*Rangel Alves da Costa
Hoje é domingo, pede cachimbo, o cachimbo é de barro, bate no jarro, o jarro é de ouro, bate no touro, o touro é valente, bate na gente, a gente é fraco e cai no buraco, o buraco é fundo e acabou-se o mundo...
Por muito tempo eu pensei que tal cantiga popular dizia que hoje é domingo pé de cachimbo. Sim, algo assim como se cachimbo tivesse pé. Mas cachimbo tem pé, e agora? E cachimbo tem pé e este está na piteira, o orifício por onde se fuma, pois no outro lado está a boca.
Mas deixe isso pra lá, vez que o correto no dizer popular é domingo pede cachimbo e não pé de cachimbo. Significaria dizer que domingo pede cachimbo por que nele um instante de sossego, de repouso, de paz. Tragar o cachimbo apenas para relaxar.
Porém, escolher logo o domingo para relaxar fumando? Eis uma observação que logo surge, principalmente em tempos onde o tabaco é tão combatido pelas consequências nocivas à saúde. Mas apenas uma parlenda, uma cantiga popular. E neste sentido se poderia também criticar a canção popular infantil onde se atira o pau no gato.
Contudo, problema maior surge quando se tem que o mundo se acaba a partir de um domingo que pede cachimbo. Que coisa mais estranha, a partir do nada ou de coisa simples, tudo vai, vai, até que o mundo acaba.
Sim, no domingo a pessoa traga o fumo de seu cachimbo sem saber que daí em diante tudo vai se transformar, e não pelo ato de fumar. É na sucessão de acontecimentos que os inesperados vão surgindo até que, no ato final, o mundo acaba.
E o mundo acaba exatamente após a gente cair na fundura do buraco. Eis dizendo a parlenda que o homem é fraco e cai no buraco, o buraco é fundo e acabou-se o mundo. Há plena lógica neste aspecto, vez que o buraco pode estar representando a morte do homem.
Surge ainda a questão do cachimbo e de jarro de ouro batendo no touro, que é valente, mas não suportando a batida tropeça no homem, que cai no buraco e tudo acaba. Ora, daí se abstrair a noção do poder e da fraqueza, da força e da fragilidade.
O cachimbo e o jarro de ouro representam as forças que se sobrepõem a outras forças, pois mesmo o touro sendo valente, forte, poderoso, tombou pela sua investida. E, por consequência, chegando ao mais frágil dos seres, que é o homem.
Então o mundo, ao menos para o homem, acaba assim, envolvido pelas forças externas e pela sua própria fragilidade. Ao cair no buraco, o seu fim. E o fim de tudo. Algo assim como a demonstração de que a vida é feita de causas e consequências, e sempre pesando negativamente para o mais fraco.
Porém, talvez não seja nada disso, apenas que hoje é domingo, pede cachimbo, o cachimbo é de barro, bate no jarro, o jarro é de ouro, bate no touro, o touro é valente, bate na gente, a gente é fraco e cai no buraco, o buraco é fundo e acabou-se o mundo...
Escritor
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