Por Oleone Coelho Fontes
Véspera de
Natal de 1929, um domingo, 23 de dezembro. Lampião acompanhado de 17
malfeitores assaltou a heroica cidade de Santo Antônio das Queimadas, na Bahia,
e, covardemente, comandou um festival de derramamento do sangue de 5 soldados
da polícia baiana. Fuzilou friamente os militares pegados de surpresa, em
seguida assistiu um filme no cinema, organizou um baile com as moças da
sociedade, arrecadou mais de vinte contos de reis, fez autoridades judiciárias
e políticas passarem por constrangimentos e humilhações e escreveu num quadro-negro
bilhete desaforado para o governador da Bahia, Vital Soares. Se disse
governador do sertão e estar engordando desde que começou a ser perseguido e
até já pensava em casar. Os delinquentes deixaram, pela madrugada, totalmente
embriagados, uma comunidade traumatizada, como se nada de anormal houvesse
ocorrido naquele domingo.
Artista Jesualdo Cândido
A irrupção na
outrora Vila Bela de Santo Antônio das Queimadas teve início na fazenda
Parelha, de José Lúcio da Silva, em Cansanção. Lúcio foi intimado a servir de
guia até a sede do município. Na cidade de Cansanção, o falso capitão com falsa
patente de oficial do Exército (recebida em 1926, no Juazeiro do Norte, Ceará),
à testa de quase duas dezenas de bandidos, botou abaixo portas de vendas,
armazéns e lojas, levou a cabo uma geral pilhagem. Não satisfeitos em abrir
frascos de perfumes e derramar o líquido sobre suas roupas os ladrões deram
banho de água de cheiro nos cavalos. Mercadorias foram distribuídas
arbitrariamente com os que não tiveram tempo de fugir. Determinou o chefe
da gangue que caminhão do IFOCS, (Inspetoria Federal de Obras contra as Secas,
atual DNOCS) conduzisse a caterva até a vizinha Queimadas.
Oleone Coelho
Fontes e Manoel Severo no Cariri Cangaço Poço Redondo, 2018
Em Queimadas o
grupo foi estrategicamente dividido em duas alas. Uma se apoderou da estação
ferroviária, deu voz de prisão ao chefe e ao telegrafista, cortou os fios do
telégrafo. Outra ala, Virgulino à frente, tomou de assalto, o quartel,
trancafiou os soldados e soltou os presos.
Ao final da
tarde os soldados foram fria e barbaramente fuzilados, sem direito a defesa,
pessoalmente por Lampião e outros bandidos, entre os quais Volta Seca que,
segundo testemunhas, teria limpado com a língua a lâmina do punhal.
Soldados
assassinados: Olímpio B. de Oliveira, Aristides Gabriel de Souza, José Antônio
Nascimento, Inácio Oliveira, Antônio José da Silva, Pedro Antônio da Silva e o
anspeçada Justino Nonato da Silva. Relação publicada em boletim da Polícia
Militar. O sargento Evaristo Carlos da Costa, comandante do destacamento,
foi salvo por um trancelim. Na residência de D. Santinha, batizada Austrialina,
Lampião elogiou joia de ouro que a senhora da sociedade queimadense portava no
pescoço. D. Santinha prontamente retirou o pingente e ofereceu ao bandoleiro.
Este, para se mostrar grato, declarou que lhe podia fazer um pedido. Dona
Austrialina pediu pela vida do sargento Evaristo pondo em relevo seus atributos
de homem religioso e que jamais perseguira cangaceiros. Constrangido, Lampião
disse garantir a palavra e que “bandido também tem palavra”. Reparem que ele
próprio se reconhece bandido, e hoje, passados 81 anos de sua morte, grande
número de lampionófilos negam, chamando-o apenas de cangaceiro.
Oleone Fontes,
José Edson, Bezerra Irmão e Leandro Cardoso no
Cariri Cangaço
Floresta 2017
Quando
adolescente conheci Evaristo Carlos da Costa na cidade de Santa luz, reformado
da Polícia e proprietário de uma venda que ele e os amigos chamavam de
espelunca. Avesso a repassar o trágico episódio, Evaristo, por ter sido amigo
de meu pai, Paulo Martins Fontes, e servido com meu avô, João Martins Fontes,
em Bonfim, no destacamento policial, me concedeu entrevista que merece ser lida
em Lampião na Bahia, em 11ª edição. Este facínora sanguinário, cruel,
covarde e desumano, responsável por terror, tortura, saque e depredações
implementados nos sertões do Nordeste, pretensos historiadores insistem em
considerar herói.
Oleone Coelho
Fontes, escritor de ficção, historiador, estudioso de temas nordestino,
colaborador de A Tarde.
Salvador - BA
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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