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terça-feira, 27 de outubro de 2015

SETE POR SETE

Por Sálvio Siqueira
Nenhuma família se interessou tanto por fotografia quanto a imperial, D. Pedro II é citado como grande incentivador da fotografia -  estudosediscussoes.com.br

Demos um ‘voo’ pelo vasto labirinto do tema cangaço, e “avistamos’ fatores que, em nossa interpretação, o fizeram locomover-se por tão longo tempo. Infelizmente.

Iniciamos no longínquo tempo imperial, onde, desde então, existe uma total falta de interesse sociológico no Sertão nordestino.

Na vasta região, o não interesse, faz com que, aos poucos, gere-se uma onda de terror, sangue e lágrimas nas diversas camadas sociais, se é que existiu ‘diversas’, para e por que não dizer, nas duas camadas sociais.

Surgem então, com a negligência do Estado, acontecimentos em movimentos sócias, grupais principalmente, que levam a resultarem em devastadores episódios no tocante aos seres humanos regionais.

Bruno Henrique Brito Lopes, Graduando em História pela Universidade Católica de Pernambuco, nos fornece sete tópicos com que vem esclarecer as razões do nascimento  e vida de um Fenômeno, regional, gerado dentro de outro fenômeno. Suas causas estão bem explícitas nos itens a seguir. 

1º - O poder absoluto dos coronéis no Sertão:

“Em meio a uma vasta extensão territorial de pouco interesse público, o Império instituiu a titulação de Coronéis da Guarda Nacional para grandes latifundiários Brasil adentro(...)Desde os tempos do Império, a falta de interesse do Estado pelo Sertão obteve efeitos sangrentos na região. Entre os mais devastadores episódios de clara resposta à situação negligente e única presença para cobrança de tributos, destaca-se a Guerra de Canudos e o fenômeno de banditismo conhecido como Cangaço. Ambas as experiências possuíam em sua essência o sentido de contestação das figuras conhecidas como coronéis(...)Na prática, o governo passou a legitimaruma relação de domínio que já se fazia efetiva desde os tempos coloniais. Os coronéis eram, quase sempre, pessoas que possuíam total influência na atividade econômica de cidades inteiras. O que representava poder absoluto em uma região onde a opção era se submeter ou sucumbir(...)Os coronéis eram homens acima da lei. Além da tradicionais forças policias, também submetidas aos seus interesses, eles tinham sua própria "polícia", eram capangas conhecidos como jagunços: figuras armadas que tratavam de fazer a guarda de terras, castigar e executar inimigos de seus chefes. Foi a truculência desses jagunços que deu origem à jornada de diversos cangaceiros motivados pelo desejo de vingança”.


2º - A vida criminosa como alternativa à miséria e submissão:

“As condições naturais do Sertão são especialmente infavoráveis à vida humana. Os longos períodos de estiagem castigam seus habitantes através dos efeitos consecutivos que a falta d'água produz. O gado morre e as plantações ficam comprometidas, assim, famílias inteiras tentam se equilibrar num contexto de subsistência precária. Quando havia oferta de emprego, ou melhor, de trabalho, ela era ligada ao coronel da região, figura nem sempre louvável(...)Pensar nas autoridades da região como figuras de violência e senso de justiça similar aos dos temidos cangaceiros faz com que se compreenda melhor como tantos sertanejos optaram por esse caminho. A vida criminosa não era nada cordial, mas entre fugas e investidas, oferecia o poder de ter tudo aquilo que passava longe da realidade da maioria: ouro, respeito e mulheres (e sobre este último ponto, como é de se imaginar, o estupro era algo recorrente)”.

Jagunços do Contestado - cafehistoria.ning.com  

"Durante muito tempo, a história tradicional fez vista grossa para a opressão e a miséria que vitimava o povo . Quando ficou impossível ocultar a exploração, criaram mentiras sobre o caráter brasileiro".
                                   
 clubedahistoria.com.br


3º - O sangrento preço da vida entre os cangaceiros:

"O vermelho é uma cor muito compatível com o trajeto do Cangaço, não apenas pelo coro de luta ou coragem, mas principalmente pelo sangue. Se entre os coronéis, representantes da lei no Sertão, a violência já era evidente, no Cangaço ela era uma assinatura. O traço hediondo da tradicional execução por sangramento era regido pelo punhal, introduzido em pontos vitais de suas vítimas. Para lidar com tamanha rotina, outra característica chamava atenção: a frieza aterrorizante.

Ao passo que se comandava torturas e execuções, as histórias também falam dos cangaceiros como figuras musicais e risonhas. Como se a vida e a morte fosse (e era mesmo) parte do dia-a-dia daquelas pessoas(...) 
Bem como a tradição oral transmite, em certa ocasião um sujeito estava cometendo incesto e foi flagrado por Lampião, o cangaceiro separou os dois irmãos e trouxe o rapaz para conversar. Ele falou para o homem que ele devia colocar os seus testículos dentro da gaveta e fechar com chave. Em seguida, Lampião colocou um punhal sobre o criado-mudo e disse "Volto em dez minutos, se você ainda estiver aqui eu te mato"(...)".

 Foto do bando tirada em 1927 na cidade de Limoeiro, após o ataque a Mossoró. Lampião seria o quinto da direita para esquerda, sentado - limoeirodonortece.blogspot.com

4º - A opinião pública dividida entre amor e ódio:

“Lampião já era uma lenda viva antes mesmo de sua vida ser documentado pelo corajoso jornalista sírio-libanês, Benjamin Abrahão. Tratado pela polícia dos estados como uma verdadeira praga a ser exterminada, temido por onde passava, ainda assim ganhou a simpatia de muita gente. Virgulino tinha a confiança de gente de diversos setores da sociedade: coronéis, sertanejos e até mesmo a igreja, representada pelo inigualado Padre Cícero, a quem se deposita regionalmente o prestígio de uma santidade(...) A situação de considerável apoio da sociedade pode se amparar no senso de justiça em crítica à força oficial vigente. O respeitado historiador britânico, Eric Hobsbawn, em uma de suas obras (Bandidos/1969), apontou o Cangaço brasileiro como um exemplo claro do fenômeno do banditismo social, que se alinhava ao princípio de contestação, como um sentido primitivo de revolta”.

Bando de Lampião - 1936 - 1937 - Benjamin Abrahão

5º -  Volantes: a polícia especial dos estados treinada com as mesmas práticas dos cangaceiros:

“Por décadas a República simplesmente amargou a inferioridade de suas forças diante do preparo e conhecimento preciso dos bandos cangaceiros. Equipados com cangas de madeira e utensílios metálicos (daí o nome cangaço: canga+aço), esses grupos eram compostos por homens (e também, muito raramente, mulheres) de invejável experiência de combate, sempre furtivos e ágeis(...)Nas cidadelas invadidas, a polícia costumava ser ínfima e sem a menor condição para impedir investidas tão bem articuladas. Quando chegava algum reforço capaz de enfrentá-los, os cangaceiros simplesmente desapareciam em rotas de fuga que os levavam para outros estados, onde somente as forças policiais correspondentes poderiam atuar(...)Nas cidadelas invadidas, a polícia costumava ser ínfima e sem a menor condição para impedir investidas tão bem articuladas. Quando chegava algum reforço capaz de enfrentá-los, os cangaceiros simplesmente desapareciam em rotas de fuga que os levavam para outros estados, onde somente as forças policiais correspondentes poderiam atuar”.

Força Volante de Odilon Flor na Bahia. Destaque para seu filho, Luiz Florcentro da imagem e a cabeça dos cangaceiros - blogdomendesemendes.blogspot.com

6º - O jornalista libanês que documentou a vida dos cangaceiros:

“Figura responsável pelos mais preciosos registros iconográficos do Cangaço, Benjamin Abrahão Botto conheceu de perto, por vários meses, a rotina de diversos bandos cangaceiros, inclusive os dos notáveis Corisco e Lampião. Ele foi por muitos anos secretário de Padre Cícero em Juazeiro do Norte, no interior do Ceará, até que com a morte do sacerdote em 1934, colocou em prática seu projeto mais ambicioso: filmar e fotografar Lampião e seu bando(...)Se aproveitando da ligação de Lampião com Padre Cícero, Abrahão facilmente se aproximou do cangaceiro. Lampião era uma figura extremamente vaidosa, característica que o consolidava como Rei do Cangaço, se deixando acompanhar pelo jornalista. O material coletado ao longo de cerca de 2 anos (1936 e 1937) era de extrema preciosidade e foi recebido nas grandes metrópoles como um verdadeiro escândalo. O Cangaço era uma ofensa ao Estado Novo de Getúlio Vargas, que tratou de censurar e confiscar o registro de Benjamin(...)O sírio-libanês Benjamin Abrahão trouxe a público relatos detalhados sobre a rotina e características dos bandos cangaceiros, o que pode ter sido nocivo à estratégia dos bandos, cada vez mais combatidos em esfera interestadual. Em menos de três anos a maior parte dos principais bandos foi desmantelada, inclusive com a execução de Lampião (1938) e Corisco (1940). O próprio Benjamin também teve seu fim em 1938 (dois meses antes da morte de Lampião e seu bando), vítima de nada menos que 42 facadas em um assassinato até hoje não esclarecido. Segundo o historiador Frederico Pernambucano de Mello, a mesma força que matou Lampião, matou Benjamin: o desmoralizado Estado Novo(...)”. 

Benjamin Abrahão Botto - www.portaldacomunidadearabe.jex.com.br

PS// Aqui, mostramos a opinião do sociólogo

Frederico Pernambucano de Mello, sobre o que resultou, as filmagens do Benjamin: 

“As fotos e filmes de Benjamim eram um atestado da incompetência das forças policiais e uma afronta ao Palácio do Catete”’(...)“Antes que o Estado Novo espatifasse o sistema de poder do sertão, era alto negócio para qualquer fazendeiro comercializar com o cangaceiro. O Estado Novo acabou com esse colaboracionismo. A morte de Benjamin foi, sobretudo, uma queima de arquivo histórica.”

7º - Um cerco que se fechava: a falência dos bandos e o fortalecimento do combate ao cangaço:

“Com o passar dos anos, a forma que o Estado tratava o Cangaço era cada vez mais madura. A segunda metade dos anos 1930 foi especialmente difícil para os bandos cangaceiros. Um a um, os criminosos iam sucumbindo ou se entregando em troca da anistia. O marco do fim dos tempos do Cangaço foi a emboscada que executou Lampião, Maria Bonita e diversos membros de seu bando. Suas cabeças foram expostas ao público em muitas cidades do Sertão nordestino(...)O fim do Cangaço foi causa direta da insatisfação com tamanha desmoralização do Estado Novo causada pelas imagens de Abrahão. Não só como atividade marginal, mas também como exemplo escancarado da corrupção de coronéis colaboradores, o Cangaço era uma afronta a Getúlio Vargas e sua proposta ideológica. E sistematicamente pagou o preço da visibilidade que adquiriu.”

Foto das Cabeças dos Cangaceiros mortos na Grota do Angico - www.esperancadeouro.com

OPINIÕES E PITACOS:

“O ponto sobre bandidos sociais é que eles são criminosos camponeses a quem o senhor feudal e o Estado enxergam como criminosos, mas que permanecem dentro da sociedade camponesa, e são considerados por seu povo como heróis, como campeões, vingadores, lutadores pela justiça, talvez até mesmo líderes de libertação e, em qualquer caso, homens para serem admirados, ajudados e apoiados. Esta relação entre o camponês comum e o rebelde, bandido e ladrão é o que faz o banditismo social interessante e significativo.”

Eric Hobsbawn

“Naquela época, Lampião mobilizava grossos capitais. Travava com coronéis da região que financiavam seus roubos e recebiam parte do lucro. Seu bando era a imagem do sucesso da organização fora da lei."

Frederico Pernambucano de Mello

Poeta popular faz, produz, estrofe sobre Canudos.

"O soldado morria,
porque queria matar.
O sertanejo matava,
por que queria viver.
... coisa bem diferente,
que se precisa entender.
Venceu o acampamento,
acabou-se o povoado.
O tempo veio depois,
o fogo acabou as casas,
a água escondeu o chão.
Mas o nome de Canudos
ninguém esquece, patrão.
Canudos é protesto
ecoando no sertão".
(A Tarde, 26-06-1993).

(autor desconhecido)

"(...)os poetas populares, os artistas anônimos, a tradição do povo para quem Canudos nunca deixou de ser uma esperança destroçada de redenção dos pobres. A resistência ideológica da literatura de cordel, dos repentistas semianalfabetos e dos compositores populares contribuiu, e muito, para ensinar aos esclarecidos a verdade de Canudos(...)".
Haroldo Lima Deputado Federal pelo PCdoB da Bahia

Pesquisa:



HOBSBAWM, E.J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1969.

MELLO, Frederico Pernambucano. Guerreiros do sol – violência e banditismo no nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.

http://oficiodasespingardas.blogspot.com.br/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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