desde 1969.
Depois de
chuvas fortes no início do ano, os carneiros – gavetas em que são guardados
cadáveres – com as cabeças foram, interditados pela Defesa Civil Estadual por
risco de desabamento. Alertada pelo legista Lamartine Lima da possibilidade de
que os restos mortais se perdessem, ajudando a sepultar de vez um pedaço da
história do Brasil, a neta de Lampião, Vera Ferreira, foi ao cemitério e
resgatou os vestígios dos avós. A mãe de Vera, Expedita, é a única filha de
Lampião e Maria Bonita. "Acabei realizando um sonho. Essa historia de
cabeça separada do corpo sempre me incomodou". O material foi levado para
um jazigo da família em Aracaju. Com isso Lampião retornou ao Estado onde
morreu, em 28 de julho de 1938, pelas mãos dos soldados do tenente pernambucano
João Bezerra, que comandava uma volante alagoana.
O coiteiro Pedro de Cândido é o da esquerda
As volantes
eram grupos móveis de policiais e civis contratados, os cachimbos, que
perseguiam os bandidos pelo sertão. Traído pelos coiteiros (protetor de
cangaceiros) Joca Bernardes e Pedro de Cândido, que revelaram seu paradeiro a
polícia, o bandoleiro foi cercado e morto a tiros de fuzil. Maria Bonita foi
degolada ainda viva.
Joca Bernardes
As cabeças dele e dos nove companheiros foram cortadas
pelos militares e expostas em várias capitais do País. Os corpos ficaram
largados no esconderijo, às margens do Rio São Francisco. Posteriormente, as
cabeças foram para o Museu Antropológico e Etnográfico de Salvador.
MÚMIAS
No fim dos
anos 60, o filho de Cristino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, o economista
Sílvio Hermano Bulhões, de 67 anos, organizou uma campanha para enterrar as
cabeças. O então professor da Faculdade de Medicina da Bahia Estácio de Lima,
que depois deu nome ao museu, defendia a tese de que os restos mortais dos
cangaceiros deveriam permanecer no centro de pesquisa, a exemplo das múmias
Egípcias, maias e incas, para serem estudadas.
"Estácio
lamentou muito a perda das cabeças porque elas ajudaram a refutar as teses do
criminalista italiano Cesare Lombroso, segundo as quais as pessoas nasceriam
predestinadas ao crime por conta do formato de seus crânios", diz
Lamartine Lima, que acompanhou a retirada das caveiras. De acordo com ele, as
pesquisas do colega mostraram que Lampião e os cangaceiros tinham crânios
absolutamente normais. "Sempre tive muita admiração pelo professor
Estácio, mas fui forçado a combatê-lo", relembra Bulhões, que vive em
Maceió e se aposentou como professor de matemática.
Sérgia Gomes
da Silva, a Dadá, companheira de Corisco, levou em 1977 os ossos do marido do
Município de Miguel Calmon (BA) para Salvador e os enterrou em um túmulo no
Cemitério Quintas dos Lázaros, junto a cabeça, também cortada pelos policiais,
em 1940, no combate que lhe custou a vida e o fim do cangaço enquanto forma de
banditismo organizado.
O economista
aplaudiu a retirada das cabeças por Vera. "Se ela não tivesse feito isso,
eu mesmo faria", disse. Agora, de acordo com a neta de Lampião, as cabeças
deverão ser enterradas em um memorial que será erguido no futuro museu e espaço
cultural que está para ser construído em Aracaju.
ESPAÇO
CULTURAL
As caveiras
dos outros cangaceiros continuarão no cemitério até aparecer alguém da família
ou de uma instituição de estudos para resgatá-las. O futuro Museu do Cangaço
terá exposição de armas, roupas e objetos dos bandoleiros, auditórios para
palestras, biblioteca temática sobre o sertão e visitas periódicas de Expedita
Ferreira. Que falará sobre o pai.
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