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sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O ENTREVERO FINAL DE VIRGOLINO LAMPIÃO

Por Eleuda Carvalho – editoria do Vida & Arte

Após décadas de sedição e rebeldia, com armas defasadas e perseguido mais por cobiçosos de sua riqueza que pelos crimes que cometeu, capitão Virgolino é morto na madrugada de 28 de julho de 1938, pela volante comandada por João Bezerra. Maria Bonita, o capitão e outros nove são metralhados e suas cabeças cortadas viraram atração de feira. O sertão tinha mudado e o tempo do cangaço nômade passou. Mas deixou rastros.

Uma furna de onça, lajedo sem saída onde chispava a malacacheta entre touceiras de facheiro. Esconderijo de lacraus e outros bichos de peçonha que rastejam. Há dois dias ali fizera pouso o grupo de cangaceiros que acompanhava Lampião. Um pouco abaixo da abertura da grota, Zé Sereno e os seus armaram acampamento, para receber as ordens do compadre chefe. O lugarejo pertencia à Fazenda Angico, situada com ferro e sinal na margem sergipana do rio São Francisco poucas léguas adiante, do lado alagoano, o Diabo Louro Corisco e seu povo aguardavam condução para ir ter com o líder, que combinara encontro para sexta-feira, dia 29 de julho. Seria o momento de abandonar o cangaço?

O presidente Getúlio Vargas acenava com anistia aos que depusessem armas, mas as volantes do tenente Bezerra festejavam ouro e grudavam no encalço, tramando traição. Na madrugada de quinta, o ofício de Nossa Senhora foi secundado por uma rajada de balas, Lampião nem teve tempo de fazer pontaria, caindo de cara na poeira com um buraco na goela, fatal.

Vinte anos de reinado, Virgolino desafiando o governo, coroando-se senhor do sertão. Esse sertão de pedra sangrada, cenário dos caçadores de índios nos primeiros tempos, feudo de clãs sanguinários e vingativo para quem o mundo era seu curral, caatinga áspera onde os mais duros aprendiam a beber dos cipós, a devorar espinhos.


Nos anos de formação, o jovem Ferreira caolho andou sob as ordens do Sinhô Pereira, chefe guerreiro dos cariris velhos, que o adestrou na tática eficiente do ataque súbito e da retirada ligeira, por dentro do velame garranchento que era preciso conhecer como a própria mão. Nem os valentões solitários do passado, tão pouco os posteriores anti-heróis da modernidade, acoitados na favela: Lampião foi o rito de passagem, enredado entre o futuro e o passado, no olho do furacão.

Louco por cinema, o sheik interpretado por Rodolfo Valentino numa fita de hollywood inspirou as cartucheiras enfeitadas de moedas, encastoada de metais, arte mourisca. Admirador de guerreiros antepassados, quebrou o chapéu de couro ao modo de Napoleão Bonaparte, imperador da Europa. E nele incrustou seis sinais de Salomão, insígnias do catolicismo caboclo ao qual era devotado. Gostava de jazz e inventou o xaxado, combinação do chiado da chinela com a ponta do rifle riscada no chão, num improviso ligeiro como repente. Um dia, no deserto arenoso do Raso da Catarina, permitiu a estada do libanês Benjamim Abraão, que se apresentou com dois salvo-condutos: Uma carta do Padre Cícero Romano e uma engenhoca de filmar.

Informação: (observar que nesse período padre Cícero já repousava em seu túmulo desde 1934, mas talvez a carta tenha sido feita muito antes do padre morrer, já que o futuro cineasta não tinha condições de procurar Lampião, vez que estava cuidando da fragilidade do padre. Esta é a minha opinião). E o bando fez pose, simulou combates, vestiu a armadura encourada e os apetrechos caprichosos para fixar-se no acetato.

Nos primeiros tempos, com apoio dos barões catingueiros, a vida parecia um filme. Eles centauros, homens e cavalos cheirando a madeira do oriente, Maria Déa dirigindo o exotismo futurista de um ford bigode em estrada carroçal. Em preto e branco, ver-se a baiana baixinha e de quadris largos, que usava uma pistola Mauser de 11 tiros e botas de couro de bode sobre meias de seda, a quem depois o povo apelidou Bonita. Naquela madrugada de Angico, contam, estava na boca da tenda a pentear os cabelos quando uma bala certeira destruiu-lhe o abdômen. Foi degolada ainda viva e usava calcinhas vermelhas, segundo a curiosidade satisfeita dos seus matadores. Enedina teve o crânio esfacelado, bocados atingindo a menina Sila que fugia um pouco adiante.

Zé Sereno consegue escapar com alguns do seu grupo, reunindo-os depois para contabilizar ferimentos. Há algum tempo, muitos sonhavam com as terras férteis do Jalapão, nas lonjuras de  |Goiás, onde pudessem viver outra vida, com outra identidade menos afamadas.

A mulher de Zé Sereno, Sila, com apenas 15 anos, seguiu o companheiro na fuga que terminou na cadeia. Muitos anos depois, outro que escapou, Candeeiro, era um pacato vigia de escola primária.

Sila viúva, apurava o o talento para a costura aprendido no mato, formando-se num curso técnico na cidade de São Paulo. Onde criou os filhos e escreveu suas memórias.

Corisco e Dadá não se entregaram. Penaram mais de dois anos de fuga desenfreada, caçados como feras. Sérgia da Silva Chagas brigava como um homem, diziam os homens como elogio. Cristino Gomes da Silva era terrível como o raio que o batizou com fogo. Zé Rufino e seu bando de soldados mataram Corisco e capturaram Dadá, uma perna destroçada por metralha. Ela sobreviveu.

Fonte: Jornal O Povo - Fortaleza-CE
Data: Domingo - 26 de julho de 1998
Digitado e ilustrado por José Mendes Pereira
Desculpem-me alguma falha de digitação, pois tenho sério problema na visão.

Este jornal foi presenteado a mim pelo pesquisador do cangaço e membro da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço Francisco das Chagas do Nascimento (Chagas Nascimento)

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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