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quarta-feira, 29 de março de 2017

A QUEDA E O VOO

*Rangel Alves da Costa

“Venham até a borda, ele disse. Eles disseram: Nós temos medo. Venham até a borda, ele insistiu. Eles foram. Ele os empurrou... E eles voaram”.

A belíssima frase acima é do escritor e poeta francês Guillaume Apollinaire. E nela está demonstrada a força humana ante o perigo. Ou a capacidade de vencer os obstáculos tidos como insuperáveis.

Chamar até a borda e eles se recusarem a ir por medo. Novamente chamar até a borda e eles seguirem pela insistência. E já à borda, sem tempo de qualquer diálogo ou confabulação, simplesmente serem empurrados. E de repente a queda de cima pelos espaços vazios.

Mas sem que vagassem pelos espaços vazios entre a borda e os desvãos abaixo, pois bastou o impacto do empurrão e logo eles encontraram a única solução que os livrassem do pior: o voo. Mas sequer sabiam que seriam empurrados, sequer sabiam voar, e então como voaram?

Há neste ímpeto de voo uma máxima simbologia. Ou mesmo muitas simbologias a partir de uma mesma situação de voo repentino, num bater de asas como única salvação para se fugir do abismo. E o que realmente significa tal voo?

Eles não sabiam voar, mas foram repentinamente empurrados e se sentiram capazes de voar no instante mais desesperador que podia existir. O que os salvaria senão o voo? Eis o tino humano em busca de soluções em instantes de aflição e sempre encontrando um meio de salvação.

Ante o perigo real, o voo como o encontro da instintiva força humana. Ante o empurrão inesperado, o afloramento ligeiro da capacidade de encontrar uma solução a todo e qualquer custo. Certamente eles não voariam se não fossem empurrados.


Certamente eles não voariam se não fossem empurrados por que não instigados a agir assim. Eis, então, o confronto entre a comodidade e a necessidade. Aquele que só caminha nunca vai saber que também pode voar. Aquele que se contenta somente com a planura do chão jamais conhecerá a beleza das nuvens.

A verdade é que todo ser humano possui asas e sabe voar. A verdade é que toda pessoa tem a capacidade de abrir suas asas e alcançar outros horizontes. Não apenas em instantes desesperadores, mas a todo o momento que deseje fluir sua capacidade de realizar.

O voo após o empurrão se situa no mesmo contexto de outras situações. Ante a sede, bebe-se lama. Ante a fome, se farta de folhagem e de qualquer coisa. Ante o desespero, qualquer saída é sinal de salvação. Estando em jogo a própria existência, então o homem inventa-se dentro de possibilidades antes desconhecidas em si mesmo.

Ainda assim, acaso eles não fossem empurrados e a queda se desse por um descuido qualquer ou por desejo próprio, certamente que não encontrariam tão rapidamente aquela saída do voo. Somente voaram por que foram empurrados.

E sendo tão traiçoeiramente empurrados, então o susto. No susto, o desespero. No desespero, a busca de qualquer luz. Em quantos instantes aflitos assim o homem tem que encontrar as mais rápidas saídas para não sucumbir? Ou faz fruir toda a sua capacidade ou simplesmente desaba.

Há nesse voo uma grande lição: A capacidade de voar deve ser conhecida pelo homem antes mesmo de qualquer situação desesperadora. E assim por que se corre o risco de as asas não abrirem no momento que mais necessitar de um voo que garanta salvação.

E as mesmas palavras dirigidas a você, tão temeroso e amedrontado: “Venha até a borda, ele disse. Você disse: Eu tenho medo. Venha até a borda, ele insistiu. Você foi. Ele o empurrou... E você voou”.

Você teria sido encorajado a voar se não se visse na iminência da queda, de despencar da borda do penhasco? Você se sentiria com tamanha capacidade de vencer aquela tão nova e difícil situação se não fosse instigado a isso?

Agora a vida lhe dizendo: “Suba ao ponto mais alto do penhasco e depois se atire abaixo, de modo a encontrar seu destino de vitória. Você diz: Mas eu tenho medo. Suba logo até a beirada e pule, a vida ordenou. Você subiu. Forças invisíveis o empurraram... E você naquele instante, já em queda livre, criou asas para voar e no voo alcançar outros horizontes, e nos horizontes vencer as demais dificuldades impostas pela vida”.

Agora saiba que perto de você sempre há uma borda. E que alguém pode lhe empurrar a qualquer momento. Cadê suas asas?

Escritor

blograngel-sertao.blogspot.com

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