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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

CAVALOS CONTRA CANHÕES

Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

Quando saiu ileso da chacina de Angico em 38, episódio que pôs fim ao cangaço e custou a vida de Lampião, Maria Bonita e mais nove bandoleiros, o cangaceiro Cajazeira começou a cimentar uma carreira pessoal tão própria dos jovens rebeldes e sonhadores. 


Certamente não sabia que dali em diante viveria acossado e perseguido e cerca de quinze anos depois teria que colocar cavalos para enfrentar canhões.

Zé de Julião - o cangaceiro Cajazeira

Apelidado no bando de Lampião como Cajazeira, caminho trilhado ainda jovem e acompanhado de sua bela esposa Enedina, o seu nome de batismo era José Francisco do Nascimento, também conhecido por Zé de Julião. Era filho, pois, de Julião do Nascimento e Constância do Nascimento, família das mais abastadas da povoação sertaneja de Poço Redondo, então distrito de Porto da Folha.

Enedina, esposa de Zé de Julião - faleceu na chacina de Angico em 1938

De tanto presenciar a polícia volante maltratando pobres sertanejos, violentando inocentes para que dissessem acerca do paradeiro do bando cangaceiro e extorquindo impiedosamente os pequenos e grandes proprietários de terras e rebanhos, o filho de Seu Julião tomou uma drástica decisão: iria entrar no bando de Lampião precisamente para dar o troco àquela volante injusta e desumana. E cumpriu com o prometido.

 

Estava presente na Gruta do Angico na madrugada de 28 de julho de 38. Conseguiu fugir, mas não conseguiu livrar sua esposa das balas famintas. Após a chacina, cangaceiros foram presos e os fugitivos se viram rastreados pela polícia, e por muito tempo. Cajazeira, ou Zé de Julião, desolado pela perda da esposa, decide não se entregar e foge para o sul da Bahia. Contudo, não demora muito e toma o caminho de volta para o seu Poço Redondo. Não sabia que o sanguinário sargento Deluz, perseguidor voraz de ex-cangaceiros, está à sua espera.

Sargento Deluz - www.orkut.com

O desalmado militar, contudo, não consegue colocar as mãos no filho de Seu Julião. Mas era perigoso demais continuar se escondendo. Seu destino foi o Rio de janeiro, onde foi de servente a empreiteiro em pouco tempo. Contudo, recebe a notícia da morte do pai e tem de retornar para resolver problemas de herança e dar um basta naquela mania de perseguição do sargento Deluz. Dizem que “molhou a mão” do malvado e resolveu a questão.

Retornou aos negócios no Rio, mas já com a intenção de logo fazer o caminho de volta e colocar em prática um sonho antigo: ser prefeito de sua terra natal. Mas isto só seria possível quando a povoação fosse desmembrada das terras buraqueiras, o que ocorreu em 1953. Portanto, já havia se passado cerca de quinze anos do fim do cangaço quando Poço Redondo foi emancipado e Zé de Julião decidiu disputar a primeira eleição para prefeito.

Bastou que essa decisão fosse tomada para que as cinzas do cangaço crepitassem novamente e as perseguições irrompessem com toda voracidade. Ora, um ex-cangaceiro não podia afrontar as forças políticas regionais, segundo diziam as principais lideranças interessadas na administração do novo município. Resoluto, o moço de Poço Redondo não abriu mão de sua pretensão. Então os canhões adversários começaram a abrir fogo.

O candidato das forças políticas regionais era Artur Moreira de Sá, de Porto da Folha. E a primeira estratégia de campanha foi espalhar o boato que Zé de Julião não poderia ser candidato porque era um ex cabra de Lampião, perigoso e malfeitor, um reles bandido, e ninguém podia aceitar um cangaceiro como prefeito. Mas o ex-cangaceiro não se intimidou e enfrentou o candidato do poder. Deu empate: 134 votos para cada candidato. Mais velho, Artur Moreira acabou sendo proclamado vitorioso.
Sentindo-se cada vez mais forte, o poço-redondense resolveu disputar as eleições seguintes. O prefeito já havia se bandeado para as hostes de Leandro Maciel, que havia assumido o poder estadual. E a política leandrista era também conhecida pela implacável perseguição aos inimigos. E Zé de Julião era seu inimigo político. E como chegaria ao poder municipal um ex-cangaceiro, perseguido e inimigo do poder estadual, quando todos sabiam que as mentiras e intimidações se repetiriam? Com efeito, não só se repetiram como foram de imoralidade e desonestidade sem precedentes.

 

Foi então que Zé de Julião colocou cavalos contra canhões, e estes representados pela força governamental que utilizava todo o aparato existente para derrotar as pretensões dos oponentes. Desse modo, assim que souberam que o ex-cangaceiro disputaria o pleito, logo cuidaram de não entregar os títulos a seus eleitores, além de perpetrarem as maiores vilezas possíveis para barrar de vez seu favoritismo.

Sabendo que não teria qualquer chance de vitória diante da corrupção, da fraude, do suborno e outras infâmias eleitorais, o ex-cangaceiro arregimentou alguns amigos leais e juntos invadiram seções eleitorais na sede e no povoado Bonsucesso. E roubaram as urnas montados em cavalos afoitos e corredores. Era a única forma de mostrar a indignação contra a podridão do poder. E foi assim que os cavalos enfrentaram os canhões.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:

http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

Um comentário:

  1. Anônimo18:17:00

    Pois é professor Mendes, eu já havia passado a matéria de Rangel para meu computador, como sempre procedo. Contudo, a mesma matéria no blogdomendes para mim foi importante, devido a mesma trazer a foto do Sargento Deluz que não o conhecia. Parabéns para você pela presteza de sempre, e parabéns ao Dr. Rangel pelo lançamento da biografia do mestre Alcino neste dia de hoje, além do João Sousa Lima que também está lançando mais um ou dois trabalhos.
    Abraços,
    Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha-Ba.

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