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quinta-feira, 27 de julho de 2017

SOU FILHO DE ALCINO, SIM SENHOR!

*Rangel Alves da Costa

De repente me esqueço de que sou ainda menino - aquele mesmo menino de banho nu debaixo de chuva e brinquedo de ponta de vaca pelos quintais - e me surpreendo matutando sobre o meu percurso de vida.
Menino sertanejo de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, arribado pra capital aos onze anos, mas sempre com os pés fincados na aridez da terra e de cordão umbilical ainda preso na raiz mais profunda.
Em meio à reflexão, a recordação de meus pais e o quanto ainda sou daquilo tudo que um dia foram. Minha mãe Dona Peta, moça bonita, filha de Dona Marieta e Seu China do Poço (em cuja residência Lampião um dia dividiu a mesa com o Padre Artur Passos, mas não sem antes quase uma guerra ser declarada entre a cruz e a espada), despediu-se dessa vida sem jamais perder a candura sertaneja, numa docilidade de acalantar espinhos e flores.
Já o meu pai Alcino Alves Costa, igualmente poço-redondense de passo e estrada, e filho de Dona Emeliana e Seu Ermerindo, representou em vida a plena caracterização sertaneja, matuta, caipira, cabocla, ainda que tanto tivesse representado na política, na escrita, no verso, na sabedoria. Estudou somente até a quarta série primária, porém se fez doutor em tudo aquilo que lançou mão com afinco e perseverança.
Nasci junto com mais seis irmãos. E tenho tantos outros irmãos que nem sei a conta. Mas tenho muito mais irmãos. Todo sertanejo de Poço Redondo é meu irmão, e irmão de sangue, de destino e sina, de orgulho e dor. Como se vê, minha família é grande demais para eu ser sozinho.
Não sei se sou diferente dos demais, mas também sei que sou diferente. Explico. Talvez eu tivesse nascido para jamais colocar os pés na capital. Ainda hoje eu caminho sem jeito entre o cimento, o ferro e o asfalto. E daí muito do que meu pai um dia também pensou.
O amor de Alcino por Poço Redondo era tão grande que um dia abdicou da capital para retornar ao sertão. Era estudante no Colégio Manoel Luiz, em Aracaju, quando resolveu que seu mundo era outro: o sertão. Arrumou a mala e quase levanta voo.
Retornou ao sertão, colocou havaianas nos pés e nunca mais saiu. Mas eu não quis fazer assim e nem posso fazer assim. Eu tive que ficar para mais adiante, através do estudo, dignificar a terra que me viu nascer. Não sou egoísta, sempre prefiro oferecer a ter.
Na capital permaneci e me tornei o homem mais rico do mundo. Tenho ouro em mim, tenho tesouros em mim, tenho riquezas infinitas em mim: um sertanejo que aprendeu além dos livros. Aprendeu a ser humilde, aprendeu a pensar, aprendeu a equação exata entre o estudo e a sabedoria: a certeza que sempre se sabe tão pouco.
Não levo anel no dedo por que não preciso. Meu pai merecia muito mais que eu. Se há doutor de sertão ele era um. Mas o anel que carregou foi a havaiana nos pés e a persistência matuta em conhecer cada vez mais de sua terra, de seu povo, de sua história. Conheceu e não ficou pra si mesmo. Seu legado continua cada vez mais vivo.
E é neste passo que o filho de Alcino - que sou eu - se torna ainda mais filho de Alcino. Hoje ainda moro na capital, mas não levanto os pés de Poço Redondo. Pelas suas roupas ando de sapatos e chinelos, mas sempre arrastando as mesmas havaianas que um dia meu pai arrastou. Por quê?
Por que além de filho de Alcino tenho outro Alcino dentro de mim. Por que além de filho de Alcino tenho o mesmo sertão de Alcino dentro de mim. Por que além de filho de Alcino levo comigo as palavras de Alcino: ame seu sertão e faça seu sertão ser amado!
Não sou Alcino. Apenas filho. Mas queria ser o próprio Alcino revestido de vida. E de uma vida tão bela como as craibeiras no seu florescer. Mas a vida é flor de mandacaru. E dura tão pouco a flor do mandacaru.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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