*Rangel Alves
da Costa
Já dizia o
velho doutor em sabedoria do mundo que o tempo é tudo, mas é no passar das
horas, a cada instante, que tudo acontece. E por que cada instante vai somando
o feito na vida, basta que se perca um segundo e tudo já estará diminuído.
Quanto não
tinha outra coisa a fazer, Maria conversava sozinha. Levava a cadeira pra
debaixo da mangueira e lá mantinha um diálogo consigo mesma que mais parecia
uma interlocução entre duas pessoas:
“O que eu
disse um dia a mais velha, agora digo o mesmo a mais nova: cuidado, cuidado,
cuidado. A mais velha não me ouviu e um dia apareceu barriguda, prenha de
namorado. E agora essa já deu pra namorar. O pio é se se danar a dar também
outra coisa...”.
Por mais que
tivesse ocupação, e ocupado estivesse o dia inteiro, Sizenando sempre reservava
uma hora para escrever cartas de amor. Bem que poderia buscar inspiração depois
do anoitecer, quando o luar despontava e trazia consigo a magia da inspiração,
mas preferia durante o dia.
Já havia
escrito mais de cinco mil, certamente, pois desde muito tempo que pega na folha
e rabisca palavras amorosas a um amor verdadeiramente inexistente. Segundo ele,
para que, acaso um dia encontrasse sua flor perfeita, já estaria mais que
capacitado a fazê-la apaixonada através de sua doce escrita. E escrevia:
“Meu amor,
minha flor, minha vida. Do grão que a paixão semeou, assim nasceu um jardim, no
buquê de seus olhos, no beijo de prazer sem fim. E eu seria o mais triste
jardineiro ao abrir a janela e não avistasse minha linda donzela, ali em meio a
outras flores, perfumando minha vida de mil amores...”.
Torquato,
reconhecidamente ruim da cabeça, só faltava endoidar em noite de lua cheia.
Passava o dia contando as horas para a noite chegar e logo a lua sair, e quando
a escuridão chegava se enchia de perfume, de brilhantina nos cabelos e saía pra
namorar, e sua namorada era a lua. E então se presenciava situações
verdadeiramente angustiantes.
Em cima de uma
pedra grande, dizendo que queria beijar, abraçar, morder, namorar, então
levantava os braços como se desejasse trazê-la para junto de si. E assim ia
passando as horas em busca desse amor impossível, voltando somente na madrugada
e já tendo deixado encontro marcado para o anoitecer seguinte.
No passar das
horas Euflosina lavava, enxaguava, estendia roupa no varal, esperava secar para
passar ferro. Contudo, nada mais sublime que o seu cantar após estender a roupa
no varal, sentar numa cadeira de balanço debaixo do umbuzeiro, para deixar sua
voz ser levada na ventania. E saudosamente cantarolava:
“Meu olhar se
estendeu pela beira do mar e logo quis navegar pelo mundo afora. Atrás do amor,
minha senhora, atrás de amar, minha senhora. Água que levou meu coração, não se
esqueça que fiquei sofrendo na solidão. Então quando o meu coração voltar, que
não volte sozinho, traga alguém para amar. Onde está meu coração agora? Foi
atrás do amor, minha senhora, atrás de amar, minha senhora...”.
Não longe
dali, o velho Cirineu pouco importa com as horas que vão passando. Sem pressa
de nada, tanto faz a lua como o sol em sua vida. Mas passa seus instantes na
simplicidade q ue tanto gosta de ter. Pinica fumo pro cigarro de palha,
cata cavaco pro fogão de lenha, senta na pedra e se põe a matutar. E lê na nuvem
a chuva e a trovoada, sente no vento a bonança e a tristeza.
Horas que vão
passando assim, nos afazeres simples do dia a dia. Apenas o relógio do tempo,
do costume e do pensamento, para servir de ponteiro. Nada mais pontual que o
sino badalando na igrejinha. Também nessa hora começa a subir pelos ares o
cheiro de café torrado, de cuscuz ralado, de tripa assada em banha de porco. E
tudo passa, e tudo vai passando, para de novo acontecer. Ou não.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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