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terça-feira, 15 de novembro de 2011

A ORIGEM DAS VOLANTES



CORONEL MANOEL NETO - INTRÉPIDO COMBATENTE DA FORÇA DAS VOLANTES

As Volantes


Após a difícil, constrangedora e impopular campanha de Canudos, o Exército regular não poderia mais vê-se em embates de natureza policial. Contudo, ainda era maciçamente empregado - por não existir uma força policial federal à época - em ações típicas dessa força. Isto, além de afastar-lhe de sua função constitucional precípua: a defesa territorial contra ataques de natureza externa enfraquecia-lhe pela falta de treinamento específico, desviando-lhe da proximidade e do avanço tecnológico-bélico-militar de então; contido na chamada política de "paz armada" européia.

Frederico Pernambucano de Melo

Surgindo ante os fatos, a insatisfação da tropa e a recusa para tais ações subalternas. Pois, segundo Mello "a verdade era que as forças iam atuar dentro do país com desvantagens imensas, maiores do que se o fossem em país estrangeiro, principalmente no que se refere à espionagem; mais eficiente, esta, e perigosa no sertão de Canudos, porque inidentificável na confusão e na confiança de serem todos brasileiros. (...) O Exército ia operar, prejudicado pelo mais temível corpo de espionagem, com que se pode contar (espiões compatrícios) sem que dispusesse de outro para contaminar a ação nefasta do primeiro." (1958 p. 79-80)

O Exército, ainda, sob o "diáfano" manto da doutrina positivista era um verdadeiro "exército de papel". Porém, com a campanha cívico-patriótica bilaqueana pela escola popular e pelo serviço militar obrigatório (em 1915) e a desativação definitiva da Guarda Nacional (em 1918), abriu-se um novo horizonte para a Corporação e houve - então - um absoluto controle militar interno, desarmando-se as oligarquias coronelistas locais.

Trevisan, nos lega que com "a chegada da Missão Militar Francesa, em 1920, completa-se o quadro das mudanças internas da instituição. Começava a delinear-se as mudanças externas, fruto das alterações até então técnicas da instituição militar". (1987 p. 50)

Por outro lado, os governos estaduais nordestinos, vendo-se agravar o banditismo nas regiões interioranas do agreste e do sertão, viram-se na contingência de criar forças policiais militares de emprego rápido e que teriam - inclusive - nativos recrutados dessas regiões. Surgindo daí as verdadeiras volantes que eram grupamentos, destacamentos ou patrulhas tático-móveis, compostas essencialmente por militares (policiais das Forças Públicas estaduais ou militares do Exército nacional, devidamente comissionados para este fim), comandadas - preferencialmente - por um oficial (tenente ou capitão). A esse respeito, Rangel de Farias alude que "era muito comum acontecer que os oficiais do Exército, quando chamados a comandar polícias, trouxessem a ideia de que as mencionadas corporações fossem compostas por uma maioria de homens ignorantes e indisciplinados" (1995 p. 8)

Recrutados - entre os etno-nativos da região: curibocas, mulatos e cafuzos - esses grupos de policiais-militares percorriam equipados e a pé, grandes distâncias em perseguição aos malfazejos fora-da-lei, muitas vezes, mantendo um combate desigual, pois os chamados cangaceiros estavam mais bem municiados, com armamento mais moderno e em melhores condições, diante das facilidades que estes tinham em conseguir recursos e alimentos, bastando para isso mandar pedir um salvador "óbolo", através de bilhetes a qualquer fazendeiro ou político. Estes, para não enfrentarem a ira daqueles facínoras - que com uma possível recusa, estariam na mira de uma próxima incursão, com a visita indesejada, inesperada, desmoralizante e de funestas consequências - viam-se, forçados a atendê-los em todas as suas "justas" demandas.

A bem da verdade devemos colocar que algumas forças denominadas "volantes", se utilizavam dos mesmos métodos que os cangaceiros. A esse respeito Torres, observa que "tardiamente, a polícia se organizava em volantes, com o mesmo jeito dos facínoras, tomando também dinheiro dos coronéis e demonstrando, com forrós e alegria, quando um combate os afastava para as brenhas." (1994 p. 47) Já Carvalho nos passa que "eram inomináveis as violências e arbitrariedades praticadas pelas forças volantes que transitavam pelo interior dos Estados, contra os direitos dos particulares. (...) Qualquer futilidade servia de pretexto para esculachos desumanos. (...) A integridade física e moral dos sertanejos não existia para aqueles que por dever de ofício estão na obrigação de respeitar e proteger." (1974 p. 91)

Ferraz, com muita propriedade, atesta que, quando vindo ocasionalmente da capital, as verdadeiras forças volantes "encontravam, apesar de seus esforços, grandes dificuldades no desempenho de sua missão: a primeira delas era constituída pela imensidão da caatinga desconhecida e habitada por uma população reduzida, emudecida e temerosa de represálias. (...) Era a velha história: as forças volantes chegavam e partiam mas os cangaceiros permaneciam para a cobrança." (1985 - p. 221).

Por este fato, lembra-nos Britto que "a polícia se via na necessidade de alargar a sua área de ação e não ficar limitada a seu território jurisdicional, porque os bandidos circulavam agilmente entre os Estados, forçando as volantes que os perseguiam a se conter nas fronteiras, cabendo à volante de outros Estados, a dar continuidade a perseguição, fato este que face a dificuldade de comunicação da época, favorecia sobremaneira aos grupos, a evadir-se, dificultando com isto a sua captura. Forçados por esta situação, os Estados vieram a formalizar tratados que permitiam as forças volantes a se deslocarem transpondo as fronteiras sem prévia solicitação, favorecendo com isso um combate mais intenso e eficaz. Estas enfrentavam um complexo e desfavorável sistema para o desenvolvimento das suas ações. Os meios de comunicação eram precários, (...) as volantes não tinham destino certo, uma vez que podiam mudar de itinerário a qualquer momento, bastando para isso achar indícios de bandidos e seguir o rastro, uma informação de um vaqueiro ou coiteiro, ou mesmo o ataque de bandidos a uma localidade, ou a mais cruel das informações que seria a emboscada da volante, quase sempre em terreno desfavorável a mesma." (2000 p. 19-20).

As volantes, já estruturadas nos idos de 1920, se especializaram no combate ao cangaceirismo em suas mais diversas caras. Sobreviviam com parcos recursos governamentais, com armamento e municiamento, na maioria das vezes bem mais antiga que o dos cangaceiros e conseqüentemente, menos eficazes. Deslocavam-se em marchas incertas, rastejando pistas e levantando indícios nas caatingas, portanto fadadas a ficarem muitas vezes cobertas por andrajos, sem água e mantimentos ou bebendo água contaminada, imprópria ao consumo, se alimentando e dormindo mal, ao relento e durante o dia expostas a um sol abrasador e uma vegetação inóspita, formada por facheiros, macambiras, xique-xiques, alastrados, urtigas, unhas-de-gato, rabos-de-raposa, coroas-de-frade, mandacarus, caroás e quipás, em alguns casos intransponíveis. Expostos, em conseqüência do que lhes era imposto por um dever de profissão, a males como: úlcera nos pés, espinhos, cortes, infecções, disenteria, dor de dente, astenia, dores musculares, desidratação, impaludismo, ferimentos a bala, varíola e a tuberculose.

Porém, Bezerra observa que, a despeito de todos os revezes e, "com o enfraquecimento do prestígio da política pela aparição do Estado Novo, os oficiais comandantes de volantes, iniciaram uma ação menos tímida, prendendo os tais vaqueiros [coiteiros, que davam guarida aos cangaceiros], conduzindo-os à presença dos seus coronéis, fazendo entre todos uma meticulosa acareação e, de acordo com o apurado, sem mais consultas, levando-os à presença das autoridades da Capital. Daí, salva a responsabilidade do oficial, com a resolução das autoridades superiores sobre o caso, fica o oficial prestigiado e com a sua moral intacta, muito embora depois venha a perder, por ter ficado mal visto pelos admiradores do chefão [verdadeiro senhor feudal] ". (1940 p. 7).

Portanto, ainda no dizer de Britto, "sem a dedicação e a bravura desses valorosos militares esse mal teria se alastrado, ceifando mais vidas inocentes, não merecendo ficar no obscurantismo ou em plano inferior aquele que é destinado aos benfeitores ou heróis." (2000 p. 21).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


MELLO, Dante de. A verdade sobre "Os Sertões":
Análise reivindicatória da campanha de Canudos.
Rio de Janeiro: BExE, 1958.

TREVISAN, Leonardo. Instituição militar e estado brasileiro.
[O que todo cidadão precisa saber sobre]
São Paulo: Global, 1987.

RANGEL DE FARIAS, Edésio. Cangaço e polícia:
Fatos e feitos paraibanos.
Recife: REPROART, 1995.

TORRES, Luiz W. Lampião e o cangaço.
São Paulo: EDICON, 1994.

CARVALHO, Rodrigues de. Serrote Preto:
Lampião e seus sequazes.
Rio de Janeiro: SEDEGRA, 1974.

FERRAZ, Marilourdes. O Canto do acauã.
Recife: Rodo valho, 1985.

BRITTO, Paulo. O cangaço e as volantes:
Lampião e Tenente Bezerra.
Recife: Do Autor, 2000.

BEZERRA, João (Cap.). Como dei cabo de Lampião.
Rio de Janeiro: Do Autor, 1940 1ª ed.
BRITTO, Paulo. Op. cit.


Por: Carlos Jatobá

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