*Rangel Alves da Costa
O mundo é de voos, de viagens, de revoadas. Em tudo um sonho de Ícaro, uma busca de asas para subir aos ares. Mas também pela terra, nos passos de mudanças, a eterna vontade de seguir adiante, de enfrentar desafios. Por isso os bandos partem, os pássaros passam em revoada, as manadas deixam rastros pelas vastidões.
Depois de muito voar, as avoantes chegam em bandos e pousam na copa das árvores, nas galhagens pontudas, pelos tufos de mato. Faz lembrar as garças brancas que surgem aos montes no sertão sergipano a partir do mês de setembro e produzem um cenário magistral ao redor das barragens e tanques.
São viventes de outras regiões, de outras paragens distantes, mas que em determinados períodos do ano se juntam em grandes bandos que mais parecem nuvens em revoada. E vão cruzando montanhas após montanhas, rios e mares, para chegar ao destino comum: apenas uma localidade com bebida e comida durante certo tempo, mas para milhares de viajantes.
Os grandes bandos migratórios são constantes em todo o planeta. Flamingos, borboletas, animais e aves de toda espécie, possuem um tempo certo de repentinamente cruzarem os céus ou os descampados em busca de refúgio ou de estadia temporária noutros ambientes.
Nas regiões africanas, imensas manadas de gnus, mais parecendo bois chifrudos e escurecidos, despontam nas savanas e formam um espetáculo formidável. Todos os anos, em determinados épocas, surgem aos milhares ou até milhões, e cortam as regiões inóspitas e perigosas em busca de pastagens e fontes de água.
Por que fazem assim, por que se deslocam de distâncias tão grandes, enfrentando predadores perigosos, apenas para passar uma curta temporada noutro local, noutra região? Certamente que não é apenas a escassez de alimento nos seus lugares de origem nem as abruptas mudanças climáticas. E também não viajam tanto apenas como passeio distante ou para mostrar aos outros do bando que ainda têm força, que ainda são capazes de voar longe ou percorrer milhares de quilômetros na aridez desértica.
Até mesmo em meio à vida selvagem, com maior recorrência no continente africano, as grandes migrações surpreendem a cada nova passagem. Como um calendário que vai desfolhando até se fixar numa data, assim age os animais em bandos, em manadas, em imensos grupos, em nuvens de revoada. Fenômeno instintivo, de puro senso animal, meses e meses sem um ser vivente sequer daquela espécie, mas de repente e tudo irrompe como se a grande cortina da natureza fosse aberta.
O processo de migração parece ter início a partir de um sinal misteriosamente transmitido. E assim porque os animais dispersos se reúnem na mesma ocasião, no mesmo local e daí dão início ao longo percurso. E o mais incrível é que geralmente tomam o destino de uma região onde sua espécie não é prevalecente, é inexistente ou não existe mais como no passado. Por isso mesmo que basta a aproximação para tudo se transformar numa paisagem encantadora, quase irreal.
Nos sertões nordestinos de outros tempos, onde a mataria era espessa e as grandes árvores com suas copas suntuosas estavam por todo lugar, as migrações se davam dentro da mesma região, num percurso que ia de uma área mais desolada a uma com meios menos difíceis de sobrevivência. Mas depois, com a devastação da natureza e a derrubada da maior parte da vegetação, a viagem dos bichos e dos pássaros passou a ser apenas de partida. Quer dizer, os bandos fugiam dos locais para não ficar ao desalento e não morrer de fome e de sede.
Hoje em dia não há mais migração de animais na região nordestina. Os que ainda permanecem na terra são em tão pequeno número que não formariam sequer uma nuvem passarinheira ou um possante tropel cortando os descampados. Rarearam-se os pássaros, os bichos, as avoantes ribaçãs, os rastejantes, os caminhantes. E ou permanecem sofrendo na terra até morrer ou partem quase que solitários em busca de dias melhores. Para não mais voltar.
Contudo, ainda assim o sertão é costumeiramente visitado por bandos imensos de avoantes vindos de regiões bem distantes, até mesmo de outros continentes. E cada localidade que recebe tais visitantes logo se transforma num cenário de paraíso. As avoantes chegam em festa, barulhentos, tornando toda a paisagem num infinito jardim de penas floridas. E tudo assim transformado tão rapidamente que muitos olhares ficam sem acreditar.
Mas não demora muito e tudo volta a ser sertão novamente. Como chegaram as avoantes partem, tomam os céus, retornam aos seus lares. E na terra que fica chorando, apenas a desolação. Nas árvores que restam, nos galhos retorcidos, na sua tristeza pela ausência passarinheira.
Escritor
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