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domingo, 8 de abril de 2012

A Semana Santa dos velhos tempos...


Por José Cícero*
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Quanta saudade da ‘semana santa’ dos velhos tempos. Quando todo mundo vestia-se da mais pura emoção diante da história judaico-cristã da paixão de Cristo. Especial momento em que cada um tinha o seu quinhão de compromisso espiritual e humanístico firmado com a religião. E, como diria padre Zezinho, ninguém tinha vergonha de ter fé.

Com isso, a rotina da vida se transformava naqueles dias - considerados por todos - , como santos. Naquele período o sentido do sagrado tomava uma nova e grandiosa dimensão, quer seja, o sentimento verdadeiro da partilha em nome dos céus. Era como se todos os males do mundo tivessem ali, o seu instante de trégua.

E a semana santa se revestia como do mais puro encantamento. As pessoas ficavam mais solidárias e mais humanas. A caridade e a compreensão passavam a ser um sentimento comum e compartilhado com toda a comunidade. O velho preconceito de classe durante aqueles dias de graças, parecia se dissipar no ar. Jesus Cristo – o salvador, estaria efetivamente no meio de nós.

Ao passo que tudo o mais na comunidade virava de vez, um singular instante coletivo da mais absoluta celebração. Vez que as famílias se reuniam em todo daquela simbologia corporificada no sofrimento de Jesus. O mundo era todo uma reflexão. Ao passo que qualquer forma de pecado era uma coisa horrível um sacrilégio mortal contra a divindade.

Na época da semana santa todas as pessoas tinham até vergonha de não serem boas, como de não esboçarem suas ações em torno da prática do bem. Os vizinhos trocavam gestos de afabilidades. E as donas de casa, seguiam à tradição – enviavam seus melhores pratos, inclusive aos pobres dos entornos residenciais. Rezas e orações eram entabuladas diante dos oratórios de casa. Na escuridão das noites era possível se ouvir os cânticos e as litanias chorosas dos penitentes.
 
Pela manhã pessoas pediam nas portas o ‘jejum’ da semana santa. Algo que também fazia parte da tradição. Era quase um ritual dá-se a esmola daquele dia. E eram tantas... Nunca me esqueço deste peditório das crianças – “ me dê um jejuzim pra minha mãe jejuar?”.

Geralmente ninguém os negava... Era como se o próprio Salvador estivesse ali, encarnado em cada um daqueles pedintes a descer e a subir pelas ruas e pela zona rural. Os mais velhos nem recebiam dinheiro. Pois era pecado.

A semana santa daquele tempo era um acontecimento dos mais fortes e significativos. Posto que mexia com o mais profundamente possível dos sentimentos e a emoção de cada ser humano. Um momento onde nenhum ódio, maldade ou egoísmo ocupava o coração das pessoas. Pois Cristo, coitadinho, não haveria de sofrer mais uma agrura por conta de nós...

Dia e noite, a igreja era todo um espaço de peregrinação e de promessa. Na sexta-feira da paixão, os adultos rezavam e jejuavam ao mesmo tempo. Por outro lado, os meninos rezavam felizes porque naquele dia, a comida era farta e saborosa. Além do mais, não podiam apanhar dos seus pais. Ninguém da família poderia sequer levantar a voz para eles. Era um dia de extrema bondade, emoção e obediência aos céus... Visto que Cristo estava prestes a ser martirizado pelos judeus.

Desde a “quaresma” que nenhum dos meninos pegava mais nas suas baladeiras. Nenhum passarinho poderia ser sacrificado. Nenhum animal poderia ser abatido nos açougues. Todo sofrimento havia de ser abolido. E a gente tinha a sensação que aquilo seria para sempre... Não se comia carne naqueles dias sagrados. Do contrário, estaríamos atirando e comendo a própria carne de Jesus.

Nenhuma música. Nenhuma outra forma mais aberta de animação. Todos haveriam de rezar buscando aplacar os seus pecados e aliviar as dores de Jesus. Tínhamos que chorar o sofrimento do Salvador. Alguns mais ousados aproveitavam o dia para jogar baralho e beber vinho. Os mais antigos, sobretudo as mulheres, não gostavam desses procedimentos. Coisas que também não eram bem vistas pelo padre.

A porta da frente da casa, assim como a sala dos santos estavam enfeitadas com a cruz de palha de carnaúba – benzida no domingo de ramos. Era uma espécie de proteção contra todos os males, além de evitar corisco e os raios de trovão.

O rádio só poderia ser ligado para se ouvir a narrativa da novela radiofônica da paixão de Cristo. Muitas vezes presenciei a minha vó aos prantos ao pé do rádio ABC canarinho nas ondas da Educadora do Crato e Iracema de Juazeiro. Todos ficavam na grande sala em torno do velho aparelho. O som dos trovões e das chibatadas no corpo de Jesus a fazia estremecer. Era como se as pancadas que se ouvia na sonoplastia a atingissem em sua própria carne. Por isso ela chorava e pronunciava baixinho: - “Coitado do meu salvador!”

E eu, na minha inocência de menino ao ver tantas vezes aquela cena, confesso que também, por alguns momentos, chorei com ela. Bons tempos aqueles em que éramos felizes e não sabíamos...

Lembro inclusive, que na quinta-feira santa, os bodegueiros só abriam uma porta do seu comércio. E na sexta-feira da paixão, nenhum estabelecimento por mais simples que o fosse abriria. Ninguém podia cobrar, vender ou mesmo pegar em dinheiro. Quem quebrasse esta regra era tido como um algoz de Jesus. Estaria, portanto a vender o próprio corpo do Salvador. Se fosse uma emergência, o comerciante daria a mercadoria de graça.

Recordo da vez em que um garoto se acidentou numa queda. E precisou de vinagre para que a mãe tratasse o ferimento (um galo na cabeça) e o vendeiro foi lá e trouxe o produto sem querer qualquer dinheiro. Aliás, na sexta-feira, até o leite da freguesia era dado de graça, assim como o pão da padaria. Como em nenhum outro dia. o sal não poderia ser vendido à noite...

Lá fora a correria, diante dos preparativos iniciais com vista à malhação do Judas. Um evento curioso e engraçado em que o sagrado e o profano se misturavam na mais perfeita harmonia. E nós meninos interioranos também tínhamos medo.

Na igreja a missa era mais demorada do que as outras. Por isso a meninada saía à francesa para o patamar onde às escondidas, tentava paquerar as mocinhas. Muitos dos adultos aproveitavam a ocasião para se confessarem com o vigário. Outros se emocionavam além da conta com a pregação e o sermão do padre. Os adolescentes eram obrigados pelos pais a jejuar e comparecer ao confessionário do sacerdote.

Era uma semana santa de verdade. O dia em que o simples fato de se pensar em ganhar dinheiro era uma blasfêmia. Ninguém namorava. ninguém bebia cachaça ou cerveja. Ninguém trabalhava. Ninguém brigava com ninguém. Todas as atenções estavam voltadas para o sofrimento de Jesus. Era um instante de reflexão no sentido de que cada um melhorasse por dentro e, em seguida, todos juntos, melhorariam o mundo e a vida.

Quantas saudades daqueles anos! Já não se fazem ‘semana santa’ como antigamente.
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José Cícero
Secretário de Cultura
Aurora – CE.

Enviado pelo Secretário de Cultura de Aurora e pesquisador do cangaço: José Cícero

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